Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 82.048/16
Ementa: Constitucional. Administrativo.
§ 2º do art. 1º da Lei Complementar n. 411, de 18 de setembro de 2000, do Município
de Santos. Nepotismo. Permissão. Ofensa aos princípios de moralidade e
impessoalidade.
Lei municipal que permite a investidura em cargo de provimento em comissão ou função de confiança nos Poderes Executivo e Legislativo, bem como na Administração centralizada, de servidor estatutário que seja cônjuge, companheiro ou parente (consanguíneo ou afim) do Prefeito, do Vice-Prefeito, e dos Vereadores, autoriza o nepotismo e ofende os princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, CE/89).
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face do § 2º do art. 1º da Lei Complementar
n. 411, de 18 de setembro de 2000, do Município de Santos, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
O
Município de Santos editou a Lei Complementar n. 411 em 18 de setembro de 2000,
cujo teor é o seguinte:
Art. 1º Fica vedada a nomeação ou contratação de cônjuge, convivente e parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores, para cargos em comissão ou funções de confiança e empregos públicos, no Poder Executivo, inclusive nas empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas e no Poder Legislativo do Município de Santos.
§ 1º (VETADO)
§ 2º O disposto no “caput” deste artigo não se aplica aos servidores estatutários.
Art. 2º Os servidores atuais que se enquadrem nas situações previstas nesta Lei Complementar serão exonerados em prazo não superior a 60 (sessenta) dias, excetuando-se os concursados ou aqueles que tenham conquistado a respectiva estabilidade.
Art. 3º Esta lei complementar entra em vigor na data da publicação, revogadas as disposições em contrário.
O
§ 2º do art. 1º da Lei Complementar n. 411/00 subtrai da proibição do nepotismo
a nomeação ou contratação de cônjuge, convivente e parente, consanguíneo ou
afim, até o terceiro grau, do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores, para
cargos em comissão ou funções de confiança e empregos públicos, no Poder
Executivo, inclusive nas empresas públicas, sociedades de economia mista,
autarquias e fundações públicas e no Poder Legislativo do Município de Santos,
desde que o nomeado seja servidor estatutário.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
O § 2º do art. 1º da Lei
Complementar n. 411, de 18 de setembro de 2000, contraria frontalmente a
Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição
Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
O dispositivo legal impugnado é incompatível com o seguinte preceito da Constituição Estadual:
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
O
Supremo Tribunal Federal estimou que “a vedação
do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática” por
consistir em “proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art.
37, caput, da Constituição Federal” (STF, RE 579.951-RN, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20-08-2008, v.u., DJe 24-10-2008), em razão do
julgamento de leading case:
“(...) os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não atentam contra a liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II e V do art. 37). Isto porque a interpretação dos mencionados incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. É dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. (...)” (RTJ 199/427).
O
nepotismo é fenômeno recorrente na história tendo origem na outorga, pelos pontífices
da Igreja Católica, de “cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais
próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, que,
nos dias atuais, passou a ser associado à conduta dos agentes públicos que
abusivamente fazem tais concessões aos seus familiares” (Emerson Garcia e
Rogério Pacheco Alves. Improbidade
administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, 3ª ed., pp. 420-421).
A
larga prática do nepotismo persistiu no Brasil devido à herança portuguesa do
período colonial e ao modelo de município e de poder local exercido
familiarmente. Gilberto Freyre relatava que:
“(...) vivo e absorvente órgão da formação social brasileira, a família colonial reuniu sobre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo uma variedade de funções sociais e econômicas. Inclusive, como já insinuamos, a do mando político: o oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia” (Casa Grande & Senzala, São Paulo: Global Editora, 2008, 51ª ed., p. 85).
A
nódoa também se fez presente na República, observando Raymundo Faoro que “os
cargos públicos estaduais estavam entregues a parentes, fechado o poder a
estranhos” (Os Donos do Poder, São
Paulo: Globo-Publifolha, 2000, vol. II, p. 264). Afinal, como acentuava Sérgio
Buarque de Hollanda:
“(...) não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. (...) é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre desses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos chamados ‘contatos primários’, dos laços de sangue e coração – está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas” (Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 26ª ed., 2009, pp. 145-146).
Não
obstante as tentativas de organização impessoal e objetiva do aparato estatal,
“com a República não se retraiu ou extinguiu a prática do nepotismo na
Administração Pública. Reservaram-se mesmo cargos públicos que mantiveram
espírito familiar e hereditário, como se deu com as serventias, apenas nos
últimos anos dados a provimento por concurso público e não por hereditariedade.
Criaram-se cargos ditos de provimento ‘comissionado’ para se permitir a sua
ocupação por pessoas vinculadas ao superior hierárquico e por ele indicadas,
dir-se-ia melhor, definidas, pois não apenas este agente indicava, mas definia
e nomeava ou as fazia nomear. O motivo que conduz à prática do ato de
designação é, assim, não a condição profissional do escolhido, mas a sua
situação pessoal, em autêntica quebra ao princípio da impessoalidade. O
comissionamento em cargo público, que se caracteriza pela confiança de que se
dota o comissionado quanto ao agente que atua com o seu auxílio, tem que se firmar
em qualificação profissional, a dizer, em merecimento que se liga às suas
condições para o desempenho do cargo, e não em qualificação patronímica como
tantas vezes continua a ocorrer” (Cármen Lúcia Antunes Rocha. Princípios constitucionais da Administração
Pública, Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 163).
Sua
raiz está indissociavelmente ligada ao modo de governar exposto às influências
das relações pessoais como fator determinante. Marcos Otávio Bezerra destaca a
importância das relações de parentesco e do familismo no Brasil, assinalando
que:
“(...) frequentemente associada aos usos práticos – favores, proteção, auxílio – que as relações familiares e de parentesco possuem nos domínios do Estado brasileiro. O ‘nepotismo’ (Da Matta, 1987) ou o ‘clientelismo familista’ (Rios, 1987) são práticas geralmente mencionadas quando são relacionadas ao Estado e a atuação das famílias. A ideia de que os laços de parentesco se prestam à concessão de ‘favorecimentos’ não é estranha aos poucos trabalhos que fazem referência à corrupção no Brasil. Autores que tratam da questão estabelecem, inclusive, mesmo quando existem outras questões em jogo e sendo a corrupção algo mais amplo que o familismo, uma associação quase que automática entre a corrupção e o nepotismo” (Corrupção – um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995, p. 40).
É
justamente em face da liberdade de provimento e exoneração inerente aos cargos
de provimento comissionado que mais se manifesta o nepotismo. Porém, sob o
pálio de princípios jurídico-administrativos, como moralidade e impessoalidade,
é possível assentar que o nepotismo lhes é absolutamente incompatível, por não
se coadunar com seus contornos nem com os princípios republicano e democrático.
Com efeito, se o administrador público tem liberdade para o preenchimento de
cargo de provimento em comissão, a orientação de sua decisão pelo critério do
parentesco está comprometida pelos princípios da moralidade e da
impessoalidade. Se essa era uma das alternativas à escolha do agente, todavia,
ela não será válida porque infringente desses princípios. Também ingressa nesse
concerto o próprio princípio da eficiência porque a concessão de
discricionariedade carrega a compreensão de que sua escolha seja feita para
obter aquilo que melhor atenda ao interesse público, e não o que satisfaça suas
relações familiares ou subtraia a incidência de fatores objetivos e impessoais
em obséquio a critérios subjetivos e pessoais porque o nepotismo tem em seu
âmago o conflito de interesses (entre o interesse pessoal e o interesse
público) e abre espaços ao desmerecimento do princípio da igualdade. Neste
sentido:
“ADMINISTRATIVO.
SERVENTIA EXTRAJUDICIAL, REMOÇÃO POR PERMUTA ENTRE ESCRIVÃ DISTRITAL E TITULAR
DE OFÍCIO DE CARTÓRIO DE IMÓVEIS, RESPECTIVAMENTE FILHA E PAI. LEI DE
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ. ATO CONDICIONADO À INTERESSE DA JUSTIÇA. -
Ainda que a expressão ‘interesse da Justiça’ tenha um sentido bastante
abrangente, nela não se compreende o nepotismo, a simulação e a imoralidade”
(STJ, RMS 1.751-5-PR, 6ª Turma, Rel. Min. Américo Luz, 27-04-1994, v.u., DJ
13-06-1994).
Não
raro foram editadas normas na órbita da União proibindo a admissão da parentela
até o terceiro grau (Lei n. 8.443/92, art. 110, parágrafo único; Lei n.
9.421/96, art. 10; Lei n. 14.416/06, art. 6º; Lei n. 11.415/06, art. 5º), e inclusive
resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
Público e o próprio Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Antes mesmo
da edição da Súmula Vinculante 13 o Supremo Tribunal Federal concluiu que “a
proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de
servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da
moralidade administrativa” (RT 848/145). E este colendo Tribunal de Justiça
acertadamente considerou a impossibilidade de revogação de ato normativo
proibitivo de nepotismo por caracterização de desvio de finalidade:
“Administrativo. Ação popular. Cargo em comissão. Contratação de parentes. Desvio de finalidade. (...) 2. Evidenciado o desvio de finalidade do decreto, que revogou a proibição de contratar parentes, ficou caracterizada a verossimilhança da alegada lesão ao patrimônio moral (violação dos princípios do art. 37 da CF) e material (pagamento de subsídios a certas pessoas nomeadas ilegalmente) do Município (TJSP, AC 765.920-5/6-00, Ribeirão Preto, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Laerte Sampaio, v.u., 08-07-2008).
Certo
é que “a proibição de nomeação de parentes para ocupar cargos públicos
comissionados estritamente administrativos decorre de normas constitucionais
auto-aplicáveis; razão pela qual, a partir de 5 de outubro de 1988
tais nomeações estão proibidas, o que apenas foi reafirmado e reforçado pela
súmula vinculante nº 13” (STF, Rcl-MC 6.686-RN, Rel. Min. Cezar Peluso,
16-10-2008, DJe 24-10-2008).
A
proibição do nepotismo, decorrente dos princípios de moralidade e
impessoalidade, abrange tanto a situação
de vínculo familiar lato sensu com a autoridade autora da nomeação ou da
designação quanto com outro servidor ocupante de cargo comissionado de qualquer
natureza (inclusive o de auxiliar direto e imediato do Chefe do Poder Executivo
ou de membro do Poder Legislativo, por exemplo), embora não haja vínculo dessa
natureza com a autoridade nomeante.
O dispositivo legal impugnado é
incompatível com os princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111,
Constituição Estadual) porque excetua da proibição do nepotismo decorrente
desses princípios a nomeação ou contratação de cônjuge, companheiro ou parente,
do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para cargo de provimento em
comissão ou função de confiança na Administração centralizada e descentralizada,
desde que o nomeado seja servidor estatutário.
Este
egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo enfrentou a questão em face
de norma municipal que, após proibir o nepotismo, abriu exceção permitindo “a nomeação ou contratação, desde que o
nomeado ou contratado, mediante concurso, já ocupe cargo efetivo no serviço
público, tenha formação escolar ou experiência profissional compatível com o
cargo a ser ocupado, faça opção pelo recebimento dos vencimentos e/ou vantagens
do cargo de origem, e renuncie, expressamente, ao direito de recebimento do
município, de quaisquer vencimentos e/ou vantagens pelo exercício do cargo em
comissão”. O venerando acórdão está assim ementado:
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Art. 2º, da Lei Municipal n° 2.743/08, do Município
de Uchoa. Exceções à proibição ao nepotismo. Súmula Vinculante n° 13, do STF,
de observação obrigatória no âmbito dos três poderes, e em todas as esferas
administrativas, a ser seguida por todos os órgãos públicos. Ação procedente”
(TJSP, ADI 0064761-94.2010.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. José Roberto
Bedran, v.u., 25-05-2011).
Nesse
venerando aresto ficou assentado:
“É nesse sentido, aliás, que o colendo Órgão Especial vem reiteradamente decidindo:
‘AÇÃO DIRETA DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal - Legislação que permite em regime de exceção o provimento de um cargo em comissão para a contratação na Prefeitura e na Câmara Municipal, por parente em linha reta, colateral ou afim, até terceiro grau do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal, Assessores Municipais e dos Vereadores, estabelecendo limite de até cinco servidores, apenas para Assessores ou Vereadores - Nepotismo - Ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade, a teor dos arts. 111 e 144 da Constituição do Estado, e art. 37 da Constituição Federal - Colisão frontal com Súmula Vinculante n. 13 do STF - Inconstitucionalidade reconhecida - Ação procedente’ (Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n° 164.663-0/2-00, São Paulo, Órgão Especial, Rel. Des. JOSÉ REYNALDO, j . 14.01.09, v.u.);
‘Inconstitucionalidade de lei. Ação Direta. Lei n° 3.109/05, do Município de Capivari, dispondo sobre o combate ao Nepotismo no âmbito dos órgãos da Administração Pública. Art. 5º resguarda os direitos dos que se enquadram nas situações previstas, inclusive de permanecerem no cargo. Ofensa aos princípios da impessoalidade e moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Estadual, cuja observância é obrigatória pelos Municípios, nos termos do art. 144 dessa mesma Carta. Violação da Súmula Vinculante n° 13 do Pretório Excelso. Pedido procedente’ (Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n° 990.10.064765-2, São Paulo, Órgão Especial, Rei. Des. PENTEADO NAVARRO, j . 001.09.2010, v.u.).
Para rematar, bem observou o douto Procurador de Justiça, em seu parecer, cujos bons fundamentos são adotados:
‘Adite-se, por último e não menos importante, que o Senhor Prefeito Municipal e o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Uchoa aduziram inexistir inconstitucionalidade no dispositivo no art. 2º da Lei Municipal n° 2.743, de 19 de fevereiro de 2008 daquele Município, tomando como parâmetro normas do Regimento Interno do Colendo STF e disposição da Resolução n° 7/2005 do Colendo Conselho Nacional de Justiça.
Entretanto, com a devida vênia, esse argumento não merece ser acolhido.
Primeiro, porque a discussão aqui travada diz respeito à inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal n° 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, de Uchoa, e não quanto a dispositivos da Resolução n° 7/2005 do Colendo Conselho Nacional de Justiça, ou mesmo do art. 355, § 7º do Regimento Interno do Colendo Supremo Tribunal Federal. Segundo, porque eventual inconstitucionalidade das referidas disposições do CNJ e do STF não têm o condão de legitimar norma inconstitucional editada pelo Município.
Terceiro, porque se a prática do nepotismo é vedada pela Constituição, e as normas e princípios constitucionais que proíbem tal prática têm eficácia plena (nessa linha são os precedentes do STF e o próprio verbete n° 13 da súmula da sua jurisprudência vinculante), não há como aceitar que o legislador infraconstitucional possa excepcionar a aplicação dos mencionados princípios.
Essa idéia, aliás, ficou evidenciada quando do julgamento da ADC n° 12 pelo Colendo STF, oportunidade em que foi examinada a Resolução n° 7/2005 do Colendo CNJ, que explicitou a vedação ao nepotismo, como é possível verificar na ementa do referido julgado, cujo relator foi o Min. CARLOS BRITTO:
'EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO N° 7, DE 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE 'DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução n° 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios 'estabelecidos' por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia o substantivo 'direção' nos incisos II, III, IV, V, do artigo 2º do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução n° 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça, (j. 20/08/2008, Tribunal Pleno)’ (fls. 45/47)”.
Ora,
também é forma de ocorrência do nepotismo guindar servidores titulares de cargo
de provimento efetivo a cargos comissionados ou funções de confiança.
Como
decidido pela Suprema Corte em caso de nomeação de servidor efetivo para cargo
de provimento em comissão em órgão dirigido por seu parente, “a proibição do
preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores
públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade
administrativa” (RT 848/145).
Neste
sentido, convém trazer à colação aresto que assim enuncia:
“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR EFETIVO DO PODER EXECUTIVO, QUE EXERCE FUNÇÃO COMISSIONADA EM TRIBUNAL, AO QUAL SEU IRMÃO É VINCULADO COMO JUIZ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. SÚMULA VINCULANTE N. 13: NEPOTISMO. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO. 1. Não se faz necessária comprovação de ‘vínculo de amizade ou troca de favores’ entre o irmão do Impetrante e o Desembargador Federal de quem é assistente processual, pois é a análise objetiva da situação de parentesco entre o servidor e a pessoa nomeada para exercício de cargo em comissão ou de confiança na mesma pessoa jurídica da Administração Pública que configura a situação de nepotismo vedada, originariamente, pela Constituição da República. 2. A configuração de afronta ao princípio da isonomia pressupõe identidade de situações com tratamento diverso, o que, à evidência, não ocorre na espécie. 3. Mandado de segurança denegado” (STF, MS 27.945-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-08-2014, v.u., DJe 04-09-2014).
Assinale-se,
por oportuno, que é
descabida reclamação por descumprimento à súmula vinculante
para desconstituição de lei ou ato normativo permissivo do nepotismo, pois, o
acesso a essa via excepcional só é autorizado em face de decisão judicial ou
ato administrativo contrário ao enunciado de súmula vinculante, negativo de sua
vigência ou de sua aplicação indevida (art. 7º, Lei n. 11.417/06).
Em
face de lei ou ato normativo, anterior ou posterior à Súmula Vinculante 13,
cabe ação direta de inconstitucionalidade, porque não se confunde a
incompatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição e a discrepância
de decisão judicial ou ato administrativo com o teor da súmula vinculante.
Ademais,
como timbrou o Supremo Tribunal Federal:
“A redação do enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não
pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na
Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada
consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput
do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal
sobre o tema” (STF, AgR-Rcl 15.451-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 27-02-2014, v.u., DJe 03-04-2014).
III – Pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura da lei apontada como violadora de princípios e regras da Constituição
do Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se
atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de
difícil reparação, consistente na investidura ilegítima em cargos de provimento
em comissão com repercussão direta no erário.
À luz desta contextura, requer a concessão de
liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta
ação, do § 2º do
art. 1º da Lei Complementar n. 411, de 18 de setembro de 2000, do Município de
Santos.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerendo o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 1º da Lei Complementar n. 411, de 18 de setembro de
2000, do Município de Santos.
Requer-se ainda sejam
requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Santos, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado de São Paulo para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São
Paulo, 02 de setembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj