Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 6.876/2017
Ementa:
1) Constitucional.
Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 5º da Lei
Complementar nº 10, de 12 de dezembro de 2002, na redação dada pela Lei
Complementar nº 24, de 14 de maio de 2008, do Município de Rubiácea.
2) É incompatível a sujeição dos ocupantes de
funções temporárias ao regime celetista por conferir, indiretamente,
estabilidade inconciliável com a natureza do serviço, na medida em que o regime
celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição
de ônus financeiro ao tomador de serviços. Violação dos princípios da
razoabilidade e da moralidade (arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual).
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto
nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “serão efetuadas pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”,
insertas no art. 5º da Lei Complementar nº 10, de 12 de dezembro de 2002, na
redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 14 de maio de 2008, do Município
de Rubiácea, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta
inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas esta petição
se reportará, foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça
de Guararapes (fls. 02).
A Lei Complementar nº 10, de 12 de
dezembro de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 14 de maio de
2008, no que interessa, tem a seguinte redação (fls. 06/07 e 09/10):
“(...)
Lei
Complementar nº 24, de 14 de maio de 2008, do Município de Rubiácea
ALTERA OS ARTISO 4º E 5º DA
LEI COMPLEMENTAR Nº 10, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2002, QUE DISPÕE SOBRE AS CODIÇÕES
PARA A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES
(...)
Art. 5º - As contratações nos termos desta lei serão efetuadas pelo regime da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, independem da existência de cargo
ou emprego, nas hipóteses dos incisos I, II, III, IV e VII do artigo 4º e
deverão observar o prazo determinado de até 06 (seis) meses, prorrogável tão
somente por uma vez, por período.
(...)”
Vale ressaltar que nos autos da ação
direta de nº 9024845-31.2009.8.26.0000 (antigo nº 176.482-0/9-00), que tramitou
perante este egrégio Tribunal de Justiça, houve a declaração de
inconstitucionalidade apenas das hipóteses que não justificavam a contratação
temporária para atender necessidades temporárias, em situações de excepcional
interesse público, insertas no mesmo ato normativo impugnado, conforme
descrição da ementa abaixo:
“ADIN – Lei Complementar nº 10 de
12/12/2002, do Município de Rubiácea. – Dispõe sobre as condições para a
contratação temporária de servidores, - Inconstitucionalidade. – Violação do
disposto nos artigos 111, 115, incisos II e X, e 144, da Constituição do Estado
de São Paulo”. (TJ/SP, ADI nº 9024845-31.2009.8.26.0000, Des. Rel. Carlos de
Carvalho, julgada em 16 de fevereiro de 2011)
II. O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
As expressões impugnadas, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
As expressões contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado,
para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
A previsão legal de sujeição dos
contratados temporários ao regime celetista contraria os arts. 111, 115, X, e
144 da Constituição Estadual.
III – ADOÇÃO DE REGIME CELETISTA PARA
OS CONTRATADOS TEMPORÁRIOS
Verifica-se
que os servidores contratados para o exercício da função temporária
estão submetidos ao regime celetista, nos termos das expressões impugnadas
contidas no art. 5º da Lei Complementar nº 10, de 12 de dezembro de 2002, na
redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 14 de maio de 2008, do Município
de Rubiácea.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.
Com efeito, a contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.
A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).
De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.
A subordinação dos servidores
públicos temporários ao regime celetista importa em franca violação aos
princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da
Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.
Enquanto a razoabilidade serve
como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos,
requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom
senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e,
por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do
ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa
administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por
móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja,
censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos
atos normativos.
Na espécie, a lei municipal
infringe ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários
constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato
sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros
critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como
elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de
prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta
que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e
outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente
imprópria a uma relação jurídica precária e instável.
O padrão ordinário, normal e
regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos
para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação
constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento
- orientada por força de ingredientes puramente excepcional de necessidade e
interesse público. Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime
celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens
caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza da contratação
cuja marca eloquente é a instabilidade e temporariedade ditada por necessidade
e interesse público.
Dessa
forma, inconstitucional as expressões “As
contratações nos termos desta lei serão efetuadas pelo regime da Consolidação
das Leis do Trabalho – CLT”, insertas no art. 5º da Lei Complementar nº 10,
de 12 de dezembro de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 14
de maio de 2008, do Município de Rubiácea.
IV – Pedido
Em
face do exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação
para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade das expressões “serão
efetuadas pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”, insertas
no art. 5º da Lei Complementar nº 10, de 12 de dezembro de 2002, na redação
dada pela Lei Complementar nº 24, de 14 de maio de 2008, do Município de
Rubiácea.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Rubiácea, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 28 de março de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/mi
Protocolado nº 6.876/2017
Interessado: Dra. Claudia Maria Bossolin Curtolo – Promotora
de Justiça da Comarca de Guararapes
Distribua-se a
petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões
“serão efetuadas pelo regime da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”, insertas no art. 5º da Lei
Complementar nº 10, de 12 de dezembro de 2002, na redação dada pela Lei
Complementar nº 24, de 14 de maio de 2008, do Município de Rubiácea, junto ao
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Oficie-se à
interessada, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São
Paulo, 28 de março de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/mi