EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 7.272/17
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de Queiroz. Contratação por
tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público. Ausência de excepcionalidade. Inadmissibilidade do regime
celetista. Prazo de duração excessivo. 1. A contratação por tempo
determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse
público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da
hipótese de cabimento. A descrição de hipóteses genéricas e que não denotam
excepcionalidade burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os
princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência. Violação aos
art. 111 e 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 2. Sujeição
dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a
exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e
da moralidade (art. 111 da CE/89). 3. Tampouco
é razoável a duração de contratos temporários, aí incluída sua prorrogação, por
prazo total que exceda 12 (doze) meses.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da
atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº
734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, §
2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74,
inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo,
com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 7.272/2017,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII do
art. 2º e dos arts. 4º e 6º da Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do
Município de Queiroz, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de Queiroz, que “Regula a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, inciso IX da Constituição Federal”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:
“Art. 1º - Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a proceder à
contratação temporária de servidores, para atender a situações de excepcional
interesse público, na forma autorizada pela Constituição Federal, artigo 37,
inciso IX.
Seção II
Da Contratação
Art. 2º - A contratação a que se refere o artigo 1º, sempre
justificada no respectivo expediente administrativo, poderá ser efetuada
exclusivamente para atender necessidades públicas decorrentes das seguintes
hipóteses:
(...)
II – ocorrência de grave comoção pública ou situação tumultuária e
excepcional, ocorrida no Município;
III – necessidade de admissão de contingente extraordinário de pessoal
para realizar campanhas ou programas de saúde, educação, assistência social,
temporários ou emergenciais, cuja relevância ou premência recomende a admissão
de pessoal além dos servidores permanentes já integrantes do quadro;
IV – necessidade de implantação de serviço inadiável, em qualquer área
de serviço público;
V – contratação de pessoal para a área da Educação, em qualquer
hipótese de necessidade, decorrente de situação emergencial plenamente
justificada, para a continuidade da prestação dos serviços educacionais no
âmbito do Município;
VI – contratação de médicos, enfermeiros, auxiliares, pessoal para a
área da saúde em geral, em caso de comprovada emergência, que possa acarretar
risco de eventual impossibilidade de atendimento à população;
VII – à execução de Convênios do Governo Federal e Estadual que venham
a atender a satisfação do interesse público;
VIII – ao atendimento de outras situações de urgência definidas em lei
ou regulamento.
(...)
Art. 4º - As contratações
serão realizadas pelo período mínimo de 01 (um) ano, podendo ser prorrogado por
igual período, se o interesse público assim o exigir e a critério da análise da
conveniência e oportunidade assim justificada pela Administração Municipal.
(...)
Art. 6º - Aplicam-se aos contratados com
base nesta Lei, as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, sem
prejuízo das disposições constitucionais pertinentes e cabíveis, relativas aos
direitos sociais estabelecidos no 7º e incisos da Constituição Federal, quando
aplicáveis.”
Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.
2. O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
Os
preceitos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição do Estado
são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera
municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na
medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para
as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo
Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello,
18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o
art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a
seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art.
115, II e X da Constituição Estadual.
A autonomia municipal é
condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece
que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido
pelo art. 144 da Constituição do Estado.
Eventual
ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm
remissão expressa ao direito estadual.
Os
preceitos normativos em questão são incompatíveis com os seguintes preceitos da
Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração
pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado,
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e
eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a
organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações
instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o
cumprimento das seguintes normas:
(...)
X - a lei estabelecerá os
casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público”.
3. DA FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Contratação
por tempo determinado fora das hipóteses de excepcionalidade, interesse
público e temporariedade
Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.
Sendo assim e segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: 1) a determinabilidade temporal; 2) a temporariedade da função; 3) a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.
Todavia, a Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de Queiroz, nos incisos II a VIII do art. 2º, contempla hipóteses de contratações por tempo determinado sem respaldo nos parâmetros delineados pela Constituição Federal.
Com efeito, a literatura esclarece que:
“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o
interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações
administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores.
Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde
à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho.
