Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 62.878/16

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Decreto n. 56.981, de 10 de maio de 2016, do Município de São Paulo. Vício formal. Ofensa ao Princípio da legalidade.

1. Decreto Municipal n. 56.981, de 10 de maio de 2016, que dispõe sobre o uso intensivo do viário urbano municipal para exploração de atividade econômica privada de transporte individual remunerado de passageiros de utilidade pública, o serviço de carona solidária e o compartilhamento de veículos sem condutor.

2. A imposição de vedações, obrigações e sanções a particulares é matéria submetida à reserva legal. Decreto municipal que, a pretexto de regulamentar lei federal, inovou acerca do tema, de forma autônoma, genérica e abstrata, mediante a disciplina ao exercício de atividade privada de transporte. Ofensa aos artigos 111 e 144 da CE/89 (artigo 5º, II, 37, e 182 da CF).

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do Decreto n. 56.981, de 10 de maio de 2016, do Município de São Paulo, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O Ato Normativo Impugnado

 

 O Prefeito Municipal de São Paulo editou em 10 de maio de 2016 o Decreto n. 56.981, de 10 de maio de 2016, com o seguinte teor:

                                      “(...)

 

Art. 1º Este decreto regulamenta os artigos 12 e 18, I, da Lei Federal nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, disciplinando o uso intensivo do viário urbano no Município de São Paulo para exploração de atividade econômica privada de transporte individual remunerado de passageiros de utilidade pública e regula o serviço de carona solidária e de compartilhamento de veículo sem condutor no Município.

 

Parágrafo único. Este decreto não se aplica aos serviços previstos na Lei Municipal nº 7.329 , de 11 de julho de 1969.

 

CAPÍTULO I - DO USO INTENSIVO DO VIÁRIO URBANO

 

Art. 2º O viário urbano integra o Sistema Municipal de Mobilidade e sua utilização e exploração deve observar as seguintes diretrizes:

I - evitar a ociosidade ou sobrecarga da infraestrutura disponível;

II - racionalizar a ocupação e a utilização da infraestrutura instalada;

III - proporcionar melhoria nas condições de acessibilidade e mobilidade;

IV - promover o desenvolvimento sustentável da cidade de São Paulo, nas dimensões socioeconômicas e ambientais;

V - garantir a segurança nos deslocamentos das pessoas;

VI - incentivar o desenvolvimento de novas tecnologias que aperfeiçoem o uso dos recursos do sistema;

VII - harmonizar-se com o estímulo ao uso do transporte público e meios alternativos de transporte individual.

 

CAPÍTULO II - DO TRANSPORTE INDIVIDUAL REMUNERADO DE PASSAGEIROS DE UTILIDADE PÚBLICA

 

Seção I - Do Serviço

 

Art. 3º O direito ao uso intensivo do viário urbano no Município de São Paulo para exploração de atividade econômica de transporte individual remunerado de passageiros de utilidade pública somente será conferido às Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas - OTTCs.

 

§ 1º A condição de OTTC é restrita às operadoras de tecnologia credenciadas que sejam responsáveis pela intermediação entre os motoristas prestadores de serviço e os seus usuários.

§ 2º A exploração intensiva do viário no exercício do serviço de que trata este capítulo fica restrita às chamadas realizadas por meio das plataformas tecnológicas geridas pelas OTTCs, assegurada a não discriminação de usuários e a promoção do amplo acesso ao serviço, sem prejuízo da possibilidade de exclusão regulamentar por motivo de justa causa.

 

Art. 4º As OTTCs credenciadas para este serviço ficam obrigadas a abrir e compartilhar seus dados com a Prefeitura, nos termos do artigo 35 deste decreto, contendo, no mínimo:

I - origem e destino da viagem;

II - tempo de duração e distância do trajeto;

III - tempo de espera para a chegada do veículo à origem da viagem;

IV - mapa do trajeto;

V - itens do preço pago;

VI - avaliação do serviço prestado;

VII - identificação do condutor;

VIII - outros dados solicitados pela Prefeitura necessários para o controle e a regulação de políticas públicas de mobilidade urbana.

 

Art. 5º A autorização do uso intensivo do viário urbano para exploração de atividade econômica de transporte individual remunerado de passageiros de utilidade pública é condicionada ao credenciamento da OTTC perante o Poder Executivo Municipal.

§ 1º A autorização de que trata o "caput" deste artigo terá sua validade suspensa no caso de não pagamento do preço público previsto no artigo 8º deste decreto.

§ 2º Poderá ser cobrado preço público mensal ou anual das OTTCs para o credenciamento de que trata o "caput" deste artigo.

