EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 3.445/2017
Ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “cargos
públicos nomeados em comissão destinados aos Especialistas em Educação”
constante do inc. I do art. 5º, do inc. II do art. 6º; do § 2º do art. 8º; do §
2º do art. 10; dos arts. 19, 20, 21 e 31e dos Anexos III, IV e V, todos da Lei
nº 2.209, de 19 de setembro de 2001, bem como em face dos arts. 15, 16 e 28 e
dos Anexos X – Parte A, X – Parte B e XI, todos da Lei nº 2.305, de 28 de junho
de 2002, ambas do Município de Uchoa. Criação de cargos sem descrição em lei
das respectivas atribuições. Criação de cargos em comissão no âmbito da
Educação Municipal que não refletem funções de direção, chefia e
assessoramento, ainda que ausente descrição precisa de suas atribuições.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
POR OMISSÃO em face do Prefeito e da Câmara Municipal de Uchoa. Ausência de lei que fixe percentual de
cargos em comissão a serem preenchidos por servidores efetivos.
1) É
inconstitucional a criação de cargos cujas atribuições não estejam descritas em
lei. Inadmissível a descrição de atribuições em portaria do Chefe do Poder
Executivo. Princípio da reserva legal absoluta. Violação aos arts. 24, § 2º, 1,
111 e 115 da CE.
2) É
inconstitucional a criação de cargos em comissão, no âmbito da Educação
Municipal, que não retratem atribuições de assessoramento, chefia e direção,
senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais.
Desnecessidade de especial vínculo de confiança e lealdade com as diretrizes
políticas da autoridade superior a ensejar a possibilidade de criação de
emprego público de provimento em comissão. Violação aos artigos 111, 115,
incisos II e V, e 144, da CE.
3) A exigência constitucional de percentual mínimo dos cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira institui direito de acesso dos servidores públicos efetivos aos cargos de direção superior, bem como assegura a qualidade, a eficácia e a continuidade do serviço público.
4) Princípio da simetria. Princípio constitucional estabelecido (arts. 115, V, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo). Obrigação de legislar. Omissão relevante, transcurso de mais de 8 anos, desde nova redação dada ao inciso V do art. 115 da Constituição Estadual pela Emenda Constitucional nº 21, de 14.02.2006, e mais de 16 anos da redação que a EC nº 19/1998 deu ao inciso V do art. 37 da Constituição Federal.
5) Precedente do Colendo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça de São Paulo (Processo nº 0140894-75.2013.8.26.0000, rel. des. Ferreira Rodrigues, j. 25.08.2014, v.u.).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da
atribuição prevista no art. 116, inc. VI, da Lei Complementar Estadual nº 734,
de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º,
e no art. 129, inc. IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inc.
VI, e no art. 90, inc. III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo
nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 3.445/17, que segue
anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “cargos públicos nomeados
em comissão destinados aos Especialistas em Educação” constante do inc. I do
art. 5º, do inc. II do art. 6º; do § 2º do art. 8º; do § 2º do art. 10; dos
arts. 19, 20, 21 e 31e dos Anexos III, IV e V, todos da Lei nº 2.209, de 19 de
setembro de 2001, bem como em face dos arts. 15, 16 e 28 e dos Anexos X – Parte
A, X – Parte B e XI, todos da Lei nº 2.305, de 28 de junho de 2002, ambas do Município
de Uchoa, CUMULADA COM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do Prefeito e da Câmara Municipal de
Uchoa, pelos fundamentos expostos a seguir:
I - DISPOSITIVOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A
Lei n° 2.209, de 19 de setembro de
2001, do Município de Uchoa, que “Institui
o Estatuto e o Plano de Carreira de Remuneração e Valorização do Magistério Púbico
Municipal e dá outras providências” possui, no que interessa, a seguinte
redação:
“Art. 5º - O Quadro
do Magistério Público da Rede Público de Uchoa será constituído por dois
quadros, que comportam substituição, especificados em:
I – Subquadro de Cargos Público
(SQED): Cargos Públicos de caráter efetivo, providos por concurso público de
provas e títulos destinados aos Docentes e, Cargos Públicos nomeados em comissão destinados aos Especialistas em
Educação;
II – Subquadro de Função-Atividade
(SQFA): é constituído de funções de atividades docentes que comportam
substituição.
