EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 12.740/2017

                                     

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Cargo público de provimento em comissão de Diretor de Comunicação Institucional, criado pela Resolução nº 500, de 28 de maio de 2014, da Câmara Municipal de Franca.

2.      Cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a ser preenchido por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, II e V, e art. 144).

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art.90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 12.740/17), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 1º e 2º e Anexo I da Resolução nº 500, de 28 de maio de 2014, da Câmara Municipal de Franca, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O art. 1º e 2º da Resolução nº 500, de 28 de maio de 2014, da Câmara Municipal de Franca possui a seguinte redação:

“Art. 1º -  Fica criado e incorporado ao Anexo VI da Resolução nº 473, de 24/04/2013, o cargo em comissão de Diretor de Comunicação Institucional da Câmara Municipal de Franca.

§ 1º - O cargo em comissão criado por esta Resolução será provido por livre nomeação e exoneração da Presidência, obedecido o disposto no art. 3º desta Resolução.

§ 2º - O vencimento do cargo em comissão criado por esta Resolução será fixado por lei específica.

Art. 2º - A descrição e as atribuições do cargo em comissão ora criado constam do anexo I desta Resolução, e passam a integrar do Anexo VIII da Resolução 473/2013.

ANEXO I

1. Cargo: DIRETOR DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL

2. Descrição sintética: Subordina-se diretamente à Presidência, com observância da coordenação e organização estrutural dos órgãos. Compreende o cargo que se destina a coordenar, supervisionar e dirigir as atividades de divulgação dos trabalhos da Câmara.

3. Atribuições típicas:

I - planejar, coordenar, controlar e executar a divulgação dos trabalhos e atividades desenvolvidos pela Câmara de Vereadores, promovendo sua imagem através de veículos multimídia, tais como, televisão (TV Câmara e demais emissoras de TV), radiofonia, fotografia, Internet, publicações, bem como visitas monitoradas;

II - planejar anualmente as atividades de divulgação e o respectivo plano de metas, bem como relatório anual de atividades de divulgação e o respectivo plano de metas alcançadas;

III - providenciar o credenciamento de jornalistas para participação, nos trabalhos desenvolvidos pela Câmara de Vereadores;

IV - providenciar condições de trabalho para os jornalistas credenciados, assim como fornecer-lhes todas as informações necessárias para o desempenho de suas atividades;

V - assessorar entrevistas, quando solicitado, intermediando o relacionamento do Presidente da Câmara dos Vereadores e dos Vereadores com a mídia;

VII - planejar, coordenar e executar os serviços de fotografias solicitados pelos Vereadores;

VIII - planejar, coordenar e executar, os serviços de filmagens solicitados pelos Vereadores;

IX - encaminhar pautas pelo correio eletrônico;

X - criar programas de cunho educativo com fim de informar a população sobre as funções da Câmara de Vereadores, relativas a defesa da cidadania e incentivar a participação popular;

XI - alimentar a página oficial da Câmara de Vereadores na Internet (site) com as matérias dos Vereadores e da Câmara de Vereadores;

XII - preparar e direcionar para distribuição releases e matérias jornalísticas;

XIII - promover a divulgação e relacionamento com a imprensa em geral;

XIV - acompanhar diariamente as informações prestadas pela imprensa (rádio, jornais e TV), procedendo, quando for o caso, esclarecimentos e respostas, após ouvido o Presidente da Câmara de Vereadores;

XV - promover a cobertura jornalística das reuniões da Casa e demais eventos promovidos pela Câmara de Vereadores;

XVI - dar cumprimento a outras atribuições atinentes à sua área de competência que lhe venham a ser determinada pela Presidência.

XVII - assessorar a Presidência no planejamento e execução de atividades de "marketing institucional” da Câmara de Vereadores, dando suporte à condução e gerenciamento, das atividades de consolidação como Casa de Leis do Município de Piracicaba, buscando sua certificação organizacional;

4. Requisitos para provimento:

Instrução: curso superior completo de jornalismo ou comunicação social ou registro profissional de jornalista no órgão competente.

Experiência: Mínimo de 5 (cinco) anos de trabalho comprovado na profissão de jornalista e/ou em comunicação social.”

Os dispositivos legais transcritos e grifados são inconstitucionais por violação dos arts. 98, 99, 100, 111, 115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

As atribuições do cargo deDiretor de Comunicação Institucional revelam funções de natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

Dessa forma, o cargo comissionado anteriormente destacado é incompatível com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts. 111, 115, incisos II e V, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317). 

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão e o exercício da função de confiança. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições do cargo impugnado, não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que o cargo de provimento em comissão impugnado destina-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º e Anexo I da Resolução nº 500, de 28 de maio de 2014, da Câmara Municipal de Franca.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 19 de maio de 2.017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/sh

 

 

 


 

 

 

 

Protocolado nº. 40.563/17

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da expressão “Diretor de Comunicação Institucional”, prevista na Resolução n. 500, de 28 de maio de 2014, da Câmara Municipal de Franca, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

2.           Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                   São Paulo, 19 de maio de 2.017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/sh