EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
nº 11.159/2017
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação direta de Inconstitucionalidade. Expressões “Gerente”,
“Diretor”, “Coordenador de Urgência e Emergência”, “Chefe de Seção Técnica” e
“Chefe de Seção”, constantes no art. 3º e no Anexo I, Art. 11, e § 3º do art. 15,
da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do Município de Jahu.
1. É inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão que não
retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção senão funções
técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidos por
servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo (arts. 111, 115,
I, II e V, e 144 da CE/89). 2. O cometimento de competências
inerentes à Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo ou
ao agente político que o dirige não se compatibiliza com a reserva instituída
em prol da profissionalização que se consubstancia no órgão da Advocacia
Pública, com chefia própria escolhida ad
nutum dentre os integrantes da respectiva carreira (arts. 98, 99 e 100 da CE/89).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da
atribuição prevista no art.116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734,
de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e
no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74,
inciso VI, e no art.90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com
amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 11.159/2017, que
segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face das
expressões “Gerente”, “Diretor”, “Coordenador de Urgência e Emergência”, “Chefe
de Seção Técnica” e “Chefe de Seção” constantes do art. 3º e do Anexo I, do art.
11, e do § 3º do art. 15 da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do
Município de Jahu, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DOS DISPOSITIVOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
A Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do Município de Jahu, que “Reestrutura o Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da Prefeitura do Município de Jahu e dá outras providências”, apresenta, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:
“(...) Art. 3º Ficam
criados no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão da estrutura
organizacional da Prefeitura do Município de Jahu, os seguintes cargos de provimento
em comissão:
CARGO |
QUANTIDADE |
REFERÊNCIA |
Assessor |
20 |
208 |
Gerente |
21 |
208 |
Diretor |
13 |
206 |
Coordenador de Urgência e Emergência |
01 |
205 |
Chefe de Seção Técnica |
12 |
204 |
Chefe de Seção |
50 |
203 |
§ 1º As atribuições dos
cargos criados constam do Anexo I desta Lei Complementar, para cumprimento das
atividades no âmbito das unidades administrativas de sua respectiva lotação.
§ 2º Todos os cargos de
provimento em comissão terão jornada de trabalho com carga horária de 40
(quarenta) horas semanais.
§ 3º As referências de
vencimentos dos cargos de provimento em comissão corresponde àquelas do Anexo
XI da Lei Complementar º 219, de 16 de dezembro de 2003.
§ 4º As lotações dos cargos
de provimento em comissão serão fixadas através de Decreto.
(...)
Art. 11. Fica alterado o
artigo 23 da Lei Complementar nº 447, de 16 de abril de 2013, com a seguinte
redação:
‘Art. 23 Compete à
Secretaria de Negócios Jurídicos:
I – representar judicial e
extrajudicialmente o Município;
II – representar o
Município perante o Tribunal de Contas;
III – promover,
privativamente, a cobrança, amigável ou judicial, da dívida ativa;
IV – promover
assessoramento e consultoria aos órgãos da Prefeitura, emitindo pareceres e
exames de constitucionalidade e legalidade para interpretação de norma jurídica
e em relação a projetos de lei e atos administrativos;
V – promover ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no âmbito da legitimidade do
Município, por determinação do Prefeito; e defender, nas ações diretas de
inconstitucionalidade, a norma legal ou ato normativo, objeto de impugnação;
VI – instaurar sindicância
e processo disciplinar, bem como promover seu processamento, com o apoio de
Comissões instituídas para tais finalidades;
VII – zelar pelo estrito
cumprimento da legislação em vigor, concernente ao Município, oficiando à
autoridade competente municipal nos casos em que se fizer necessário;
VIII – propor ação civil
pública, quando do interesse do Município;
IX – desempenhar outras
atribuições compatíveis com a natureza de suas funções.
§ 1º A Estrutura
Organizacional Básica da Secretaria de Negócios Jurídicos, subordinada
diretamente ao Secretário de Negócios Jurídicos, compreende as seguintes
unidades administrativas:
I – Gabinete de Secretário;
II – Procuradoria Geral do
Município.
§ 2º A organização interna
da Procuradoria Geral do Município será disciplinada por Regimento Interno,
aprovado por Decreto do Prefeito.’
Art. 15. Fica criado no
quadro de funções públicas dos servidores efetivos da Prefeitura Municipal, lotado
na Secretaria de Negócios Jurídicos, 1 (uma) função pública de Procurador Geral
do Município, para exercer a direção superior da Procuradoria Geral do
Município, cujas atribuições constam do Anexo III desta Lei Complementar.