Art. 6º. O Quadro do Magistério é constituído de classes de
Docentes e Especialistas e Educação, integradas nos subquadros
na seguinte conformidade:
I)
Classe de Docentes (SQUED) e (SQFA):
a. Professor de Educação
Infantil;
b. Professor do Ensino
Fundamental e Médio;
II)
Classe de Especialista de
Educação (SQE):
a.
Diretor de Unidade Escolar;
b.
Assistente de Diretor de
Escola;
c.
Assistente Pedagógico de
Unidade Escolar.
(...)
Art. 8º.
(...)
§ 2º. Os integrantes da classe de Especialista de Educação
exercerão suas atividades nos diferentes níveis e modalidades de ensino da
Educação Básica.
(...)
Art. 10. O provimento dos Cargos da classe de Docentes e de
Especialistas de Educação, se dará através de nomeação em caráter efetivo e
nomeação em comissão, respectivamente.
(...)
§ 2º. Nomeação em comissão
para as funções destinadas aos Especialistas de Educação que oferecem apoio
pedagógico e administrativo nas Unidades Escolares.
(...)
Art. 19. As nomeações dos
Especialistas de Educação são de competência do Prefeito Municipal, conforme
Anexo III, na seguinte conformidade:
I – As nomeações para
Diretor de Unidade Escolar, serão indicadas pelo Secretário (a) Municipal de
Educação e Cultura ao Prefeito Municipal que, se de acordo, procederá o
comissionamento indicado, desde que preenchidos os pressupostos exigíveis para
o Cargo.
II – O Assistente de Diretor
de Escola será indicado pelo Diretor de Unidade Escolar ao Secretário Municipal
de Educação e Cultura, que, se de acordo, encaminhará para comissionamento,
desde que preenchido os pressupostos exigíveis para o Cargo.
III – A indicação para
Assistente Pedagógico de Ensino Fundamental deverá ser efetuada através de
processo seletivo entre os pares nas Unidades Escolares e encaminhada a
Secretaria Municipal de Educação e Cultura, para comissionamento, desde que
preenchidos os pressupostos exigíveis para o Cargo.
Art. 20. As unidades
escolares contarão com Assistente de Direção na seguinte conformidade:
I – Unidade Escolar com no
mínimo 16 (dezesseis) classes contará com um Assistente de Direção;
II – Unidade Escolar com
mais de 32 (trinta e duas) classes terá direito a mais um Assistente de
Direção.
Art. 21. Todas as nomeações
em comissão deverão atender aos requisitos do Art. 11, da Lei Municipal nº
1.875/93, de 29/12/93.
Parágrafo Único – Os
Especialistas de Educação poderão ser descomissionados,
a qualquer tempo, de acordo com os interesses da Administração Pública.
(...)
Art. 31. Os Especialistas de
Educação, no suporte pedagógico e administrativo previstos no artigo 6º desta
Lei, ficam sujeitos a uma carga horária semanal de 40 (quarenta) horas de
trabalho.
(...)”. (g.n.)
Para completar, o Anexo III, ao fixar o
quadro de cargos públicos em comissão e respectivos requisitos, estabelece:
QT |
DENOMINAÇÃO |
FORMAS DE PROVIMENTO |
REQUISITOS |
NÍVEL |
02 |
Diretor de Unidade
Escolar |
Em
comissão |
Nível
Superior em Educação ou Pós-Graduação em Educação e no mínimo 05 (cinco) anos
de exercício do Magistério Público Oficial |
IV |
02 |
Assistente de Diretor de
Escola |
Em comissão |
Nível
Superior em Educação ou Pós0Graduação em Educação e no mínimo 04 (quatro)
anos de exercício no Magistério Público Oficial |
III |
04 |
Assistente Pedagógico de
Ensino Fundamental |
Em comissão |
Nível
Superior em Educação ou Pós-Graduação em Educação e no mínimo 03 (três) anos
de exercício no Magistério Público Oficial |
II |
Já
o Anexo IV, que dispõe sobre Especialistas de Educação – Secretaria Municipal
de Educação e Cultura, estabelece:
QT |
DENOMINAÇÃO |
FORMAS DE PROVIMENTO |
REQUISITOS |
NÍVEL |
1 |
Assessor (a) Técnico (a)
de Educação |
Em comissão |
Nível universitário,
preferencialmente em Educação |
V |
1 |
Chefe Técnico (a) de
Educação Infantil |
Em comissão |
Nível Médio – Modalidade
Normal e Nível Universitário-Pedagogia |
II |
1 |
Chefe da Seção da Merenda
Escolar e Suprimentos |
Em comissão |
Nível Médio |
I |
1 |
Chefe da Secretaria
Administrativa |
Em comissão |
Ensino Médio –
Preferencialmente Normal |
I |
1 |
Chefe da Seção do
Transporte Escolar |
Em comissão |
Ensino Fundamental |
I |
Finalmente, o Anexo V prevê:
ESCALA DE SALÁRIOS DOS CARGOS PÚBLICOS EM COMISSÃO E VENCIMENTOS DOS CARGOS EM COMISSÃO
TABELA I – 40 horas semanais |
||||
NÍVEL |
||||
I |
II |
III |
IV |
V |
800,00 |
1.200,00 |
1.300,00 |
1.400,00 |
1.500,00 |
Por sua vez, a Lei nº 2.305, de 28 de junho de 2002,
do Município de Uchoa, que “dispõe sobre a reestruturação administrativa e
funcional da Prefeitura e dá outras providências”, no que pertine ao caso vertente, dispõe:
“Art. 1º. Esta lei reorganiza a estrutura administrativa e funcional da Prefeitura Municipal, reformula o seu organograma, criando novas unidades administrativas do Executivo e reformula e reorganiza os quadros de pessoal.
(...)
Art. 15. Fica aprovado, conforme Anexo X, que é parte integrante desta
lei, o Quadro de Cargos de Provimento Efetivo, divido em parte “A” e “B”, de
acordo com as respectivas quantidades e referências constantes no mencionado
anexo.
§ 1º. A Parte “A” do Anexo X compreende as atividades de natureza
técnica administrativa, conforme os requisitos de escolaridade e exigências
pertinentes ao serviço a ser executado.
§ 2º. A Parte ‘B” do Anexo X compreende as atividades de natureza
operacional, conforme os requisitos de escolaridade, capacitação e esforço a
ser dispensado quanto ao serviço a ser executado.
§ 3º. Os cargos relacionados pelo Anexo X e que não tenham sido
especificamente criados por leis anteriores, passam a integrar os quadros de
pessoal da Prefeitura, ficando aprovados nos termos deste artigo.
§ 4º. Os cargos constantes do Anexo X, que se encontravam vagos, serão
providos mediante concurso público.
Art. 16. Fica aprovado, conforme o Anexo XI, que é parte integrante
desta lei, o Quadro de Cargos de Provimento em Comissão, de livre nomeação e
exoneração do Chefe do Executivo, de acordo com as respectivas quantidades e
referências constantes do mencionado anexo.
Parágrafo único. Os cargos relacionados pelo Anexo XI e que não tenham
sido especificamente criados por leis anteriores, passam a integrar os quadros
de pessoal da Prefeitura, ficando aprovados nos termos deste artigo.
(...)
Art. 25. A admissão de servidores da Prefeitura, para os cargos previstos nesta lei, dar-se-á na forma da Constituição Federal, sendo:
I – mediante concurso público de provas, ou de provas e títulos, para os cargos de provimento efetivo, constantes do Anexo X, obedecidos o número de vagas existentes e as demais condições fixadas em lei;
II – por livre escolha do Prefeito para os cargos em comissão, constantes do Anexo XI, obedecidos o número de vagas existentes e as demais condições fixadas em lei.
Art. 26. O enquadramento dos servidores conforme o disposto nesta lei dar-se-á por portaria expedida pelo Chefe do Executivo.
(...)
Art. 27. Para os fins dessa lei, ficam adotadas as conceituações técnicas seguintes:
1 – Cargo. O conjunto de atribuições e responsabilidades específicas com denominação e remuneração próprias, cuja atribuição depende de aprovação por lei, dividindo-se em cargos efetivos e de provimento em comissão.
2 – Cargo Efetivo. É aquele criado por lei, com denominação e vencimentos próprios, providos em caráter permanente, mediante concurso de provas ou de provas e títulos.
3 – Cargo em Comissão. É aquele criado por lei, com denominação e vencimento próprios, provido em caráter provisório, sendo de livre nomeação e exoneração do Prefeito.
4 – Cargo técnico. É o que exige conhecimentos profissionais especializados para seu desempenho, dada a natureza científica ou artística das funções que encerra.
5 – Provimento. É o ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo público, com a designação de seu titular.
(...)
Art. 28. A descrição pormenorizada das atribuições de cada cargo
previsto nesta lei será objeto de decreto do Executivo”. (g.n.)
II - O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos legais impugnados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Paulista, in verbis:
“Art. 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º. É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
(...)
Art. 24.
(...)
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
1) Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração.
(...)
Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Art. 144- Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
III – INCONSTITUCIONALIDADE
POR AÇÃO: FUNDAMENTAÇÃO
Todos os cargos efetivos e
em comissão de ambas as leis acima referidas ora impugnados são
inconstitucionais, porque as respectivas atribuições não estão definidas em lei.
Com relação aos cargos contemplados
pela Lei nº 2.305, de 28 de junho de 2002, é preciso enfatizar que a o art. 28
expressamente dispõe que a descrição pormenorizada das atribuições de
cada cargo previsto nesta lei será objeto de decreto do Executivo.
Quanto aos cargos públicos
de preenchimento em comissão da Lei nº 2.209, de 19 de setembro de 2001, é
preciso dizer que são inconstitucionais também por outro fundamento: pelo que
se infere do próprio nome de cada cargo e de alguns preceitos normativos, as suas
atribuições não expressam funções de chefia, direção ou assessoramento, mas sim
funções técnicas, burocráticas, profissionais e ordinárias, não demandando
qualquer relação especial de confiança com o Chefe do Poder Executivo.
III - A - DA AUSÊNCIA DE
DESCRIÇÃO EM LEI DAS ATRIBUIÇÕES DE TODOS OS CARGOS IMPUGNADOS POR MEIO DA
PRESENTE AÇÃO
Nenhum dos cargos públicos permanentes e
em comissão contemplados pelos Anexos III e IV da Lei nº 2.209/01 e pelos
Anexos X – Parte A, X – Parte B e XI da Lei nº 2.305/02 possuem descrição das respectivas atribuições em lei.
E mais, no tocante à Lei nº 2.305/02, anote-se que o
seu art. 28 estabelece que a descrição pormenorizada
das atribuições será feita por decreto do Poder Executivo.
Porém, o princípio da
legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de
qualquer função pública lato sensu
(cargo ou emprego públicos).
Embora distintos seus
regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de
atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação
própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica,
provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica
função permanente conferida a um servidor.
Ponto elementar relacionado
à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica –
no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de
princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no
Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as
correlatas atribuições.
A criação do cargo público
impõe a fixação de suas atribuições, porque todo cargo pressupõe função
previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito
Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito
Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal
Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p.
581).
Neste sentido, para a
criação de cargos ou empregos públicos, é imprescindível lei específica que descreva
as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto
inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público.
Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta
uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do
Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo.
A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no
sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável.
Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que
‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a
discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da
organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e
diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Somente a partir da
descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do
funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a
completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público.
Trata-se de exigência
relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da
Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos
administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de
investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade,
pela impessoalidade e pela razoabilidade.
Nem se alegue, por oportuno,
que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das
atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria
sujeita exclusivamente à reserva legal.
A possibilidade de
regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não
significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar
atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e
forma de provimento.
A alegação cede à vista do
art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da
Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento
administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa,
isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações
intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento,
sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos
(arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX,
a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, §
4°, Constituição Federal).
Com maior razão a exigência
de reserva legal para cargos de provimento em comissão, uma vez que serve para
mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando
constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de
assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir
atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem
artificial sua criação e sua forma de provimento.
Quanto aos cargos de
provimento efetivo, a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições
também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento
administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as
competências de cada cargo na organização municipal.
Sobre o tema esse Colendo
Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:
“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do
Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de
que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou
os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor,
assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador
geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento,
diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu
anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da
reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j.
22.08.2012)
Inconstitucionais, por conseguinte, os dispositivos contestados, que cuidaram de cargos públicos sem descrever as respectivas atribuições, por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, I, 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual.
III – B - DOS CARGOS
PÚBLICOS EM COMISSÃO DA LEI Nº 2.209/01 QUE NÃO EXPRESSAM FUNÇÕES DE CHEFIA,
DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO
No que diz respeito aos
cargos públicos em comissão constantes da Lei nº 2.209/01, que cuida do
Magistério Público Municipal, infere-se da leitura das próprias denominações,
das respectivas lotações e dos requisitos para o seu provimento que apresentam
natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, que exigem
somente o dever comum de lealdade às instituições públicas necessárias a todo e
qualquer servidor.
Vale dizer: os cargos de
“Diretor de Unidade Escolar”, “Assistente de Diretor de Escola”, “Assistente
Pedagógico de Ensino Fundamental”, “Assessor Técnico de Educação”, “Chefe
Técnico de Educação Infantil”, “Chefe da Seção de Merenda Escolar e
Suprimento”, “Chefe da Secretaria Administrativa” e “Chefe da Seção de
Transporte Escolar” não poderiam jamais ser cargos de provimento em comissão.
Neste passo, cumpre lembrar
que os cargos de “Diretor de Unidade Escolar”, “Assistente de Diretor de
Escola” e “Assistente Pedagógico de Ensino Fundamental” são cargos lotados nas
próprias unidades de ensino, que, por óbvio, exercem atribuições profissionais
e técnicas referentes à prestação do serviço de educação. Estão, portanto, bem
distantes do Chefe do Poder Executivo Municipal e da necessidade de
estabelecimento de uma relação de confiança peculiar com o Prefeito Municipal,
o que fulmina qualquer justificativa para o seu provimento em comissão.
Com relação aos cargos de “Assessor
Técnico de Educação”, “Chefe Técnico de Educação Infantil”, “Chefe da Seção de
Merenda Escolar e Suprimento”, “Chefe da Secretaria Administrativa” e “Chefe da
Seção de Transporte Escolar”, que são qualificados como especialistas de
educação lotados na Secretaria Municipal de Educação, cujos requisitos para
provimento sequer compreendem nível universitário na área de educação ou
administração, igualmente não é aceitável que sejam cargos de provimento em
comissão.
Nada obstante a lei tenha
empregado expressões como “assessor” e “chefe” para buscar legitimar o seu
provimento em comissão, tais denominações não podem ser suficientes para
autorizar o afastamento da regra constitucional do concurso público para o seu
provimento.
Não há nenhum componente nos
postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes
políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha absoluta
fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da
moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam
os incisos II e V, do art. 115, da Constituição Estadual.
A jurisprudência proclama a
inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que
possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas
demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia
ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007;
STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE
680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012;
STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli,
Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª
Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP,
ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel,
v.u., 30-01-2008).
A regra, no âmbito de todos
os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso
público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a
acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição
Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa
deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou
burocrática.
Há, com efeito, implícitos
limites à sua criação, porquanto, se assim não fosse, estaria aniquilada na
prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely
Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes
artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e
administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência
constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33.
Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando na vigência da
ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso
em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de
limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição
objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso,
para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança,
afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade
governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que
reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo
escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas
aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus
titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade
às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos
os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às
diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à
autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e
exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há
razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração
cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico,
desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais
se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter
estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e
considerações de outra natureza” (Provimento
de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Com relação especificamente aos cargos de “Diretor de Escola”, vale ressaltar que
esse egrégio Órgão Especial já assentou:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. Leis nºs 3.182 e 3.183,
ambas de 01 de agosto de 2014, do Município de Viradouro, que criam,
respectivamente, as funções em confiança
de “Vice-Diretor de Escola” e “Diretor de Escola”. Ausência do elemento
“fidúcia”. Atribuições de ambos os
cargos que são técnicas, operacionais, profissionais. Violação ao artigo 115,
I, II e V da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável aos Municípios por
força do artigo 144 da citada Carta. Ação procedente”. (TJSP,
ADI nº 2076550-80.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Xavier de Aquino,
julgado em 12 de agosto 2015, v.u) (grifo nosso)
Por todo o exposto, os cargos comissionados em questão
são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts.
111, 115, incisos I, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
IV - OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
O Município de Uchoa admitiu não haver previsão legal
da percentual dos cargos em comissão a serem preenchidos por servidores
efetivos, no âmbito do Poder Executivo.
A necessidade da fixação em lei de percentual mínimo
de funções e cargos em comissão na estrutura administrativa dos Poderes
Públicos a serem ocupados por servidores efetivos decorre da Emenda
Constitucional nº 21, de 14.02.2006, que, reproduzindo o art. 37, V, da
Constituição Federal (com a redação dada pela EC nº 19/1998), deu nova redação
ao art. 115, V, da Constituição Estadual, já transcrito nesta petição inicial.
