EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 39.756/2017

 

 

 

Ementa:

1.     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.654, de 05 de março de 2015, do Município de Potirendaba, que “altera o artigo 118, da Lei 1.086/83, que dispõe sobre a taxa de licença de comércio ambulante e dá outras providências”.

2.     Taxa de licença de comércio ambulante com valor diferenciado (10 vezes maior) para pessoa física não residente no Município ou para empresa ali não registrada. Violação aos princípios da igualdade, da livre iniciativa e livre concorrência (art. 144 da Constituição Estadual c.c. arts. 5°, I, e 170, IV da Constituição Federal), da isonomia tributária e razoabilidade (arts. 111 e 163, II, da Constituição Estadual), por estabelecer discriminação sem fundamento sério, legítimo e razoável. Violação ao art. 144 da Constituição Estadual.

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 39756/2017), que segue como anexo, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE  em face da Lei nº 2.654, de 05 de março de 2015, do Município de Potirendaba, pelos seguintes fundamentos:

1.     ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 2.654, de 05 de março de 2015, do Município de Potirendaba, que “Altera o artigo 118, da Lei 1.086/83, que dispões sobre a taxa de licença de comércio ambulante e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     FUNDAMENTAÇÃO

A Lei nº 2.654/2015, do Município de Potirendaba, viola os princípios da igualdade, da isonomia tributária, da livre iniciativa e da livre concorrência e da razoabilidade (art. 144 da Constituição Estadual c.c. arts. 5º, I, e 170, IV da Constituição Federal; arts. 111 e 163, II da Constituição Estadual), os quais dispõem o seguinte:

Constituição Federal

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

(...)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência;”

Constituição Estadual 

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

Os preceitos da Constituição Estadual e Federal são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Ao condicionar a autonomia dos Municípios à observância dos princípios previstos em seu bojo e na Constituição Federal de 1988 (CF/88), o artigo 144 da Constituição Estadual possui caráter de norma remissiva, reproduzindo, aliás, o caput do art. 29 da Carta Magna. 

Assim, a incompatibilidade vertical arguida se dá em face de norma remissiva da Constituição Estadual, não havendo espaço para se cogitar de contraste direto da lei municipal com a Constituição Federal.

Vale ressaltar que a parametricidade das normas constitucionais estaduais de caráter remissivo, para fins de controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais perante o Tribunal de Justiça local (art. 125, § 2°, CF/88), constitui questão amplamente discutida e pacificada no E. Supremo Tribunal Federal (AgR Recl. 10.500/SP; Min. Rel. Celso de Mello; D.J. 26/10/2010 e AgR Recl. 10406/GO; Min. Rel. Gilmar Mendes; D.J. 26/08/2014).

         Dessa maneira, conforme entendimento esposado pelo E. STF, não há usurpação da competência da Corte Constitucional Federal quando os Tribunais de Justiça locais, no exercício de sua competência prevista no art. 125, § 2° da CF/88, verificam a compatibilidade de leis municipais com normas constitucionais estaduais que fazem remissão às disposições da Carta Magna de 1988.

O diploma legal impugnado (Lei nº 2.654/2015, do Município de Potirendaba), ao estabelecer valores diferenciados a título de Taxa de licença de comércio ambulante para pessoas físicas não residentes naquele Município é ofensivo aos princípios da igualdade, isonomia tributária, da livre iniciativa, da livre concorrência e da razoabilidade.

A Lei impugnada estabelece nítida distinção entre ambulantes internos e externos, sendo os primeiros aqueles com empresas regularmente inscrita no Município ou pessoa física com endereço fixo no Município, e os segundos aqueles que não possuem empresas regularmente inscritas no Município ou pessoas físicas não residentes no Município (art. 3º e 4º).

Desta forma a tributação aos externos, conforme nova redação dada ao Anexo 12 da Lei nº 1.086/83, pelo art. 2º da Lei nº 2.654/2015, é 10 vezes superior.

Tal tributação excessiva, além de violar o princípio da igualdade e da isonomia tributária, chega até mesmo a inviabilizar no Município o exercício daquela atividade econômica por pessoas que ali não residam.

Estamos diante de arbitrária discriminação, proibida no campo tributário expressamente pelo artigo 150, II, da Constituição Federal, assegurando-se, ainda, a preservação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

O ato normativo impugnado traz discriminação não razoável e ofensiva ao princípio da igualdade (art. 5º da CF) e da isonomia tributária (art.150, II, da CF).

O princípio da igualdade, em sua verdadeira acepção, significa tratar igualmente situações iguais, e de forma diferenciada situações desiguais.

Daí ser possível aduzir que viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas.

Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35).