(...)
§ 3º Havendo qualquer
impedimento para a designação do Procurador Geral do Município, a direção
superior da Procuradoria Geral do Município caberá ao Secretário de Negócios
Jurídicos.
(...)”
Em seu Anexo I, foram fixadas as atribuições correspondentes respectivamente aos cargos criados pelo art. 3º, da seguinte maneira:
Os dispositivos legais acima transcritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.
2.
O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos normativos impugnados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Conforme será demonstrado, a
inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados manifesta-se em face dos seguintes preceitos
da Constituição Estadual Paulista:
“Art. 98 - A Procuradoria
Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração
da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao
Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos
princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da
Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a
compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de
Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição
Federal.
§ 2º - Os Procuradores
do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso
público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do
Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a
consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
§ 3º - Aos
procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de
efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios,
após relatório circunstanciado das corregedorias.
(...)
Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do
Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas
autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas
estaduais;
II - exercer as
atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das
entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete
ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e
administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à
Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.
Parágrafo único - O
Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os
Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e
representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de
bens, no ato da posse e de sua exoneração.
(...)
Artigo 111 - A
administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes
do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a
organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações
instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o
cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo
ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas
ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão,
declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de
confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo,
e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos
casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento.
(...)”
3.
DA
ABUSIVIDADE NA CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO DE GERENTE, DIRETOR, COORDENADOR
DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA, CHEFE DE SEÇÃO TÉCNICA E CHEFE DE SEÇÃO
As atribuições descritas no
Anexo I da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do Município de Jahu,
referentes aos cargos de provimento em comissão de “Gerente”, “Diretor”,
“Coordenador de Urgência e Emergência”, “Chefe de Seção Técnica” e “Chefe de
Seção”, não expressam atribuições de chefia, direção ou assessoramento,
revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas,
profissionais e ordinárias.
Com efeito, dentre as
atribuições do cargo em comissão de Gerente, está a de “zelar pela guarda, uso e conservação dos
materiais e bens patrimoniais colocados à disposição da Secretaria/Gabinete,
comunicando à área de patrimônio qualquer ocorrência de irregularidade”.
Por sua vez, dentre as
atribuições do cargo em comissão de Diretor está a de “apresentar relatórios sobre os serviços
executados pelas unidades técnico-administrativas subordinadas”.
No que tange ao cargo de Coordenador
de Urgência e Emergência, figura dentre as suas atribuições a de “manter
estatísticas e Banco de Dados atualizados”.
Por seu turno, o cargo de Chefe
da Seção Técnica possui como função “promover
reuniões periódicas com os servidores auxiliares”.
Já o cargo de Chefe de
Seção possui dentre as suas atribuições a de “manter a regularidade dos serviços, expedindo as necessárias
determinações ou representando as autoridades superiores, conforme o caso”.
Como bem pontificado em
venerando acórdão desse Egrégio Tribunal, relativo a cargos comissionados:
“A criação
de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar
ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo
exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.
Em sendo
assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de
confiança entre o governante e o servidor.
(...)
Tratando-se
de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que
não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança
ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter
definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas
ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso
II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u.,
22-07-2009).
Os cargos criados
consubstanciam funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e,
por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargo de
provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de
provas ou de provas e títulos.
Não há, evidentemente,
nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução
das diretrizes políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha
absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos
princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual),
que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.
Nesse sentido, é
inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão
cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional
e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e
que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento
efetivo mediante aprovação em concurso público.
A jurisprudência proclama a
inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que
possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas
demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia
ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007;
STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS,
1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI
309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma,
Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP,
ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).
A regra, no âmbito de todos
os Poderes Públicos, repita-se, deve ser o preenchimento dos postos através de
concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade
geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no
art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de
preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.
Há, com efeito, implícitos
limites à sua criação, visto que se assim não fosse, estaria aniquilada na
prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely
Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes
artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e
administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência
constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33.
Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando na vigência da
ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso
em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de
postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão
para tal criação, “propiciar ao Chefe de
Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas
funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes
políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer
plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta
ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da
autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a
serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o
dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a
que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Portanto, requer-se a
declaração de inconstitucionalidade das expressões “Gerente”, “Diretor”,
“Coordenador de Urgência e Emergência”, “Chefe de Seção Técnica” e “Chefe de
Seção” constantes no art. 3º e no Anexo I da Lei Complementar n° 481, de 20 de
maio de 2015, do Município de Jahu, na medida em que tais cargos não refletem a
imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
4.
