Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 81.872/16

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 4º da Resolução n. 17/08, de 02 de outubro de 2018, da Câmara Municipal de São Vicente. Inexistência do direito à revisão geral anual do subsídio dos agentes políticos parlamentares municipais. Vinculação vedada à periodicidade e aos índices da revisão geral anual dos servidores públicos municipais.

1. Não gozam os agentes políticos parlamentares municipais dos direitos à revisão geral anual, restrito que é aos agentes públicos profissionais (art. 115, XI, CE/89), em obséquio às regras de anterioridade da legislatura e da inalterabilidade do subsídio durante esse período (art. 29, VI, CF/88), iluminadas pelo princípio da moralidade administrativa (art. 111, CE/89) e atraídas pela remissão do art. 144 da Constituição Estadual aos princípios da Constituição Federal.

2. Vedada Vinculação da alteração às datas e índices da revisão geral anual do funcionalismo público municipal (art. 115, XV, CE/89).

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo em exercício, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 4º da Resolução n. 17/08, de 02 de outubro de 2008, editada pela Câmara Municipal de São Vicente, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

                   A Resolução n.17/08, de 02 de outubro de 2008, editada pela Câmara Municipal de São Vicente, fixa o subsídio dos Vereadores da Câmara Municipal e dá outras providências, dispondo em seu art. 4º que:

Art. 4º. Os subsídios fixados nos artigos anteriores poderão ser alterados, por iniciativa privativa da Câmara Municipal, assegurada revisão geral anual, na mesma data e sem distinção de índices em relação aos servidores públicos municipais.

         A norma impugnada permite a alteração do valor do subsídio durante a legislatura mediante revisão anual, vinculando-o à revisão geral anual do funcionalismo público municipal.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   O preceito normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.  O ato normativo objurgado viola os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

XV - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

                   A incompatibilidade da norma impugnada se estabelece com o art. 144 da Constituição Estadual, norma remissiva que incorpora na Constituição Estadual os princípios estabelecidos na Constituição Federal, dentre eles a regra da anterioridade da legislatura para o subsídio dos Vereadores, contida no art. 29, VI, da Constituição Federal, que assim enuncia:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

VI – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos.

                   Com efeito, o art. 144 da Constituição Estadual que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

                   Além disso, a norma impugnada é incompatível com o art. 115, XI, da Constituição Estadual, que não aquinhoa os agentes políticos eletivos com a revisão geral anual.

                   O art. 115, XI, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal, não confere aos agentes políticos parlamentares municipais a revisão geral anual do subsídio, pois, ela é circunscrita aos servidores públicos e agentes políticos vitalícios por ocuparem cargos profissionais, cujo regime jurídico é marcadamente distinto daqueles que transitoriamente são investidos em cargos públicos de natureza política. Vereadores são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos porquanto têm o status de agentes não profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política por eleição. Logo, a concessão da revisão anual vulnera, além disso, a legalidade e a moralidade (art. 111, Constituição Estadual).

                   Acrescenta-se a isso o próprio impedimento gerado pela regra da anterioridade da legislatura que compreende a inalterabilidade do subsídio dos edis durante a legislatura (art. 144, Constituição Estadual, c.c. o art. 29, VI, Constituição Federal).

                   O preceito constitucional parâmetro estabelece as regras da anterioridade da legislatura para fixação do subsídio dos agentes políticos parlamentares municipais e da inalterabilidade do subsídio durante a legislatura e que decorrem do princípio da moralidade administrativa agasalhado tanto no art. 111 da Constituição Estadual quanto no art. 37 da Constituição Federal.

                   A norma parâmetro inibe a fixação ou alteração da remuneração dos Vereadores durante a legislatura, consoante doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1983, 3ª ed., pp. 203, 252; Pedro Calmon. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, 3ª ed., p. 125; Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 211-212) e jurisprudência (STF, RE 206.889-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 25-03-1997, v.u., DJ 13-06-1997, p. 26.718; STF, AI 720.929-RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29-09-2008, DJe 10-10-2008; STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010). Com efeito, “o subsídio do prefeito é fixado pela Câmara Municipal até o final da legislatura para vigorar na subseqüente” (STF, RE 204.889-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, 26-02-2008, m.v., DJe 16-05-2008), pois “é da competência privativa da Câmara Municipal fixar, até o final da legislatura, para vigorar na subseqüente, a remuneração dos vereadores” (STF, RE 122.521-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-11-1991, v.u., DJ 06-12-1991, p 17.827, RTJ 140/269).

                   Trata-se de entendimento pacífico na jurisprudência, como se constata dos julgados adiante transcritos:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SUBSÍDIOS DE PREFEITO E VEREADORES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Fixação para legislatura subsequente. Princípio da anterioridade. Precedentes. 2. O Tribunal a quo não julgou válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição da República. Inadmissibilidade do recurso pela alínea c do art. 102, inc. III, da Constituição da República. Precedente” (STF, AgR-RE 484.307-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, 23-03-2011, v.u., DJe 08-04-2011).

