Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 75.429/16

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 127, de 06 de agosto de 1996, do Município de  Parisi, que “Institui o 14º Salário para os funcionários públicos e autárquicos municipais, e inativos”. Servidor Público. Remuneração. Vantagem Pecuniária. Instituição desvinculada do atendimento ao interesse público e às exigências do serviço. Ofensa aos princípios de moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. A instituição de “14º salário prêmio assiduidade” não se compatibiliza com os princípios de moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público (art. 111, CE/89) e trata-se de vantagem pecuniária a servidores públicos que não atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço (art. 128 e 144, CE/89).

 

 

 

                   O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 127, de 06 de agosto de 1996, do Município de Parisi, pelos fundamentos a seguir expostos:

I - OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

                   A Lei n. 127, de 06 de agosto de 1996, do Município de Parisi, tem a seguinte redação:

“Art. 1º. No mês correspondente de seu nascimento, de cada ano, a todo funcionário regido pela lei nº. 28 de 11 de maio de 1994, ou autárquico municipal, e inativos, será pago uma gratificação salarial, correspondente a referência 1 do padrão A do Anexo da Lei Complementar mº. 61 de 22 de maio de 1996.

Art. 2º. As faltas legais e justificadas ao serviço não serão deduzidas para os fins previstos no artigo 1º, desta Lei.

Art. 3º. Ocorrendo a exoneração sem justa causa, o empregado receberá a gratificação devida nos termos do art. 1º desta Lei.

Art. 4º. Esta lei entrará em vigor em 1º de janeiro de 1997, revogadas as disposições em contrário.

                   II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   O dispositivo impugnado do Município de Parisi contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Referido ato normativo municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   Como é cediço, a instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

                   O denominado 14º Salário não atende a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço. Retrata simplesmente dispêndio público sem causa, o que desperta preocupação, pois, como observa Wellington Pacheco Barros:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

                   Vale lembrar o ensinamento de Hely Lopes Meirelles criticando a excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público:

“Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2008, 34ª ed., p. 495).

                   Não se deve olvidar ainda neste concerto clássica admoestação salientando que:

“a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 1991, p. 111).

                   Não se vislumbra interesse público nem socorro às exigências do serviço a título de remuneração ou indenização a outorga de vantagem pecuniária que não tem qualquer causa jurídica hígida e significa autêntica liberalidade com o dinheiro público. O art. 128 da Constituição Estadual, norma que descende diretamente dos princípios de seu art. 111, condiciona a criação normativa subordinando a outorga de vantagens aos servidores aos motivos nele indicados (interesse público e exigências do serviço).

                   Nem se alegue semelhança com o décimo terceiro salário, direito de estatura constitucional que os servidores públicos também gozam (art. 39, § 3º, Constituição Federal; art. 124, § 3º, Constituição Estadual), e cuja origem é a concessão de gratificação natalina.

                   Não há na vantagem outorgada pela lei impugnada qualquer causa razoável a justificar sua instituição, ainda que parcialmente fomentada com contribuições dos servidores ativos e inativos e seus pensionistas, implantando tratamento desigualitário em detrimento dos trabalhadores em geral.

                   Este colendo Órgão Especial em oportunidades anteriores já declarou a inconstitucionalidade de normas similares:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 81, da Lei Complementar nº 08/1992, e da Lei nº 1.082/2011, do Município de Macedônia, instituindo, a primeira, a incorporação de quinquênios aos vencimentos dos servidores ‘para todos os efeitos’, gerando o efeito conhecido como ‘repique’ ou ‘cascata’, tendo a segunda mencionada lei criado o 14º salário a ser pago no mês do aniversário do servidor.

1. O efeito gerado pela LC 08/92 no cálculo do adicional viola proibição constitucional de acumulação de acréscimos ulteriores, os quais devem incidir sem considerar aquela incorporação. Precedentes do STF.

2. Do mesmo modo, ‘quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna’, tal como na concessão injustificada de 14º salário, há afronta aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público.

3. Ofensa aos artigos 111, 115, XVI, e 128, da Constituição Bandeirante.

4. Julgaram procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade do artigo 81, da Lei Complementar nº 08/1992, e da Lei nº 1.082/2011, do Município de Macedônia” (ADI 2213310-70.2014.8.26.0000, Rel. Des. Vanderci Álvares, v.u., 04-02-2015).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n.° 2, de 24 de novembro de 2011, do Município de Pirapozinho. Norma que cria o 14° (décimo quarto) salário aos servidores municipais. Alegação de ofensa ao princípio da economicidade, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Regime Geral de Previdência Social. Ato normativo municipal que não pode ter como parâmetro imediato de controle de constitucionalidade a norma infraconstitucional, nem a Constituição da República. Ação que é conhecida apenas na parte que combate ofensa à Constituição Estadual. Mérito. Município que enfrenta graves problemas financeiros e orçamentários e que não tem condições de agraciar seus próprios servidores com benefício ímpar, sem qualquer correspondência no funcionalismo público ou mesmo na esfera privada. Endividamento bastante considerável, com veículos avariados, ausência de coleta regular de lixo, falta de estoque de medicamentos e vias urbanas sem pavimentação adequada. Provas abundantes a demonstrar a situação calamitosa do ente Municipal. Violação aos princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. Ação julgada procedente” (ADI 0086144- 26.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello, v.u., 23-10-2013).

                   Ademais, a lei municipal além de vulnerar os princípios de moralidade, interesse público, e finalidade também ofende o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e que, como aqueles, têm assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

                   Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

                   O 14º Salário não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequado na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

                   Não é ocioso obtemperar que a razoabilidade é critério de aferição da constitucionalidade de leis e atos normativos como sumula a jurisprudência:

“(...) TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (...)” (STF, ADI-MC 2.667-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, v.u., DJ 12-03-2004, p. 36).

“(...) SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas normas legais impugnadas, da cláusula constitucional do substantive due process of law. (...)” (RTJ 178/22).

        

                  

IV - PEDIDO

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 127, de 06 de agosto de 1996, do Município de Parisi.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Parisi, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                   Termos em que, pede deferimento.

 

                   São Paulo, 10 de outubro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efrco/sh

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 75.429/16

 

 

 

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 127, de 06 de agosto de 1996, do Município de Parisi, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado e à douta Promotoria de Justiça Parisi, informando-lhes a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 10 de outubro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efrco/sh