EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado n. 42.753/17
Constitucional. Administrativo.
Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XII, XIV e XV do art. 18, da Lei
Orgânica do Município de Jales. Autorização para celebração de convênios e
consórcios. Autorização e Denominação de
logradouros e próprios públicos. Reserva da Administração. Separação de Poderes.
Princípio Federativo. 1. Lei Orgânica Municipal que impõe
autorização legislativa prévia para celebração de acordos, convênios e
consórcios pelo Poder Executivo é inconstitucional por violação ao princípio da
separação de poderes e, no tocante a consórcios, também ao princípio federativo
(arts. 5º, 47, II e XIV, e 144 CE/89 c.c. arts. 22, XXVII, 23, par. único e
241, CF/88). 2. Lei Orgânica
Municipal que impõe autorização legislativa e que atribui à Câmara Municipal a denominação
de bens, prédios, logradouros e vias do patrimônio público é inconstitucional
por violação ao princípio da separação dos poderes, por consistir ato privativo
da gestão administrativa, reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, art.
47, II, XIV e XIX, e art. 144 da CE/89).
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 42.753/17), vem perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos XII, XIV e XV do artigo 18, da Lei Orgânica do Município de Jales, pelos fundamentos expostos a seguir.
I.
DO
ATO NORMATIVO IMPUGNADO
Os incisos XII, XIV e XV do artigo 18, da
Lei Orgânica do Município de Jales, tem a seguinte redação (fls. 30):
“(...)
Art.
18 – Compete à Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito, não exigida esta
para o especificado nos artigos 19 e 36, dispor sobre todas as matérias de
competência do Município, especialmente sobre:
(...)
XII
– Autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com
outros municípios.
(...)
XIV
– Dar denominação aos próprios, vias e logradouros públicos.
(...)
XV
– Autorizar a alteração da denominação aos próprios, vias e logradouros
públicos.
(...)”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os
incisos XII, XIV e XV do art. 18, da Lei Orgânica do Município de Jales contrariam frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de
seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Os dispositivos impugnados são incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos
Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá
exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II - exercer, com o auxílio dos
Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV - praticar os demais atos de
administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto,
sobre:
a) organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação
ou extinção de órgãos públicos.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
III - DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DE PODERES E AO PRINCÍPIO FEDERATIVO
a)
Da
autorização para celebração de convênios e consórcios por órgãos do Poder
Executivo:
O inciso XII do artigo 18 da Lei Orgânica Municipal estabelece
competir à Câmara Municipal “autorizar
convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros
municípios”.
O
dispositivo legal ora impugnado viola o princípio
da separação de poderes, previsto no art. 5º, “caput” e § 1º, e no art. 47,
II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do
art. 144 da Carta Paulista.
Cabe exclusivamente ao Poder Executivo a decisão quanto à celebração de convênios, nas diversas áreas de gestão, envolvendo os órgãos da Administração Pública Federal, Estadual, ou entidades privadas, bem como a de consórcios com outros municípios, prescindindo de autorização legislativa para tanto.
Esta característica administrativa vem reforçada pela norma do art. 241 da Constituição Federal, que atribui competência privativa aos Municípios para disciplinar, por meio de lei, os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Exige-se, portanto, lei geral, tão só para disciplinar aspectos gerais dos consórcios e convênios públicos, e não lei específica, autorizando de modo direto a realização de convênio determinado.
Assim, quando a Lei Orgânica do Município estabelece que cabe ao Poder Legislativo Municipal autorizar a celebração de convênios com entidades públicas ou particulares e de consórcios com outros municípios, tal previsão é inconstitucional por invadir, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
Isso porque a celebração ou não de convênios ou de consórcios, para organização municipal, é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Desse modo, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.
Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita à disciplina legislativa, razão pela qual não compete à Câmara Municipal, através de lei, ocupar-se do referido objeto, sob pena de se permitir que atue invadindo área privativa do Poder Executivo.
Daí porque o preceito contido no inciso XII, do art. 18, da Lei Orgânica do Município de Jales, tampouco poderia estabelecer como uma das atribuições da Câmara Municipal a autorização para celebração de convênios e consórcios pelo Município.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade quanto à eventual realização de convênios e consórcios em benefício dos munícipes. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao
Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em
atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes
ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, compete
a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles,
anotando que “a Prefeitura não pode
legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas;
o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (“Direito
Municipal Brasileiro”, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard
Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis acerca da atribuição de outro poder – ou,
como no caso dos autos, aprova Lei Orgânica contendo previsão desta natureza -
viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.