 

Art. 6º Compete à OTTC credenciada para operar o serviço de que trata esta seção:

I - organizar a atividade e o serviço prestado pelos motoristas cadastrados;

II - intermediar a conexão entre os usuários e os motoristas, mediante adoção de plataforma tecnológica;

III - cadastrar os veículos e motoristas prestadores dos serviços, atendidos os requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade;

IV - fixar a tarifa, observado o valor máximo estabelecido pelo Comitê Municipal de Uso do Viário - CMUV;

V - intermediar o pagamento entre o usuário e o motorista, disponibilizando meios eletrônicos para pagamento, permitido o desconto da taxa de intermediação pactuada.

 

Parágrafo único. Além do disposto no "caput" deste artigo, são requisitos mínimos para a prestação do serviço de que trata esta seção:

I - utilização de mapas digitais para acompanhamento do trajeto e do tráfego em tempo real;

II - avaliação da qualidade do serviço pelos usuários;

III - disponibilização eletrônica ao usuário da identificação do motorista com foto, do modelo do veículo e do número da placa de identificação;

 

IV - emissão de recibo eletrônico para o usuário, que contenha as seguintes informações:

a) origem e destino da viagem;

b) tempo total e distância da viagem;

c) mapa do trajeto percorrido conforme sistema de georreferenciamento;

d) especificação dos itens do preço total pago;

e) identificação do condutor.

 

Art. 7º A OTTC deve disponibilizar sistema de divisão de corridas entre chamadas de usuários cujos destinos tenham trajetos convergentes, garantida a liberdade de escolha dos usuários.

 

§ 1º Fica permitida à OTTC cobrar uma tarifa total maior pela viagem, desde que cada usuário pague uma tarifa individual inferior à que pagaria fora do sistema de divisão de corridas.

§ 2º As corridas divididas ficam limitadas a um máximo de 4 (quatro) passageiros se deslocando concomitantemente por veículo.

 

Seção II - Dos Créditos de Quilômetros para Uso Intensivo do Viário Urbano

 

Art. 8º A exploração intensiva da malha viária pelos serviços de transporte individual remunerado de utilidade pública é condicionada à utilização de créditos de quilômetros pelas OTTCs.

 

§ 1º A utilização de créditos de quilômetros pelas OTTCs implicará em outorga onerosa e pagamento de preço público como contrapartida do direito de uso intensivo do viário urbano.

§ 2º Os créditos de quilômetros serão contabilizados de acordo com a distância percorrida na prestação dos serviços pelos veículos cadastrados pela OTTC.

 

Art. 9º A utilização do sistema de créditos de quilômetros para uso intensivo do viário na prestação dos serviços de transporte individual remunerado de utilidade pública é restrita às OTTCs credenciadas.

 

§ 1º O preço público da outorga poderá ser alterado como instrumento regulatório destinado a controlar a utilização do espaço público e a ordenar a exploração adicional do viário urbano de acordo com a política de mobilidade e outras políticas de interesse municipal.

§ 2º O preço público fixado para a outorga poderá variar de acordo com a política de incentivo ou desincentivo do uso do viário.

 

Art. 10. O uso dos créditos de quilômetros utilizados será contabilizado e terá o pagamento de sua outorga onerosa feito por meio eletrônico.

 

Parágrafo único. O pagamento do preço público da outorga deverá ser feito em até 2 (dois) dias úteis contados a partir do fechamento do dia da utilização dos créditos de quilômetros mediante guia de recolhimento eletrônica.

 

Art. 11. Além das diretrizes previstas no artigo 2º deste decreto, a definição do preço público poderá considerar o impacto urbano e financeiro do uso do viário pela atividade privada, dentre outros:

I - no meio ambiente;

II - na fluidez do tráfego;

III - no gasto público relacionado à infraestrutura urbana.

 

§ 1º O preço público dos créditos de quilômetros será alterado sempre que houver fundado risco do montante autorizado superar os níveis estabelecidos para uso prudencial e regular do espaço urbano nos serviços intermediados pelas OTTCs, de maneira a inibir a superexploração da malha viária e compatibilizar o montante com a capacidade instalada.

§ 2º A alteração do preço público prevista no § 1º deste artigo objetivará deslocar a curva de demanda por créditos de maneira a promover o equilíbrio desse mercado dentro dos níveis estipulados.

 

Art. 12. O consumo dos créditos de quilômetros pelo uso intensivo do viário para transporte individual remunerado de utilidade pública deverá seguir tabela de conversão, nos termos do artigo 29, inciso V, deste decreto, considerando, no mínimo, como fator de regulação:

I - compartilhamento de veículo;

II - horário de circulação;

III - localização do veículo durante o trajeto;

IV - veículos não poluentes;

V - veículos híbridos;

VI - acessibilidade;

VII - integração com outros modais do sistema de transporte público.

 

§ 1º Considera-se como acessíveis os veículos que permitam embarque, permanência e desembarque de usuários com deficiência ou mobilidade reduzida em sua própria cadeira de rodas.

§ 2º As conversões previstas neste artigo terão efeito cumulativo multiplicativo.

§ 3º As OTTCs deverão disponibilizar mecanismos eletrônicos que permitam o controle pela Prefeitura do consumo dos créditos, conforme previsto na regulamentação do credenciamento.

§ 4º O CMUV poderá instituir outros fatores de incentivo, com o objetivo de cumprir as diretrizes definidas no artigo 2º deste decreto.

 

Seção III - Da Política Tarifária

 

Art. 13. A OTTC tem liberdade para fixar a tarifa cobrada do usuário dos serviços, obedecido o valor máximo estabelecido pelo Comitê Municipal de Uso do Viário - CMUV.

 

Parágrafo único. Devem ser disponibilizadas ao usuário, antes do início da corrida, informações sobre o preço a ser cobrado e cálculo da estimativa do valor final.

 

Art. 14. A liberdade tarifária estabelecida no artigo 13 deste decreto não impede que o Poder Público Municipal exerça suas competências de fiscalizar e de reprimir práticas desleais e abusivas cometidas pelas OTTCs.

 

Seção IV - Da Política de Cadastramento de Veículos e Motoristas

 

Art. 15. Podem se cadastrar nas OTTCs motoristas que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - possuir carteira profissional de habilitação com autorização para exercer atividade remunerada;

II - possuir CONDUTAX (Cadastro Municipal de Condutores de Táxi) ou cadastro similar regulado pela Prefeitura;

III - comprovar aprovação em curso de formação com conteúdo mínimo a ser definido pela Prefeitura;

IV - comprovar contratação de seguro que cubra acidentes de passageiros (APP) e Seguro Obrigatório - DPVAT;

V - comprometer-se a prestar os serviços única e exclusivamente por meio de OTTCs;

VI - operar veículo motorizado com, no máximo, 5 (cinco) anos de fabricação.

 

§ 1º O curso de que trata o inciso III do "caput" deste artigo poderá ser ministrado pelas OTTCs ou por centros de treinamento autorizados pelo Poder Público, sendo a aprovação obtida pelo motorista em um único curso que cumpra os requisitos definidos válida para cadastramento em qualquer OTTC.

§ 2º O tempo de fabricação máximo estabelecido pelo inciso VI do "caput" deste artigo será de até 8 (oito) anos nos primeiros 18 (dezoito) meses contados da publicação deste decreto desde que o veículo tenha sistema de freios ABS instalado.

 

Art. 16. Compete à OTTC no âmbito do cadastramento de veículos e motoristas:

 

I - registrar, gerir e assegurar a veracidade das informações prestadas pelos motoristas prestadores de serviço e a conformidade com os requisitos estabelecidos;

II - assegurar que parte dos créditos de quilômetros consumidos por mês tenha sido utilizada em corridas exclusivamente conduzidas por motoristas do gênero feminino, sendo exigido, no mínimo:

a) 5% (cinco por cento) dos créditos de quilômetros a partir de 12 (doze) meses após a publicação deste decreto;

b) 10% (dez por cento) dos créditos de quilômetros a partir de 18 (dezoito) meses após a publicação deste decreto;

c) 15% (quinze por cento) dos créditos de quilômetros a partir de 24 (vinte e quatro) meses após a publicação deste decreto;

III - credenciar-se e compartilhar seus dados com o Poder Executivo Municipal, conforme regulamentação expedida nos termos do artigo 29 deste decreto.

 

Parágrafo único. O não atendimento dos percentuais estipulados no inciso II deste artigo nos respectivos prazos implicará a obrigação do pagamento de outorga onerosa equivalente ao montante de créditos de quilômetros faltantes que seriam necessários para atingir tais percentuais em dado mês, sem possibilidade de utilização desses créditos em corridas futuras.

 

CAPÍTULO III - DA CARONA SOLIDÁRIA

 

Art. 17. O direito à intermediação de carona solidária no viário urbano do Município de São Paulo somente será conferido às Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas - OTTCs.

§ 1º A condição de OTTC é restrita às operadoras de tecnologia responsáveis pela intermediação entre os condutores provedores de carona e os passageiros.

§ 2º Poderá ser cobrado preço público mensal ou anual das OTTCs para se credenciarem perante a Prefeitura.

 

Art. 18. Considera-se carona solidária, para efeito deste decreto, o transporte individual não remunerado de condutores provedores de carona e passageiros interessados em compartilhar viagens e custos, desde que:

I - não seja exercido com profissionalismo;

II - não tenha fins lucrativos;

III - seja realizado por veículos particulares não utilizados para atividade econômica de transporte remunerado de passageiros;

IV - não transporte mais de 4 (quatro) passageiros simultaneamente.

 

§ 1º É permitida a divisão equitativa das despesas do deslocamento entre os ocupantes do veículo, incluindo o condutor.

§ 2º A inobservância do disposto no "caput" deste artigo implica desvio de finalidade e transporte irregular de passageiros, com todas as penalidades e responsabilidades correspondentes.

 

§ 3º Ficam as OTTCs autorizadas a intermediar, coordenar e controlar a divisão de custos da viagem, podendo cobrar dos cadastrados pelo serviço prestado para esse fim.

 

Art. 19. Para a intermediação da atividade de carona solidária no viário urbano não é necessário o pagamento de preço público por distância percorrida pelos veículos cadastrados.

 

Art. 20. Compete à OTTC credenciada para operar o serviço de que trata este capítulo:

I - organizar a atividade de carona solidária;

II - cadastrar os veículos e usuários, atendidos os requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade;

III - intermediar, coordenar e controlar a divisão dos custos entre o condutor provedor da carona e os passageiros;

IV - assegurar o uso do serviço estritamente para a atividade permitida neste capítulo, responsabilizando-se pelo eventual desvio de finalidade dos usuários cadastrados.

 

CAPÍTULO IV - DA ATIVIDADE DE COMPARTILHAMENTO DE VEÍCULOS SEM CONDUTOR

 

Art. 21. O direito à exploração dos serviços de compartilhamento de veículos sem condutor no viário urbano do Município de São Paulo somente será conferido às Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas - OTTCs.

 

Parágrafo único. Compartilhamento de veículos sem condutor é o serviço de locação de veículos disponibilizados em vagas de estacionamento em vias e logradouros públicos, conforme previsto no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo - Lei nº 16.050 , de 31 de julho de 2014.

 

Art. 22. A exploração dos serviços de compartilhamento de veículos sem condutor será condicionada ao pagamento de outorga pelo direito de uso de estacionamento em viário urbano.

 

Parágrafo único. Além do pagamento da outorga previsto no "caput" deste artigo, poderá ser exigido preço público mensal ou anual das OTTCs para se credenciarem perante a Prefeitura.

 

Art. 23. Compete à OTTC credenciada para operar o serviço de que trata este capítulo:

I - organizar a atividade e o serviço de compartilhamento de veículos sem condutor;

II - cadastrar os veículos e usuários, atendidos os requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade;

III - fixar o preço da locação do veículo e receber o pagamento do usuário.

 

Art. 24. As OTTCs credenciadas para operar a atividade de compartilhamento de veículos sem condutor ficam autorizadas a alocar veículos de suas frotas em vagas de estacionamento, exclusivas ou não, em vias e logradouros públicos, conforme previsto em regulamentação específica.

 

§ 1º A Prefeitura poderá incluir ou remover vagas de estacionamento para veículos compartilhados sem condutor a qualquer tempo.

§ 2º As OTTCs credenciadas para essa atividade poderão apresentar estudo técnico que demonstre a necessidade de vagas de estacionamento fixas em vias e logradouros públicos do Município de São Paulo.

 

Art. 25. Os veículos vinculados ao serviço de compartilhamento sem condutor devem ter, em seu exterior, identidade visual própria, como adesivos ou pinturas visíveis que facilitem a identificação pelos usuários do sistema e pela fiscalização de trânsito, respeitada a legislação municipal de ordenamento dos elementos da paisagem urbana.

 

CAPÍTULO V - DO COMITÊ MUNICIPAL DE USO DO VIÁRIO - CMUV

 

Art. 26. Fica instituído o Comitê Municipal de Uso do Viário - CMUV para acompanhamento, desenvolvimento e deliberação dos parâmetros e políticas públicas estabelecidas neste decreto.

 

Art. 27. São membros do CMUV:

I - o Secretário Municipal de Transportes, que o presidirá;

II - o Secretário Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico;

III - o Secretário Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras,

IV - o Diretor-Presidente da São Paulo Negócios.

 

§ 1º O CMUV deliberará por maioria absoluta e terá suas decisões definidas em ata e publicadas no Diário Oficial da Cidade.

§ 2º O CMUV poderá convidar para participar de suas reuniões titulares ou representantes de outros órgãos e entidades do Poder Público e da iniciativa privada, que terão direito a voz, mas não a voto.

§ 3º A Secretaria Municipal de Transportes deverá prover o necessário apoio técnico e administrativo ao CMUV.

 

Art. 28. O CMUV reunir-se-á mensalmente ou sempre que for convocado em caráter extraordinário por seu Presidente.

 

§ 1º A reunião poderá ocorrer por meio de conferência de vídeo, voz ou qualquer outro recurso tecnológico idôneo, podendo os atos e documentos respectivos tramitar e ser firmados por meio eletrônico.

§ 2º O Presidente, em casos de relevância e urgência, poderá expedir resoluções "ad referendum" do colegiado, que as apreciará como primeiro item da pauta de sua reunião subsequente.