Manual de Direito Administrativo, Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“trata-se,
aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da
normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas
em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e
temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...)
situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por
razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a
criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público),
ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda
que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido,
‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso,
sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de
acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20.
ed., pp. 281-282).
O atendimento dos serviços colocados à
disposição da população, tais como saúde, educação, assistência social e
execução de convênios (hipóteses abarcadas nos incisos III, V, VI e VII do art.
2º da lei ora impugnada), não constituem situações temporárias e de excepcional
interesse público de sorte a autorizar a contratação temporária.
Tais hipóteses não espelham extraordinariedade,
imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão
temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações
da rotina administrativa e cuja execução compete, de ordinário, a servidores
públicos titulares de cargos de provimento efetivo.
Não é somente a temporariedade de uma atividade que
justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada
por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente.
Os dispositivos aqui
impugnados padecem de generalidade manifesta. A abertura de suas cláusulas
(como “situação tumultuária ou excepcional” constante no inciso II, “serviço
inadiável, em qualquer área de serviço público” constante no inciso IV, “em
qualquer hipótese de necessidade” constante no inciso V e “outras situações de
urgência” constante no inciso VIII) permite todo e qualquer preenchimento, o
que não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição Estadual,
porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do
legislador – de definir em concreto as situações que legitimam a contratação temporária.
Também nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX.
Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida
no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação
temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e
genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática
que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder
interessado na contratação estabelecer os casos de contratação:
inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente” (RTJ 192/884).
Por outras palavras, os citados dispositivos da lei local autorizam a
contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente
incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar
a contratação por tempo determinado.
É necessário ressaltar que a
posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de
Justiça, nos seguintes termos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI,
VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei
nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo
determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se
apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação
razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade
(art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99).
Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000,
Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016,
v.u)
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e
do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei
1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação
temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’.
Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de
excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização
para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação
procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº
2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09
de dezembro de 2015, v.u)
Por fim,
consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão
Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu
que “nos termos do art. 37, IX,
da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária
de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam
previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a
necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação
seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do
Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”.
A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:
“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do
Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso
processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo
determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse
público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares.
Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição
Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido.
Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.
1. O assunto corresponde ao
Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na
internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição
Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses
de contratação temporária de servidores públicos”.
2. Prevalência da regra da
obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que
restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição
Federal e devem ser interpretadas restritivamente.
3. O conteúdo jurídico do
art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa
forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a
contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam
previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a
necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a
necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para
os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro
das contingências normais da Administração.
4. É inconstitucional a lei
municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A
imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e
tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre
eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em
outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da
inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que
dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje
31/10/2014).
Desse modo, necessária a
declaração de inconstitucionalidade das mencionadas hipóteses de contratação
temporária.
3.2. Aplicação da
Consolidação das Leis Trabalhistas aos contratados temporariamente para atender
à necessidade temporária de excepcional interesse social
Verifica-se que o art. 6º da Lei nº 978, de 07 de
novembro de 2013, do Município de Queiroz, sujeitou todos os contratados para o
exercício da função temporária ao regime celetista.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.
Com efeito, a contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.
A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).
De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.
A subordinação dos servidores públicos temporários ao
regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da
moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e
no art. 111 da Constituição Estadual.
Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle
da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade
aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc.,
interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade
se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores
(ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da
Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse
público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a
potencialidade de incidência nos atos normativos.
Na espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios.
Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra
constitucional do acesso à função pública (lato
sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros
critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como
elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de
prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta
que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e
outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente
imprópria a uma relação jurídica precária e instável.
O padrão ordinário, normal e regular, advindo da
Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da
exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que
realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por
força de ingredientes puramente excepcional de necessidade e interesse público.
Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica
intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio
inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a
instabilidade e temporariedade ditada por necessidade e interesse público.
Todavia,
a contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é próprio e
diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos delineados
pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores
temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos servidores públicos
efetivos, contratados por meio de concurso público e detentores de
estabilidade.
O regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:
“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA
LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME
TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI
3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do
inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na
competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o
Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem
estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações
temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que
minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato.
Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e
contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ
209/1084).
“Conflito de competência. 2. Reclamação
trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3.
Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do
Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de
natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime
administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica
demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da
Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de
competência procedente” (RTJ 193/543).
No mesmo sentido discorre a doutrina:
“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como
forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo
regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos
públicos.
O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a
contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de
vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e
que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado
sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços
técnicos especializados.
Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos
servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação
em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se
sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos
– aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei
específica.
É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito
laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um
regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para
orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma
prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico.
Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é
excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja
ausência implica interpretar-se interditada.
Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa em
direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito
Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis
específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de
suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da
Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de
contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma
constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação
temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à
contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois,
não significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou
celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo determinado:
comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).
Desta
forma, é necessária a declaração de inconstitucionalidade do art. art. 6º da Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de
Queiroz.
3.3. Prazo de duração das contratações
O art. 4º da Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de
Queiroz, fixa que as contratações serão realizadas pelo “período mínimo de 01
(um) ano, podendo ser prorrogável por igual período”. As contratações, portanto, podem perdurar pelo total de 2 anos.
O prazo de 1 ano,
prorrogável por igual período, é excessivo, longo, elástico, não
ostenta qualquer razoabilidade, e denota, ademais, nítida intenção de subversão
à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos
mediante aprovação em prévio concurso público.
Mais irrazoável ainda o
legislador ter fixado o prazo de 1 ano como sendo o período mínimo, e não máximo. Ora, a lei de regência da contratação
temporária deve conter a fixação do período necessário de vigência e eficácia
da contratação, que deve ser o mais
curto possível (Odete Medauar. Direito
Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p.
270). Estabelecer um período mínimo é logicamente oposto à ideia de
transitoriedade, excepcionalidade e brevidade temporal que caracterizam e
autorizam a contratação temporária.
A
Suprema Corte deliberou que é razoável prazo de 12 (doze) meses:
“7) A realização de contratação
temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência
constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em
hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo,
verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do
cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a
contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da
vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a
realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12
meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014,
m.v., DJe 30-10-2014 – g.n.).
No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis
2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município
de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de
menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de
necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade,
ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze)
meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do
julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel.
Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)
Admitir
a duração máxima dos contratos por 2 anos (1 ano, prorrogável por igual
período) foge da excepcionalidade exigida pelo constituinte, notadamente por se
tratar de situações fáticas
contingenciais e imediatas, o que se nota por exemplo ao analisar o inciso
I do artigo 2º da Lei nº 978/2013: as situações de calamidade pública e estado
de emergência são justamente temporárias e não são de efeitos prolongados por
tempo superior a 12 (doze) meses.
Seria inimaginável uma hipótese de
calamidade pública com duração de 2 anos (prazo máximo total fixado pela Lei nº
978/2013). Não se poder olvidar que município conta com seu quadro de cargos
efetivos para atender às demandas que sobrevierem e, além do mais, um ano é
período suficiente para a conclusão de concurso público a fim de prover novos
cargos.
Por isso, requer-se o reconhecimento da
inconstitucionalidade do art. 4º da
Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de Queiroz.
4. DO PEDIDO
Face
ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II, III, IV, V,
VI, VII e VIII do art. 2º, do art. 4º e do art. 6º da Lei nº 978, de 07 de
novembro de 2013, do Município de Queiroz.
Requer ainda sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Queiroz, bem como posteriormente citado o douto
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 17 de
maio de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss/mam
Protocolado nº 7.272/17
Interessado: Município de Queiroz
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade da Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013, do Município de
Queiroz
1.
Distribua-se a petição inicial da ação direta de
inconstitucionalidade em face dos incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII
do art. 2º, do art. 4º e do art. 6º da Lei nº 978, de 07 de novembro de 2013,
do Município de Queiroz.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 17 de
maio de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss/mam