Esse é o sentido do princípio da isonomia, salientado por José Afonso da Silva, ao afirmar que “a realização da igualdade perante a justiça, assim, exige a busca da igualização de condições dos desiguais” (Curso de direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 215).

A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

Além disso, no constitucionalismo moderno “a função de impulso e a natureza dirigente do princípio da igualdade aponta para as leis como um meio de aperfeiçoamento da igualdade através da eliminação das desigualdades fácticas” (J.J. Gomes Canotilho, “Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas”, 2ª ed., Coimbra editora, 2001, p. 383).

O que o princípio em verdade veda é que a lei vincule uma “consequência a um fato que não justifica tal ligação”, pois o vício de inconstitucionalidade por violação da isonomia deve incidir quando a norma que promove diferenciações sem que haja “tratamento razoável, equitativo, aos sujeitos envolvidos” (Celso Ribeiro Bastos, “Curso de Direito Constitucional”, 18ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, p. 181/182).

A valoração daquilo que constitui o conteúdo jurídico do princípio constitucional da igualdade, ou seja, a vedação de uma “regulação desigual de fatos iguais”, deve ser realizada caso a caso, com base na razoabilidade e proporcionalidade na análise dos valores envolvidos, pois “não há uma resposta de uma vez para sempre estabelecida” (cf. Konrad Hesse, “Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha,” tradução da 20ª ed. alemã, por Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 330/331).

Em outras palavras, além do aspecto negativo do princípio, como vedação de tratamento desigual a situações e pessoas em condição similar, traz conotação positiva, para conceder ao legislador a missão de, pela elaboração normativa, com parâmetro nos obstáculos e nas desigualdades reais, equiparar, ou equilibrar situações, materializando efetivamente o conteúdo concreto da isonomia. Pela elaboração normativa, o legislador poderá afastar óbices de qualquer ordem que limitem a aproximação efetiva daqueles que se encontram sob a égide do ordenamento jurídico (cf. Paolo Biscaretti Di Ruffia, Diritto constituzionale, XV edizione, Napoli, Jovene, 1989, p. 832).

Os critérios anteriormente expostos, que conferem validade e legitimidade à discriminação, têm inteira aplicação em matéria tributária.

No caso dos autos, a discriminação para a tributação diferenciada consiste em ter ou não o contribuinte residência ou registro da empresa no Município.

Tal fator de discriminação não encontra fundamento sério e razoável que justifique a excessiva tributação (10 vezes superior em relação ao ambulante interno).

Correto concluir, assim, que, tendo o legislador tributado de forma diferenciada os ambulantes externos, violou os princípios da igualdade e da isonomia.

Os ambulantes que não têm empresa registrada no Município ou ali não residam encontram-se na mesma situação jurídica para fins de tributação daqueles que possuam empresa registrada no Município ou que ali residam. Não se vislumbra fundamento sério, sentido legítimo e nem mesmo razoável para justificar a exação diferenciada condicionadora do exercício da atividade econômica.

A tributação diferenciada mencionada não se compatibiliza com o princípio da igualdade (art. 5º, I, da CF), com o princípio da isonomia tributária e da razoabilidade (arts. 111 e 163, II, da CE), nem mesmo com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170, IV da CF), na medida que onera excessivamente quem não resida no Município ou ali não tenha empresa registrada.

 A manutenção da discriminação apontada para a tributação diferenciada representaria tratamento mais gravoso aos comerciantes ambulantes que não residam no Município ou ali não tenham empresa registrada

A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Esta igualdade deve ser verificada entre aqueles que estejam na mesma situação jurídica.

Levando em consideração, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência não se pode estabelecer validamente como fator de discriminação a residência ou não no Município.

Não pode a lei tributária, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do princípio republicano e ao da isonomia, selecionar determinado grupo de pessoas que exercem o comércio ambulante para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, também que exercem a mesma atividade econômica, ocupantes de idêntica posição jurídica.

O fator de discriminação, referente a residir no Município ou ali ter a empresa registrada, carece de fundamento e razoabilidade, razão pela qual afronta o princípio da igualdade e da isonomia tributária.

Cabe acrescentar que a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas.

Na espécie, a lei é destituída de razoabilidade, pois não se vislumbra fundamento plausível para a diferenciação e tratamento tributário desigual aos denominados ambulantes internos e externos.

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.654, de 05 de março de 2015, do Município de Potirendaba.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Potirendaba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 24 de maio de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca


Protocolado nº 39.756/2017

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.654, de 05 de março de 2015, do Município de Potirendaba.

                          

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei nº 2.654, de 05 de março de 2015, do Município de Potirendaba, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 24 de maio de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca