Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado nº 84.220/16

 

 

 

 

Ementa: Constitucional e Administrativo. art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei nº 6.814, de 10 de março de 2011, do Município de Guarulhos. Servidor público. Vantagem Pecuniária. Gratificação de Gerência Técnica e de Gerência Administrativa, com a mesma referência salarial e requisitos de incorporação diversos. Gratificação de Gerência I e de Gerência II, com referência salarial diferentes e funções semelhantes. Inconstitucionalidade. Ofensa aos princípios da razoabilidade e Isonomia.  A concessão de gratificação aos servidores públicos do Município de Guarulhos, que preveem requisitos de incorporação diversos, mas a mesma base salarial, bem como referência salarial diferente para funções semelhantes, não se compatibiliza com os princípios da razoabilidade e da isonomia (arts. 111 e 144 da Constituição Estadual e art. 39 da Constituição Federal).

     

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei n. 6814, de 10 de março de 2011, do Município de Guarulhos, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – Do Ato Normativo Impugnado

                   O art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei n. 6814, de 10 de março de 2011, do Município de Guarulhos, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 31 A Gratificação por Gerência compõe-se da diferença apurada entre o salário do cargo ou emprego público de origem do servidor e a referência salarial nos seguintes níveis:

I - Gerência Técnica - (GGT) - referência salarial de R$ 5.221,30 (cinco mil duzentos e vinte e um reais e trinta centavos), destinada aos designados para Gerência de Divisões Técnicas, exigindo-se como requisito possuir formação em nível superior de escolaridade;

II - Gerência Administrativa - (GGA) referência salarial de R$ 5.221,30 (cinco mil duzentos e vinte e um reais e trinta centavos), destinada aos designados para Gerência de Divisões Administrativas, exigindo-se como requisito possuir formação em nível médio de escolaridade;

III - Gerência I - (GG1) - referência salarial de R$ 3.625,71 (três mil seiscentos e vinte e cinco reais e setenta e um centavos), destinada aos designados para gerência de Seções Técnicas, exigindo-se como requisito possuir formação em nível médio de escolaridade;

IV - Gerência II - (GG2) - referência salarial de R$ 2.691,31 (dois mil seiscentos e noventa e um reais e trinta e um centavos), destinada aos designados para gerência de Seções Administrativas, exigindo-se como requisito possuir formação em nível médio de escolaridade;

(...)”

 II – Do parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   O ato normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos (ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal):

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   Na espécie, a incompatibilidade vertical da lei local com a Constituição do Estado de São Paulo se manifesta pelo contraste direto com a seguinte disposição constitucional estadual:

 

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”.

                  E com o artigo 39 da Constituição Federal, aplicável aos Municípios, por força do art. 144 da Constituição Estadual:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

II - os requisitos para a investidura;

                                      III - as peculiaridades dos cargos.

                   As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

                   Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

                   Se tradicional ensinamento assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761). (grifo nosso).

                   Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85).  

                   Ademais, oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).   

                   Assim, importante frisar que as gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

                   É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço, mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

                   Convém insistir que as vantagens pecuniárias podem ser instituídas pelo trabalho já realizado (pro labore facto), mas, a regra é que as demais (adicionais de função, gratificações de serviço ou pessoais), sejam ex facto officii ou propter laborem tem em mira o trabalho que está sendo feito, ou seja, são pro labore faciendo, de auferimento condicionado à efetiva prestação do serviço nas condições estabelecidas pela Administração Pública (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 450-451, 453).

                   Feita essa digressão, cumpre assinalar que o ato normativo impugnado não se revela razoável ao prever referência salarial semelhante para a Gratificação de Gerência Técnica e para a Gratificação de Gerência Administrativa, embora para a primeira se exija escolaridade de nível superior e para a segunda escolaridade de nível médio. Do mesmo modo, há ofensa ao referido princípio quando prevê referência salarial diversa para funções semelhantes, como ocorre no caso da Gratificação de Gerência I e Gratificação de Gerência II (fls. 189/190.         

                   Neste diapasão, o Decreto Municipal nº 28.939/11, ao regular o art. 31, da Lei Municipal 6.814, de 11 de março de 2011, assim dispõe quanto às atribuições de Gerência I e II:

“(...)

II - Gerência I:

 a) atuar na gestão de processos e atividades de caráter técnico realizados em sua unidade;

 b) coordenar equipes e recursos, planificar e organizar meios voltados à realização de objetivos organizacionais;

 c) atuar no gerenciamento e direcionamento de ações que atendam objetivos e projetos da unidade;

 d) realizar tomadas de decisão alinhadas com as diretrizes e objetivos das unidades municipais onde atuam;

 e) responsabilizar-se pela elaboração e coordenação da programação de trabalho para sua unidade;

 f) atentar para desempenhos e resultados, orientando e contribuindo para o desenvolvimento contínuo da equipe de trabalho de sua unidade;

 g) desenvolver estudos e análises referentes aos processos e atividades de sua unidade;

 h) agregar conhecimentos e informações necessários ao desenvolvimento profissional da equipe de sua unidade e atuar, quando couber, no treinamento de sua equipe de trabalho;

 i) participar de reuniões, grupos de trabalho, comissões e de outros meios de organização institucionais internos e interinstitucionais, colaborando com informações de sua unidade;

 j) avocar para si, quando da eventual ausência de supervisores, atividades de supervisão relativas a setores subordinados a sua unidade;

 k) executar atividades assemelhadas e afins, quando solicitados, de maneira esporádica ou em projetos nos quais estejam vinculados;

 

III - Gerência II:

 a) atuar na gestão de processos e atividades de caráter administrativo realizados em suas áreas;

 b) coordenar equipes e recursos, planificar e organizar meios voltados à realização de objetivos organizacionais;

c) realizar atividades de apoio para o planejamento, implementação e execução das atividades pertinentes à unidade;

 d) atuar no gerenciamento e direcionamento de ações que atendam objetivos e projetos da unidade;

 e) responsabilizar-se pela elaboração e coordenação da programação de trabalho para sua unidade;

 f) realizar tomadas de decisão alinhadas com as diretrizes e objetivos das unidades municipais onde atuam;

 g) atentar para desempenhos e resultados, orientando e contribuindo para o desenvolvimento contínuo da equipe de trabalho de sua unidade;

 h) agregar conhecimentos e informações necessários ao desenvolvimento profissional da equipe de sua unidade e atuar, quando couber, no treinamento de sua equipe de trabalho;

 i) participar de reuniões, grupos de trabalho, comissões e de outros meios de organização institucionais internos e interinstitucionais, colaborando com informações de sua unidade;

 j) avocar para si, quando da eventual ausência de supervisores, atividades de supervisão relativas a setores subordinados a sua unidade;

 k) executar atividades assemelhadas e afins, quando solicitados, de maneira esporádica ou em projetos nos quais estejam vinculados;

 (...)”.

                   A razoabilidade deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa, e que possui assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

                   Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

                   As gratificações ora questionadas não passam pelos referidos critérios na medida em que se mostram desproporcionais, ao igualar situações diversas e distinguir situações semelhantes, não levando em consideração as peculiaridades dos cargos, nem os requisitos para a referida incorporação.

                   Conforme acima explanado, a referência salarial para a Gratificação de Gerência Técnica é a mesma que a da Gratificação por Gerência Administrativa, embora para o exercício da primeira se exija nível superior de escolaridade e para a segunda não. Por outro lado, embora os cargos de Gerência I e de Gerência II apresentem atribuições e requisitos de escolaridade semelhantes, a referência salarial é diferente.

                   Inconstitucionais, portanto, as previsões a respeito das gratificações supramencionadas, por contrariedade ao art. 111 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

 

                   Por estas razões, deve ser declarada a inconstitucionalidade do art. do art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei n. 6814, de 10 de março de 2011.

 

 

V – Pedido

                   Face ao exposto, requer o recebimento e processamento da presente ação para que ao final seja julgada procedente, visando a   declaração da inconstitucionalidade do art. do art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei n. 6814, de 10 de março de 2011.

 

                   Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guarulhos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                            Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 29 de setembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

ef/sh

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 84.220/16

Assunto: inconstitucionalidade do art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei n. 6.814, de 10 de março de 2011.

Interessado: Promotoria de Justiça de Guarulhos

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em face do art. do art. 31, incisos I, II, III e IV, da Lei n. 6814, de 10 de março de 2011, do Município de Guarulhos.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 29 de setembro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

ef/sh