Não é só. A matéria tratada na Lei Orgânica do Município
encontra-se na órbita da chamada reserva
da Administração, que reúne as competências próprias de administração e
gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e XIV da
Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144),
pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Assim, a Lei Orgânica do Município de Jales, ao incluir
entre suas atribuições a autorização no tocante à celebração de convênios e de
consórcios pelo Município, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no
estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração, à organização
e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva
da Administração, e de outro, ela ofende o art. 5º, na medida em que impõe
atribuição ao Poder Executivo.
A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo
divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da
Constituição Estadual, conforme já decidiu este Colendo Órgão Especial:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Douto e Nobre Prefeito do Município de Fartura/SP, visando à
declaração do art. 28 da Lei Complementar nº 04, de 26 de março de 2009
(Estatuto dos Servidores Públicos Municipais) e do inciso XIV, do art. 7º, da
Lei Orgânica Municipal, de 22 de março de 2004 – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
- O art. 28 da Lei Complementar nº 04/2009 (Estatuto dos Servidores Públicos
Municipais) apresenta inconstitucionalidade material, visto que seu conteúdo
viola diretamente o inciso III, do art. 115, da Constituição do Estado de São
Paulo – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - O inciso XIV, do art. 7º, da Lei
Orgânica Municipal, por seu turno, ao subordinar a atuação do Poder Executivo,
afronta o princípio da separação de poderes (art. 5º da Constituição
Bandeirante). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.
(...)
O inciso XIV, do art. 7º, da Lei Orgânica
Municipal, por seu turno, ao subordinar a atuação do Poder Executivo, afronta o
princípio da separação de poderes (art. 5º da Constituição Bandeirante). Aliás,
o tema não é novo neste Egrégio Tribunal de Justiça. Ao contrário, é remansosa
a jurisprudência deste Colendo Órgão Especial ao reconhecer a
inconstitucionalidade de normas que submetam a realização de convênios e
consórcios públicos à prévia autorização do Poder Legislativo, porquanto tal
condição viola o princípio da separação de poderes (art. 5º
Constituição Bandeirante).” ADIN 0179920-80.2013.8.26.0000 – Des. Rel. Roberto
Mac Cracken – j. 02/04/2014.” (grifo nosso)
Vale ressaltar que o Chefe do Poder Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º, da Constituição Paulista.
Nem se chegaria a conclusão
diversa a partir da afirmação de que a Lei Orgânica do Município está se
referindo, apenas, às decorrentes leis autorizativas, das quais não resta
nenhuma imposição para o administrador público.
Isso porque, a esse respeito, também não é imperativo que a lei autorize ou determine ao Poder Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação.
Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.
A utilização recorrente das chamadas leis autorizativas tem objetivos de cunho nitidamente políticos, transmitindo aos cidadãos uma falsa ideia de direito subjetivo e de negligência do Poder Executivo.
A propósito do tema já o Supremo Tribunal Federal ao julgou representação (nº 993-9) por inconstitucionalidade de uma lei estadual (Lei nº 174, de 8/12/77, do Estado do Rio de Janeiro) que autorizava o Chefe do Poder Executivo a praticar ato que já era de sua competência constitucional privativa, decidiu que:
“O só fato de
ser autorizativa a lei não modifica o juízo de sua invalidade por falta de
legítima iniciativa. Não obstante a clareza do acórdão” (Diário da Justiça de
8/10/82, p. 10187, Ementário nº 1.270-1, RTJ 104/46)
A jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem corroborado o entendimento aqui sustentado. Confiram-se, a título de exemplificação, as seguintes ementas de recentes julgamentos deste C. Órgão Especial:
“EMENTA: Ação
Direta de lnconstitucionalidade. Lei Municipal n° 4.934, de 28 de dezembro de
2009', do Município de Americana. Norma que "autoriza o Poder Executivo a
celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para aceitar créditos do
Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo ã Cidadania Fiscal do Estado
de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários e não
tributários, e dá outras providências'". Projeto de lei de autoria de
Vereador. Ocorrência de vício de iniciativa. Competência privativa do chefe do
Executivo para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da
Administração, inclusive as que importem indevido aumento de despesa pública
sem a indicação dos recursos disponíveis. Inconstitucionalidade por violação ao
princípio da separação, independência e harmonia entre os Poderes. Procedência
da ação. É inconstitucional lei, de iniciativa parlamentar, que "autoriza
o Poder Executivo a celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para
aceitar créditos do Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo à
Cidadania Piscai do Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais
tributários e não tributários", por tratar de matéria tipicamente
administrativa, cuja competência exclusiva é do chefe do Poder Executivo,
responsável para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da Administração,
configurando violação ao princípio da
separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.” (Adin nº
0179988-64.2012.8.26.0000, Rel. Des.
Kioitsi Chicuta, j. 12.12.2012)
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Lei do Município de Americana nº 4.972/2010, a qual cria
o Programa de Internet Banda Larga Gratuita no Município Inadmissibilidade Tema
relativo a atos de gestão Ingerência do Legislativo em matéria de competência
privativa do Executivo Vedação Arts. 37, X, e 169, § 1º, I e II, da CF/88 e
arts. 5º, § 2º, 47, II, XIV, 25 e 144, todos da Constituição Paulista Ação
julgada procedente. Deve ser julgada procedente ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria de competência
privativa do Executivo, pelo vício de iniciativa e por afrontar o princípio da
separação e harmonia entre os Poderes.” (Adin nº 0180003-33.2012.8.26.0000,
Rel. Des. Luis Ganzerla, j. 05.12.2012).
Por fim, o
dispositivo questionado viola o princípio federativo.
Com efeito, é admissível o contraste da Lei Orgânica
Municipal com a Constituição Federal a partir da norma remissiva contida
no art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29 caput da Constituição Federal –
condicionando a autonomia municipal.
O
art. 144 da Constituição Estadual determinando a observância na esfera
municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, é denominado “norma
estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites
da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição
Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle
concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl
10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl
10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Desse modo, é possível, assim, examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas constitucionais centrais que, refletindo o princípio federativo, repartem as competências normativas entre os entes federativos, em especial os arts. 22, XXVII, 23, parágrafo único e 241, da Constituição Federal.
Ora, consórcio é uma modalidade de contratação pública cooperativa e a exigibilidade ou não de lei autorizativa integra o quadro de seus requisitos, matéria cuja disciplina se encarta no conceito de normas gerais contido art. 22, XVII, da Constituição da República, que enuncia a competência normativa privativa da União, não bastasse a evidência de trato uniforme pelos arts. 23, parágrafo único e 241, da Carta Magna.
b)
Da
denominação e autorização para denominação de bens, prédios, logradouros e vias
do patrimônio público:
A atual redação
dos incisos XIV e XV, do art. 18, da Lei
Orgânica do Município de Jales estabelece que compete à Câmara Municipal
dar denominação ou autorizar a alteração do nome de ruas, próprios e
logradouros públicos.
Indubitavelmente, a
denominação de logradouros e de próprios públicos trata de matéria de interesse local (CF, art. 30, I), dispondo,
assim, os Municípios de ampla competência para regulamentá-la, pois foram
dotados de autonomia administrativa e legislativa. E, vale acrescentar, não há
na Constituição em vigor reserva dessa matéria em favor de qualquer dos
Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só pode
ser geral ou concorrente.
Contudo, afigura-se
necessário distinguir as seguintes situações:
(a) a edição de regras que
disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros e de próprios
públicos, caso em que a iniciativa é concorrente;
(b) o ato de atribuir nomes a
logradouros e próprios públicos, segundo as regras legais que disciplinam
essa atividade, que é da competência
privativa do Executivo.
Conforme já consignado, no Município, à Câmara Municipal incumbem as funções legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. “Nessa sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal.” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., pp. 427 e 508.)
Em sua função normal e
predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas,
gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem
diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos
concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos
particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).
Assim, no exercício de sua
função normativa, a Câmara está habilitada a editar normas gerais, abstratas e
coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias,
logradouros e prédios públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o
nome de pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de
três palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON
DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do
Governo do Estado de São Paulo, 2/103).
Ressalte-se que a
nomenclatura de logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade
precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, São Paulo,
2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse sinalização, a identificação e a
localização dos logradouros públicos seria tarefa quase impossível,
principalmente nos grandes aglomerados urbanos.
Diverso, porém, é o ato de
denominar os próprios públicos, inclusive nos casos em que não se busca apenas
permitir a orientação da população, mas sim homenagear determinadas pessoas ou
fatos históricos.
Note-se: nada obsta que o
nome dado a determinado logradouro público cumpra não só a função de permitir
sua identificação e exata localização, mas sirva também para homenagear pessoas
ou fatos históricos, segundo os critérios previamente estabelecidos em lei
editada para regulamentar essa matéria.
Definidas essas premissas
básicas, entretanto, é imperativo o reconhecimento da inconstitucionalidade dos
atos normativos impugnados nesta inicial.
Leis que conferem nomes a
bens integrantes do patrimônio público municipal não encerram o conteúdo de
normas abstratas ou teóricas, instituídas em caráter permanente e de
generalidade.
Ou seja, a Câmara não pode,
em nosso regime constitucional, invadir a esfera da gestão administrativa, que
cabe ao Poder Executivo, atribuindo, especificamente e de modo individualizado,
a determinados próprios integrantes do Município, denominação concreta.
As leis formais não se
mostram regras jurídicas, mas simples atos
administrativos do Poder Legislativo, que invadem a esfera de competência
constitucional do Poder Executivo.
Na ordem constitucional
vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a fim de limitar o
poder estatal, na consagrada fórmula de Montesquieu, não existe a menor
possibilidade de a Administração municipal ser exercida pela Câmara, por meio
de leis (Estado legal), pois a Constituição é clara ao atribuir ao Prefeito a
competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a
direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e praticar os
atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47, XIV).
Bem por isso, aliás, ELIVAL
DA SILVA RAMOS adverte que:
“(...)
Sob a vigência
de Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes (...) não é
lícito ao Parlamento editar, ao seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e
individualizante. A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício da
função legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que,
embora fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de
generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma
direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta
caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto
Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial. (“A
Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194.)
(...)”
Nesse contexto, a aprovação de lei, de iniciativa parlamentar, que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).
Ao examinar assunto
correlato, no julgamento da Repr. n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO
REZEK consignou no seu respeitável voto que:
“(...)
No contexto dos
debates que esta matéria provocou na origem, e que envolveram os três poderes
do Estado, vez por outra afloram equívocos conceituais de certa monta, qual o
entendimento da prerrogativa de dar nome à sede forense como atributo da
propriedade imobiliária, ou a visão do Poder Executivo como titular do domínio
dos bens públicos afetos a seus próprios serviços, tanto quanto aos da
Legislatura e aos da Justiça.
Tudo isso posto
de lado, porque desnecessário ao completo esquema da questão de
inconstitucionalidade que aqui se discute, reponta claro o argumento do
Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a competência
para dar nome a logradouros públicos, porque não disciplinada na lei
fundamental, há de sê-lo em lei ordinária; e que entre aqueles não há por que
distinguir os de uso especial da Justiça dos vinculados aos demais poderes, ou
entregues ao uso comum do povo. Aquela primeira ideia se viu desenvolver com esmero
pelos fundadores da federação norte-americana, e, dessa e de outras fontes, foi
sabidamente assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto a Carta não
diz por si mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça, mas o
Congresso, compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei fundamental
encabeça, sem poder exaurir.
Essa regra
eminente traz, porém, consigo, duas presunções tácitas, a ditar-lhe o exato
contorno. A primeira é a de que esse espaço a ser preenchido pela produção
congressional reclame substância normativa, vestida da abstração e da
generalidade que lhe são próprias. A segunda, indissociável da precedente, é a
de que o vasto domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda
estender-se sobre área reservada pela lei fundamental às prerrogativas do
Executivo e do Judiciário, com todos os desdobramentos necessários a que se não
lhes afronta a independência.
(...)”
Em suma, a concessão de denominação a determinado bem municipal é ato concreto de administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana, cujo único responsável é o Prefeito.
Não há como aceitar a
interpretação que inclui no rol dos poderes implícitos da Câmara a competência
para editar leis formais, desvestidas dos atributos de generalidade e
abstração, tampouco estender esses poderes sobre área de atuação exclusiva do
Poder Executivo, a quem compete administrar os bens públicos e prestar os
serviços públicos municipais. O ato de atribuir nomes a logradouros ou prédios
públicos é mero corolário do poder de administrar.
Bem a propósito, ao examinar
leis de conteúdo semelhante, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Pretensão que envolve os incisos
XVI e XVII do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente, que
trouxe normas que fixam competência da Câmara Municipal para denominar e
autorizar alteração da denominação de próprios, vias e logradouros públicos
Interesse local que se encontra dentro das atribuições constitucionais do
município Existência de competência legislativa concorrente entre Poder
Legislativo e Executivo somente acerca da regulamentação do tema através de
normas gerais e abstratas Criação de lei para denominação em casos concretos
que se encontra no âmbito da gestão administrativa, cuja competência é
exclusiva do Poder Executivo Configuração da inconstitucionalidade Ação
procedente” (ADIN nº 2061661-87.2016.8.26.0000, Rel. Álvaro Passos, j.
10.08.2016).
Em suma, a
Câmara não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos
concretos de administração, nem mesmo denominar bens públicos. E a nomenclatura
de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao
serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se
exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a conclusão inafastável de que as
leis em epígrafe são manifestamente incompatíveis com o princípio da separação
dos poderes.
IV - CONCLUSÃO E PEDIDO
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos incisos XII,
XIV e XV do artigo 18, da Lei Orgânica do Município de Jales, por ofensa aos arts. 5º, 47, II, XIV e
XIX e 144 da Constituição Paulista.
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Jales, bem
como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para
fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São
Paulo, 26 de maio de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh
Protocolado nº 42.753/17
Assunto: Inconstitucionalidade de dispositivos insertos na Lei Orgânica do Município de Jales.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos incisos XII, XIV e XV do artigo 18, da Lei Orgânica do Município de Jales, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Comunique-se a propositura da ação ao interessado.
3. Cumpra-se.
São
Paulo, 26 de maio de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh