EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 40.563/2017
Ementa:
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos públicos de provimento em comissão de Assistente de Gabinete e Corregedor da Guarda Civil Municipal, previstos no Anexo VI da Lei nº 6.251/94, com redação dada pelas Leis nºs 7.374/10 e 8.520/15, todas do Município de Araraquara.
2. Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança.
3. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).
O PROCURADOR-GERAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI,
da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da
Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso
III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas
no incluso protocolado (PGJ nº 40.563/17), que segue como anexo), vem perante
esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face das expressões “Assistente de Gabinete” e “Corregedor da Guarda Civil Municipal”,
previstas no Anexo VI da Lei nº 6.251/94, com redação dada pelas Leis
nºs 7.374/10 e 8.520/15, do Município de Araraquara,
pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
O anexo VI da Lei nº 6.251/94, com redação dada pelas Leis nºs 7.374/10 e 8.520/15, assim prevê na parte que é pertinente (fls. 36/37):
Anexo VI
Descrição de Cargos Públicos de Provimento em Comissão
O ato normativo transcrito é inconstitucional por violação dos arts. 98, 99, 100, 111, 115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
2. DA FUNDAMENTAÇÃO
As atribuições dos cargos de “Assistente de Gabinete” e
“Corregedor da Guarda Civil Municipal”, têm natureza meramente técnica, burocrática,
operacional e profissional, conforme se observa pela descrição das funções
destinadas aos ocupantes de tais cargos. Os cargos impugnados
desempenham funções de natureza puramente profissional, técnica,
burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento
superior, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
Dessa
forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com
os arts. 111, 115 incisos I, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São
Paulo.
Essa
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No
exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, mediante
atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem
como se estruturando adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica
ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há
implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática
aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço
público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria
natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança
e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária
é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse
poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar
dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança”
(cf. Diógenes Gasparini, Direito
Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São
a natureza do cargo a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de
Moraes, Direito constitucional
administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa
do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito
administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou
direção que autoriza o provimento em comissão e o exercício da função de
confiança. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança
para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes
políticas do governo.
Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados, não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação
de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a
permissão para tal criação, “propiciar ao
Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de
certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a
lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de
assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de
livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal
de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros
mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício
de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão,
antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu
adequado desempenho, relação de especial confiança.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
3.
DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das expressões
“Assistente de Gabinete” e “Corregedor da Guarda Civil Municipal”, previstas no
Anexo VI da Lei nº 6.251/94, com redação dada pelas Leis nºs 7.374/10 e
8.520/15, do Município de Araraquara.
Requer-se
ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Araraquara, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 03 de maio de
2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/sh
Protocolado nº. 40.563/17
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões “Assistente de Gabinete” e “Corregedor da Guarda Civil Municipal”, previstas no Anexo VI da Lei nº 6.251/94, com redação dada pela Lei nº 8.256/14, do Município de Araraquara, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Deixo de propor ação em face das expressões “Apoiador de Saúde”, “Assistente Técnico”, “Técnico de Controle Interno I e II”, previstos nos Anexos III, VII e VIII da Lei nº 6.251/94, com redação dada pelas Leis nºs 7.505/11, 7.831/12, 7.867/11, 8.181/14 e 8.520/15, tendo em vista trata-se de funções de confiança exercidas por servidores de carreira.
3. Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 03 de maio de 2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/sh