 

Art. 29. Compete ao Comitê Municipal de Uso do Viário - CMUV:

 

I - fixar metas e níveis de equilíbrio de utilização da infraestrutura urbana para exploração de atividades econômicas;

II - definir os preços públicos cobrados das OTTCs para operar cada serviço;

III - estabelecer metodologia de alteração dos preços públicos a ser seguido nas reuniões do Comitê, em conformidade com as metas e níveis estabelecidos para utilização da infraestrutura urbana;

IV - alterar os preços públicos de acordo com a metodologia definida;

V - definir e rever a tabela de conversão de que trata o artigo 12 deste decreto, bem como instituir outros fatores de incentivo conforme previsto em seu § 4º;

VI - definir os parâmetros de credenciamento das OTTCs para cada serviço;

VII - definir regramentos de cadastro similar ao CONDUTAX para o serviço de transporte individual de utilidade pública, nos termos do artigo 15, inciso II, deste decreto;

VIII - definir requisitos mínimos do curso a ser ministrado aos motoristas de transporte individual de utilidade pública, nos termos do artigo 15, inciso III, deste decreto;

IX - definir e rever a tarifa máxima a ser cobrada pelas OTTCs que operem atividades econômicas privadas de uso intensivo do viário urbano;

X - receber representações de abuso de poder de mercado e encaminhá-las aos órgãos competentes;

XI - acompanhar, monitorar, medir e avaliar a eficiência da política regulatória estabelecida neste decreto, mediante indicadores de desempenho operacionais, financeiros, ambientais e tecnológicos tecnicamente definidos;

XII - expedir resoluções sobre as matérias de sua competência.

 

Parágrafo único. O CMUV deverá dar publicidade a seus atos de maneira a garantir às OTTCs transparência, previsibilidade, segurança jurídica, estabilidade e efetividade das políticas públicas ora reguladas.

 

CAPÍTULO VI - SANÇÕES

 

Art. 30. A infração a qualquer disposição deste decreto ou do regulamento enseja a aplicação das sanções previstas na legislação em vigor, sem prejuízo de outras regidas no ato de credenciamento.

 

Art. 31. As penalidades previstas para os serviços de que trata este decreto aplicam-se de forma plena em relação àqueles que operarem clandestinamente, sem credenciamento, cadastro ou autorização regular.

 

Art. 32. Quem, de qualquer forma, concorrer para a prática de infrações à regulação dos serviços previstos neste decreto, incide nas penas a elas cominadas, na medida da sua culpabilidade.

 

Art. 33. Sem prejuízo da publicação oficial dos atos, os órgãos municipais responsáveis pela fiscalização das atividades de que trata este decreto ficam obrigados a dar publicidade às sanções administrativas aplicadas em sua página na internet.

 

Parágrafo único. A publicidade de que trata o "caput" deste artigo abrange a divulgação de listas atualizadas com a identificação dos operadores e prestadores de serviço penalizados pela ausência de regular credenciamento ou autorização da Prefeitura.

 

Art. 34. Qualquer pessoa, constatando infração às disposições deste decreto, poderá dirigir representação às autoridades competentes com vistas ao exercício de seu poder de polícia.

 

CAPÍTULO VII - DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 35. As OTTCs credenciadas ficam obrigadas a abrir e compartilhar com a Prefeitura, por intermédio do Laboratório de Tecnologia e Protocolos para a Mobilidade Urbana - Mobilab, dados necessários ao controle e à regulação de políticas públicas de mobilidade urbana, garantida a privacidade e confidencialidade dos dados pessoais dos usuários.

 

Parágrafo único. É vedada a divulgação, pela Prefeitura ou por seus servidores, de informações obtidas em razão do ofício protegidas por sigilo legal.

 

Art. 36. As OTTCs poderão disponibilizar à Prefeitura, sem ônus para a Administração Municipal, equipamentos, programas, sistemas, serviços ou qualquer outro mecanismo físico ou informatizado que viabilize, facilite, agilize e dê segurança à fiscalização de suas operações pelos órgãos competentes.

 

§ 1º Ficam as Secretarias, órgãos e entidades municipais autorizados a receber bens e serviços em doação para o cumprimento das finalidades relacionadas às suas respectivas esferas de atuação.

§ 2º Os interessados poderão indicar a destinação específica dos bens e serviços e encaminhar suas propostas diretamente às Secretarias, órgãos e entidades municipais destinatários, aos quais competirá a análise jurídica da proposta e do atendimento ao interesse público.

 

Art. 37. As receitas obtidas com o pagamento das outorgas e aquisição dos créditos de que trata este decreto serão destinadas ao cumprimento das metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Mobilidade Urbana.

 

Art. 38. Os serviços de que trata este decreto sujeitar-se-ão ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, nos termos da legislação pertinente, sem prejuízo da incidência de outros tributos aplicáveis.

 

Art. 39. Compete ao Comitê Municipal de Uso do Viário - CMUV a edição de normas complementares necessárias ao cumprimento do disposto neste decreto.

 

Art. 40. Compete à Secretaria Municipal de Transportes fiscalizar as atividades previstas neste decreto, sem prejuízo da atuação das demais secretarias no âmbito das suas respectivas competências.

 

Art. 41. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, com exceção:

I - do artigo 7º, que entrará em vigor decorridos 540 (quinhentos e quarenta) dias de sua publicação;

II - do artigo 12, que entrará em vigor decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação;

III - dos incisos II e III do artigo 15, que entrarão em vigor decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

 O Decreto Municipal n. 56.981, de 10 de maio de 2016, de São Paulo, não obstante a nobre intenção de regulamentar a matéria no âmbito do Município de São Paulo, fere a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Com efeito, referido ato normativo municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da CE/89:

 

(...)

 

Artigo. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

 

(...)

 

Artigo 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

(...)

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

 

(...)

 

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

 

(...)

 

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

 

(...)

         E da Constituição Estadual:

 

(...)

 

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

 

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

(...)

 

A fim de regulamentar os preceitos contidos na Constituição Federal quanto à mobilidade urbana foi editada a Lei Federal n. 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana:

“Art. 1º.  A Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do art. 21 e o art. 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município. 

Parágrafo único.  A Política Nacional a que se refere o caput deve atender ao previsto no inciso VII do art. 2o e no § 2o do art. 40 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade)

Art. 2º.  A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. 

Art. 3º. O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município

§ 1º.  São modos de transporte urbano: 

I - motorizados; e 

II - não motorizados. 

§ 2º. Os serviços de transporte urbano são classificados: 

I - quanto ao objeto: 

a) de passageiros; 

b) de cargas; 

II - quanto à característica do serviço: 

a) coletivo; 

b) individual

III - quanto à natureza do serviço: 

a) público; 

b) privado

(...)

Seção I

Das Definições 

Art. 4º. Para os fins desta Lei, considera-se: 

I - transporte urbano: conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana

II - mobilidade urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano; 

III - acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando-se a legislação em vigor; 

IV - modos de transporte motorizado: modalidades que se utilizam de veículos automotores; 

V - modos de transporte não motorizado: modalidades que se utilizam do esforço humano ou tração animal; 

VI - transporte público coletivo: serviço público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público; 

VII - transporte privado coletivo: serviço de transporte de passageiros não aberto ao público para a realização de viagens com características operacionais exclusivas para cada linha e demanda; 

VIII - transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas

IX - transporte urbano de cargas: serviço de transporte de bens, animais ou mercadorias; 

X - transporte motorizado privado: meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares

XI - transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano: serviço de transporte público coletivo entre Municípios que tenham contiguidade nos seus perímetros urbanos; 

XII - transporte público coletivo interestadual de caráter urbano: serviço de transporte público coletivo entre Municípios de diferentes Estados que mantenham contiguidade nos seus perímetros urbanos; e 

XIII - transporte público coletivo internacional de caráter urbano: serviço de transporte coletivo entre Municípios localizados em regiões de fronteira cujas cidades são definidas como cidades gêmeas. 

(...)

Art. 12.  Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.  (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013)

Art. 18.  São atribuições dos Municípios: 

I - planejar, executar e avaliar a política de mobilidade urbana, bem como promover a regulamentação dos serviços de transporte urbano; 

 O legislador federal, a quem compete fixar as diretrizes da política nacional de transportes (artigo 22, IX, da CF), estabeleceu que o “Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município” (art. 3º).

Conceituou transporte urbano como o “conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana(artigo 4º, inciso I).

Estabeleceu dois modelos de transporte urbano motorizado individual, a saber, o público e o privado (artigo 3º, § 1º), bem como diferenciou o “transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas;” (artigo 4º, VIII), e o “transporte motorizado privado: meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares;” (artigo 4º, X).

Diferenciou, portanto, o serviço de transporte privado de passageiros do transporte público individual de passageiros.

Portanto, a Lei Federal nº 12.587/2012, ao estabelecer a política nacional de mobilidade urbana, claramente definiu o transporte privado de passageiros, como um dos modos de transporte aptos a garantir o deslocamento das pessoas no Município, claramente diferenciando esta modalidade do serviço de táxi (transporte público individual de passageiros). 

A opção do legislador federal deve ser compreendida como uma tentativa de possibilitar novos meios aptos a garantir a melhoria da acessibilidade e mobilidade de cargas e pessoas no Município, em atenção ao disposto no artigo 182 da CF, ou seja, visando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Ao assim dispor, o legislador federal impôs uma espécie de bloqueio legislativo ao legislador municipal, ao qual não se autoriza, nem mesmo a pretexto de legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I, da CF), proibir algum daqueles modos de transporte de passageiros contemplados na lei federal.

Cabe ao Município, portanto, apenas suplementar as diretrizes contidas na Lei Federal n. 12.587/12, nos termos dos artigos 30, I e II, da Constituição Federal.

Com efeito. A lei federal 12.587/12 reserva aos municípios (art. 12 e 18, I) o poder de disciplinar, regulamentar e organizar a prestação do serviço de transporte individual de utilidade pública.

Esta suplementação deve ser através de lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo legislativo.

A previsão normativa do artigo 12 da Lei Federal n. 12.587/12, ao dispor que os “serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas” exige complementação legal quanto aos contornos ao exercício do poder de polícia.

Acerca do poder de polícia, o artigo 78 do CTN dispõe:

“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

O parágrafo único do citado artigo 78 indica:

“Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

Ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

“o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público (...) Tomando-se como pressuposto o princípio da legalidade, que impede à Administração impor obrigações ou proibições senão em virtude de lei, é evidente que, quando se diz que o poder de polícia é faculdade de limitar o exercício de direitos individuais, está-se pressupondo que essa limitação seja prevista em lei.” (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo – 28. Ed. – São Paulo: Atlas, 2015, p. 158;)

O decreto impugnado ignorou a reserva legal na medida em que   usurpou esta função, regulamentando toda a matéria, sem que houvesse lei municipal anterior aplicável.  

Necessário destacar que os termos empregados na lei federal, assim como também se verifica no artigo 78 do CTN que cuida do poder de polícia (requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas) são por demais genéricos e fluídos, exigindo-se complementação.

Ora, além de impor vedações e obrigações, como o credenciamento exclusivo por meio de OTTCs (artigos 3º a 7º) o ato normativo impugnado determinou a aplicação de sanção pelo seu descumprimento (artigos 30 a 34), sem a existência de lei em sentido formal prévia.

Não se busca analisar a conformidade ou não com a Lei Federal n. 12.587/12, que ensejaria mera crise de legalidade. O Decreto atacado, em verdade, não regulamenta a lei federal, já que esta, como citado, não estabeleceu quais seriam os requisitos mínimos de segurança, higiene, conforto e política tarifária, remetendo ao Município a opção por fixá-los por meio de lei.

O ato normativo impugnado ostenta autonomia, generalidade e abstração suficientes, com introdução de novidade normativa, desafiando controle concentrado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Neste sentido:

“EMENTAS: 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ” (ADI n. 3664-RJ, Rel. Min. Cézar Peluso, Tribunal Pleno, Dje 21.09.2011)

 

Neste contexto, o ato normativo impugnado, ao inovar na regulamentação do transporte individual privado, com vedações, proibições, obrigações e até sanções, ostenta caráter autônomo, passível, portanto, de controle concentrado de constitucionalidade, por ofensa a reserva legal.

E ainda, como lembra VICENTE RÁO: 'Ao exercer a função de regulamentar, não deve pois, o Executivo criar direitos ou obrigações novas, que a lei não criou; ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações constantes da lei; ordenar ou proibir o que a lei não ordena  ou não proíbe, facultar ou vedar de modo diverso do estabelecido em lei, extinguir ou anular direitos ou obrigações que a lei conferiu, criar princípios novos, diversos, alterar a forma que, segundo a lei, deve revestir um ato, atingir, atingindo por qualquer modo, o espírito da lei’(‘O Direito e a Vida dos Direitos’, v. 1, RT, 3ª edição, p.273).

A lição do ilustre jurista pátrio é consentânea com a de MARCELLO CAETANO, para quem '...em sentido material o regulamento tem afinidades com a lei, em virtude de sua generalidade, pois os regulamentos possuem sempre caráter genérico. Mas distingue-se dela por faltar novidade, visto suas normas serem, pelo que toca a limitação de direitos individuais, simples desenvolvimento ou aplicação de outras normas, essas inovadoras' (Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, vol.1, p.97, 1990).

Outra não é a lição de CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p.809 e ss, Almedina, 4ª ed.), verbis: "...para restringir o amplo grau de liberdade de conformação normativa da administração, pouco compatível com um Estado de direito democrático, a CRP utilizou três instrumentos: (l) a reserva de lei (= reserva constitucional de lei = reserva horizontal de lei = reserva formal de lei) através da qual a Constituição reserva à lei a regulamentação de certas matérias; (2) congelamento do grau hierárquico, dado que, de acordo com este princípio, regulada por lei uma determinada matéria, o grau hierárquico da mesma fica congelado e só uma outra lei poderá incidir sobre o mesmo objecto (cfr. art. 112.°/6); (3) precedência da lei ou  primariedade da   lei (= reserva vertical de lei), pois não existe exercício de poder regulamentar sem fundamento numa lei prévia anterior (art. 112.°/8)'Ademais, como decorrência, prossegue o autor lusitano lembrando o '...princípio da complementaridade ou acessoriedade dos regulamentos. O regulamento é sempre um acto normativo da administração sujeito a lei, complementar da lei. O sentido da complementaridade dos regulamentos não é o de a CRP (cfr. art. 199) legitimar apenas os regulamentos de execução (regulamentos necessários para as leis serem convenientemente executadas e que a administração deve editar por iniciativa própria). Abrangem-se também os regulamentos complementares (...) Ademais, existe também no ordenamento o princípio do congelamento do grau hierárquico. Quando uma matéria tiver sido regulada por acto legislativo, o grau jurídico desta regulamentação fica congelado, e só um outro acto legislativo poderá incidir sobre a mesma matéria, interpretando, alterando, revogando ou integrando a lei anterior. Os princípios da tipicidade e da preeminência da lei justificam logicamente o princípio do congelamento do grau hierárquico: uma norma legislativa nova, substitutiva, modificativa ou revogatória de outra, deve uma hierarquia normativa pelo menos igual à da norma que se pretende alterar, revogar, modificar ou substituir.'