DO COMETIMENTO DE
COMPETÊNCIAS INERENTES À ADVOCACIA PÚBLICA A ÓRGÃO AUXILIAR DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO OU AO AGENTE POLÍTICO
O art. 11 e o
§ 3º do art. 15 da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do Município
de Jahu, atribuem à Secretaria de Negócios Jurídicos - e ao Secretário que a dirige
- funções que, por força constitucional, competem exclusivamente à Advocacia
Pública.
Os
mencionados dispositivos dispõem caber à Secretaria de Negócios Jurídicos a
representação judicial do município e a prestação de serviços de assessoria e
consultoria (com atribuições especificas nos incisos do art. 11 da lei ora
impugnada), conferindo, ainda, ao Secretário de Negócios Jurídicos a posição de
substituto legal do Procurador Geral do Município, nos casos de impedimento
deste.
Ocorre que o cometimento de competências inerentes à
Advocacia Pública a órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo ou ao agente
político que o dirige não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da
profissionalização que se consubstancia no órgão da Advocacia Pública, com
chefia própria escolhida ad nutum
dentre os integrantes da respectiva carreira. Incidência dos artigos 98, 99 e
100 da Constituição Estadual
As atribuições de advocacia
pública do município devem recair sobre os integrantes da carreira respectiva,
como ordena o parágrafo único do art. 100 da Constituição Estadual, aplicável
aos municípios por obra de seu art. 144.
No que se refere à chefia da
advocacia pública, inclusive a municipal, não está amplamente sujeita à livre
escolha de seu titular, devendo ser restrita aos servidores de carreira. A
tarefa de assessoria, consultoria e representação jurídica nos municípios é
reservada somente aos profissionais de carreira da advocacia pública,
investidos mediante aprovação em concurso público, como vem se decidindo:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR
11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E
INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES
INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES
PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O
desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder
Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos
Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu
art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade
funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo
de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA
CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta
estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes
da carreira” (STF, ADI 2.581-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
16-08-2007, m.v., DJe 14-08-2008).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU
EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E
ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ
ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO
DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA”
(STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v.,
DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO
II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO
MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL
REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE
ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da
leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém
manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade
de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por
procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público
de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em
todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito
que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e
independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É
inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho
das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo.
Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010).
Portanto, o art. 11 e o § 3º
do art. 15 da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do Município de
Jahu, violam os
artigos 98, 99 e 100 da Constituição Estadual.
5. DO PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus
boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos
preceitos legais do Município de Jahu apontados como violadores de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargo público e a consequente
oneração financeira do erário.
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da
eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Gerente”,
“Diretor”, “Coordenador de Urgência e Emergência”, “Chefe de Seção Técnica” e
“Chefe de Seção” constantes do art. 3º e do Anexo I; art. 11 e § 3º do art. 15,
todos da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do Município de Jahu.
6. DO PEDIDO FINAL
Diante do
exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a
fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a
inconstitucionalidade das expressões “Gerente”, “Diretor”, “Coordenador de
Urgência e Emergência”, “Chefe de Seção Técnica” e “Chefe de Seção” constantes
do art. 3º e do Anexo I, art. 11, e § 3º do art. 15 da Lei Complementar n° 481,
de 20 de maio de 2015, do Município de Jahu.
Requer-se, ainda,
que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Jahu, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para
manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 17 de maio de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/mam
Protocolado n. 11.159/17
Interessado: Promotora de Justiça de Jaú
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade da das expressões “Gerente”, “Diretor”, “Coordenador de
Urgência e Emergência”, “Chefe de Seção Técnica” e “Chefe de Seção” constantes
no art. 3º e no Anexo I; art. 11 e § 3º do art. 15 da Lei Complementar n° 481,
de 20 de maio de 2015, do Município de Jahu
1.
Promova-se a distribuição de ação direta de
inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face das
expressões “Gerente”, “Diretor”, “Coordenador de Urgência e Emergência”, “Chefe
de Seção Técnica” e “Chefe de Seção” constantes no art. 3º e no Anexo I; art.
11 e § 3º do art. 15 da Lei Complementar n° 481, de 20 de maio de 2015, do
Município de Jahu.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 17 de maio de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/mam