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. REMUNERAÇÃO. MAJORAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Tribunal de origem, ao constatar que os Atos 3 e 4/97 da Mesa da Câmara Municipal de Arapongas traduziram majoração de remuneração, agiram em conformidade com o entendimento pacífico desta Suprema Corte no sentido de que a remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente, de acordo com o disposto no art. 29, V, da Constituição Federal. Precedentes. III – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).

“CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VEREADORES. REMUNERAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQÜENTE. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. CF/88, ART. 29, V. 1. Princípio da anterioridade - A remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente (CF, art. 29, V). Precedentes. 2. As razões do regimental não atacam os fundamentos da decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido” (STF, AgR-RE 229.122-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 25-11-2008, v.u., DJe 19-12-2008).

                   E a jurisprudência também assenta a inalterabilidade do subsídio dos edis durante a legislatura:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 164/2009, DO MUNICÍPIO DE PARISI QUE REAJUSTOU EM 5,65% A REMUNERAÇÃO DE SEUS AGENTES POLÍTICOS PARA A MESMA LEGISLATURA EXISTÊNCIA DE LEI ANTERIOR PREVENDO REAJUSTE PARA O ANO DE 2009. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PERIODICIDADE ANUAL, ANTERIORIDADE E MORALIDADE ADMINISTRATIVA OFENSA AOS ARTIGOS 29, VI E 37, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGOS 111 E 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA AÇÃO PROCEDENTE” (TJSP, ADI 990.10.064771-7, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, 17-11-2010, v.u.).

Em face do disposto no inciso VI do artigo 29 da Constituição da República, com a redação que lhe deu a Emenda constitucional nº. 25, dos 14 de fevereiro de 2000, não poderiam os senhores vereadores da Câmara Municipal de Piracicaba, na própria legislatura, atualizar seus subsídios, ainda que com invocação do inciso XV do caput do artigo 37 da Constituição da República.

Sobre esse último dispositivo, de caráter geral, prevalece aquele, específico para o subsídio dos vereadores.

Certo que reajuste não é aumento, mas manutenção do poder de compra dos subsídios. Todavia, o inciso VI do artigo 29 da Constituição da República não proíbe aumento de subsídio durante a legislatura, quando então poder-se-ia dizer possível o reajuste ou atualização, mas determina que o subsídio seja fixado para a legislatura subseqüente, com observância dos critérios previstos na própria Constituição da República e na respectiva Lei Orgânica. O que é fixo não permite, salvo expressa previsão, alterações a título de atualização” (TJSP, II 990.10.096557-0, Rel. Des. Barreto Fonseca, 05-05-2010, v.u.).

Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada regra da legislatura’ aos parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a quem tem vínculo não profissional com a Administração Pública - é vedada a expansão do subsídio como parcela única concebido, para abranger valores excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual (ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal” (TJSP, ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).

“Este Colendo Órgão Especial, ao julgar ação direta de inconstitucionalidade intentada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado, já decidiu pela inconstitucionalidade de lei municipal que atrelava o valor do subsídio dos vereadores a um percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais, porque permitia que aquele (o subsídio dos vereadores) fosse reajustado na mesma legislatura, pois assim é autorizado para os Deputados da Assembléia Legislativa do Estado, enxergando-se, aí, violação ao artigo 29, VI, da Constituição Federal e, em conseqüência, ao artigo 144 da Constituição do Estado (ADIn n° 125.269-0/9-00, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, j . em 26.04.2006, v.u.; em igual sentido ADIn n° 157.896-0/9-00, Rei. Des. Armando Toledo, j . em 16.07.2008, v.u).

O Colendo Supremo Tribunal Federal já assentou ser inconstitucional dispositivo de lei estadual vinculando a alteração do subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado ao reajuste dos vencimentos dos servidores públicos. Assim está ementado o venerando acórdão em comento:

‘CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.904, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003 - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcionai de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88) - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes Ação direta de inconstitucionalidade procedente’ (ADI 3491/RS, Tribunal Pleno, relator Ministro Carlos Britto, v.u, j . em 27.09.2006, DJ de 23.03.2007, p. 71).

‘Mutatis mutantis’ a situação é a mesma em se tratando de lei municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador ao reajuste do funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade de dispositivo que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores, porquanto também nessa hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’, estatuída no artigo 29, VI, da Constituição da República. É o caso dos autos, em que a edição de lei atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao reajuste dos servidores municipais, ensejou alteração daquele na mesma legislatura, pelos próprios parlamentares, que assim acabaram por legislar em causa própria, em clara e inequívoca transgressão ao princípio da moralidade administrativa, que a Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art. 5º, LXXIII).

Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque ‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501)

Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema Corte, da lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º de agosto de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais alterar durante o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...), colhendo-se desse venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias atuais tem inteira aplicabilidade e está assim redigida: ‘João Barbalho, comentando o art. 46, da Constituição de 91, achava que deveria a fixação do subsidio ser antes da eleição, de modo que se não soubesse quem queria o beneficiado - cautela que hoje consta da Constituição de 46, e terminava suas considerações com a citação destas palavras de Aristóteles, sempre oportuna entre nós - 'Combinai de tal forma vossas leis e vossas instituições, que os empregos não possam ser objeto de um cálculo interessado’ (V. Comentários à Constituição Federal Brasileira, pg. 235)’ (...) (TJSP, II 161.056-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, 13-08-2008, v.u.).

                   A Suprema Corte corrobora estas conclusões, como se percebe da seguinte decisão:

“(...) Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto de acórdão assim ementado: ‘CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. VEREADORES. SUBSÍDIOS. MAJORAÇÃO EM MEIO À LEGISLATURA. INADMISSIBILIDADE. 1. É inadmissível, por afronta aos arts. 29, VI, da CF/88, a majoração dos subsídios dos vereadores em meio à legislatura. Os dispositivos constitucionais mencionados, não perdendo de vista a moralidade e a impessoalidade da Administração, consagraram o princípio da anterioridade, segundo o qual os subsídios dos Vereadores devem ser fixados em cada legislatura para a subseqüente, portanto, antes de conhecidos os novos eleitos. 2. APELAÇÕES DESPROVIDAS’ (fl. 329).   No RE, interposto com base no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se violação aos arts. 29, VI, 37, X, e 39, § 4º, da mesma Carta.   O agravo não merece acolhida. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência da Corte como se observa do julgamento do RE 206.889/MG, Rel. Min. Carlos Velloso (...)  Nesse sentido, menciono as seguintes decisões, dentre outras: AI 195.378/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RE 122.521/MA Rel. Min. Ilmar Galvão.   Isso posto, nego seguimento ao recurso” (STF, AI 720.929-RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29-09-2008, DJe 10-10-2008).

                   Além disso, ao vincular o momento e o índice da alteração dos subsídios aos da revisão geral anual concedida ao funcionalismo público municipal o preceito impugnado se incompatibiliza com o inciso XV do art. 115 da Constituição Estadual – que reproduz o art. 37, XIII, da Constituição Federal.

                   Não autoriza o ordenamento constitucional a vinculação entre os subsídios dos agentes políticos municipais e o dos servidores públicos municipais para fins de revisão geral anual. Conforme observa autorizada doutrina:

“as manifestações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre carreiras diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada categoria correspondessem a um percentual de outro e, conseqüentemente, que o aumento concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de vencimentos em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei estadual, da alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de fixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII do art. 37. O que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma vinculação positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento ou subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136).

                   Neste sentido, fértil é a jurisprudência ao censurar a vinculação do reajuste ou revisão dos subsídios de agentes políticos municipais a dos servidores públicos municipais:

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 3.491-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71, RTJ 201/530).

“Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada ‘regra da legislatura’ aos parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a quem tem vínculo não profissional com a Administração Pública - é vedada a expansão do subsídio como parcela única concebido, para abranger valores excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual (ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal” (TJSP, ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).

“O Colendo Supremo Tribunal Federal já assentou ser inconstitucional dispositivo de lei estadual vinculando a alteração do subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado ao reajuste dos vencimentos dos servidores públicos. (...) ‘Mutatis mutantis’ a situação é a mesma em se tratando de lei municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador ao reajuste do funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade de dispositivo que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores, porquanto também nessa hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’, estatuída no artigo 29, VI, da Constituição da República. É o caso dos autos, em que a edição de lei atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao reajuste dos servidores municipais, ensejou alteração daquele na mesma legislatura, pelos próprios parlamentares, que assim acabaram por legislar em causa própria, em clara e inequívoca transgressão ao princípio da moralidade administrativa, que a Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art. 5º, LXXIII). Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque ‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501). Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema Corte, da lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º de agosto de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais alterar durante o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...), colhendo-se desse venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias atuais tem inteira aplicabilidade e está assim redigida: ‘João Barbalho, comentando o art. 46, da Constituição de 91, achava que deveria a fixação do subsidio ser antes da eleição, de modo que se não soubesse quem queria o beneficiado - cautela que hoje consta da Constituição de 46, e terminava suas considerações com a citação destas palavras de Aristóteles, sempre oportuna entre nós - 'Combinai de tal forma vossas leis e vossas instituições, que os empregos não possam ser objeto de um cálculo interessado’ (V. Comentários à Constituição Federal Brasileira, pg. 235)’ (...)” (TJSP, II 161.056-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, 13-08-2008, v.u.).

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora, visível na quaestio iuris pelo efeito nocivo do comprometimento do erário em continuação inaceitável. A atual tessitura do dispositivo normativo impugnado apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

                   À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 4º da Resolução n. 17/08, de 02 de outubro de 2008, da Câmara Municipal de São Vicente.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 4º da Resolução n. 17/08, de 02 de outubro de 2008, da Câmara Municipal de São Vicente.

                   Requer-se que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de São Vicente, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o preceito normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 02 de agosto de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj

 

 

Protocolado n. 81.872/16

Interessado: Doutor Rodrigo Fernandez Dacal – Promotor de Justiça de São Vicente        

Assunto: representação para controle de constitucionalidade do art. 4º da Resolução n. 17/08 da Câmara Municipal de São Vicente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 4º da Resolução n. 17/08, de 02 de outubro de 2008, da Câmara Municipal de São Vicente, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Oficie-se ao douto Promotor de Justiça interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 02 de agosto de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

wpmj