KONRAD HESSE de modo escorreito ('Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha', Sergio Antonio Fabris ed., p. 386, 1998, Porto Alegre), tem lição idêntica: "O conhecimento da função da legislação no quadro da ordem democrática e estatal-jurídica da Lei Fundamental deixa, mesmo tempo, aparecer mais claramente as bases e o significado dos institutos da primazia e da reserva da lei. A lei tem, segundo o artigo 20 da Lei Fundamental, primazia sobre todos os atos estatais restantes, porque ela se realizou sobre a base da legitimação democrática direta e em formas democráticas de formação de vontade política e porque sua primazia é pressuposto de seu efeito racionalizador assegurador da liberdade. A reserva (geral) da lei é uma reserva da decisão de questões fundamentais acessíveis a uma normalização no procedimento legislativo pelo legislador."

Não por acaso, PAOLO BARILE chama os regulamentos de normação sub-primária, sendo a lei a norma primária por excelência ('Istituzioni Di Diritto Pubblico', p. 402, 1998, 8.ª ed., CEDAM). E classifica de 'maior' o indirizzo político advindo da lei e de 'menor' o indirizzo político advindo da função administrativa.

Neste mesmo sentido a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello para quem se exige “lei para que o Poder Público possa impor obrigações aos administrados. É que a Constituição brasileira, seguindo tradição já antiga, firmada por suas antecedentes republicanas, não quis tolerar o Executivo, valendo-se de regulamento, pudesse, por si mesmo, interferir com a liberdade ou a propriedade das pessoas. (...) Nisto se revela a função regulamentar, no Brasil, cinge-se exclusivamente à produção destes atos normativos que sejam requeridos para “fiel execução” da lei. Ou seja: entre nós, então, como se disse, não há lugar senão para os regulamentos que a doutrina estrangeira designa como “executivos” (Curso de Direito Administrativo, p. 338/339, 25 ed., Malheiros, 2007).

Neste sentido, enuncia a jurisprudência que:

“o princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal” (STF, AgR-QO-AC 1.033-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 25-05-2006, v.u., DJ 16-06-2006, p. 04).

III - PEDIDO LIMINAR

 

 Presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, bastantes para autorizar a suspensão liminar da vigência e eficácia do preceito normativo impugnado.

A aparência do bom direito se mostra inquestionável pela apreciação de todos os motivos acima elencados, a demonstrar a inconstitucionalidade do decreto estadual.

O perigo da demora decorre da periclitação à segurança jurídica, pois, o resultado da atividade dos órgãos criados gera efeito para terceiro (autores e vítimas de delitos) e tem a perspectiva de sua anulação por conta da inconstitucionalidade apontada, gerando estado de incerteza e instabilidade acerca dos efeitos decorrentes.

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do decreto impugnado.

IV – PEDIDO

 

Diante do exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade do Decreto n. 56.981, de 10 de maio de 2016, do Município de São Paulo.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal de São Paulo, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

                   São Paulo, 08 de agosto de 2.016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

aaamj/sh

 

 

Protocolado n. 62.878/16

Assunto: inconstitucionalidade do Decreto n. 56.981, de 10 de maio de 2016, do Município de São Paulo.

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do Decreto Municipal n. 56.981/16, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

2.     Oficie-se aos interessados, informando-lhes a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

3.     A Lei n. 12.587/2012 conferiu aos municípios atribuição para disciplinar os serviços de transporte urbano, mediante vedações, obrigações e sanções, não se admitindo esse mister por decreto, mas sim por lei em sentido estrito, fundamento este precedente e incompatível com a assertiva de invasão da esfera de competência normativa da União.

Não se constata, ainda, ofensa ao princípio da livre concorrência. Conforme já manifestado por esta Procuradoria de Justiça nos autos da ADI 2216901-06.2015.8.26.0000, a prestação de serviço de transporte privado de passageiros é cabível e positiva sob a ótica concorrencial e do consumidor. Ademais, submetendo-se o serviço de transporte público de passageiros (táxis) a outras normas regulamentadoras, as quais preveem direitos e obrigações distintos, não há na espécie parâmetro constitucional apto a embasar a alegação de concorrência desleal.

 

 

 

                    São Paulo, 08 de agosto de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/sh