Pois bem, a regra dos cargos em comissão é a transitoriedade.
Todavia, o que se vê no Brasil é uma burla à Constituição às avessas, um número de 600 mil servidores que não são concursados, mas que são investidos em cargos que deveriam ser ocupados por servidores titulares de cargos de carreira de provimento efetivo.
A Emenda nº 19/98 tentou corrigir essa perversão do sistema, ao alterar o inciso V, do art. 37, da Constituição Federal. A Emenda determinou que um percentual mínimo dos cargos em comissão fosse ocupado por servidores concursados.
A nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente caberá o provimento em comissão e, nesses casos, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, possuidores da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente e aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, inc. V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da Administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimento em comissão da Administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da Administração, para que ela não sofra solução de continuidade.
O art. 90 da Constituição Estadual prevê a ação de inconstitucionalidade por omissão de medida necessária para tornar efetiva norma ou princípio da Constituição.
A omissão na fixação do
percentual que assegurará a acessibilidade aos cargos em comissão pelos
servidores efetivos configura violação ao art. 115, inc. V, da Constituição
Estadual, que, pelo princípio da simetria previsto em seu art. 144, deve ser observado pelos
Municípios na sua produção normativa e organização administrativa.
Frise-se que a nossa Constituição Federal tem natureza dirigente, uma vez que, mais do que organizar e limitar o poder político, institui direitos consubstanciados em prestações materiais exigíveis e impõe metas vinculantes para os poderes constituídos.
A realização ordinária da vontade constitucional se concretiza através do processo legislativo, conduzido por agentes públicos eleitos, bem como pelo exercício regular das atribuições conferidas aos órgãos públicos.
No entanto, quando a falta de efetividade da norma constitucional se instala, frustrando a supremacia da Constituição, cabe ao Judiciário suprir o déficit de legitimidade democrática da atuação do Legislativo.
Um dos atributos das normas
constitucionais é sua imperatividade. Descumpre-se a imperatividade de uma
norma constitucional quer quando se adota uma conduta por ela vedada, quer
quando se deixa de adotar uma conduta por ela determinada. A Constituição é,
assim, suscetível de violação tanto por ação como por omissão (Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito
brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 279).
Na hipótese que se apresenta, a omissão normativa de
iniciativa do Prefeito Municipal (art. 24, § 2º, 1, c.c.
art. 144, ambos da CE/89) reclama intervenção excepcional do Judiciário para a
realização da vontade constitucional.
A propósito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal
que:
“Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.” (STF. ADIn 1.439-DF, Rel Min. Celso de Mello, DJ 30.05.2003)
Observe-se que a norma constitucional em pauta não possui eficácia imediata, pois exige que a lei estabeleça as condições e os percentuais mínimos dos cargos em comissão que serão preenchidos por servidores públicos efetivos.
Assim, a fixação de percentual de cargos de comissão a serem preenchidos por servidores públicos efetivos é necessária para que se torne efetivo o art. 115, inc. V, da Constituição Estadual, que garante ao servidor público efetivo acesso aos cargos da Administração superior do Município.
Lembre-se que, embora existam outras classificações quanto à eficácia das normas constitucionais, no que diz respeito à sua aptidão para produção de efeitos no mundo jurídico, é convincente aquela proposta por José Afonso da Silva, que as separa em: (a) normas de eficácia plena (self-executing ou “autoexecutáveis”); (b) normas de eficácia contida (ou de conteúdo “restringível”); (c) normas de eficácia limitada (not self-executing, ou “não autoexecutáveis”).
Sabe-se que as normas de eficácia plena produzem efeitos imediatos, independentemente de edição de normas infraconstitucionais. As da segunda categoria, por sua vez, são aquelas que produzem efeitos imediatos mesmo sem serem regulamentadas, mas estão sujeitas a delimitação ou restrições por norma infraconstitucional. As da última categoria são esvaziadas de eficácia imediata, só concretizando a promessa constitucional nelas contida com a edição da legislação infraconstitucional pertinente ao tema (autor citado, Aplicabilidade das normas constitucionais, 3. ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 63 e ss).
Naquilo que interessa ao caso específico, não há dúvida de que o dispositivo constitucional mencionado assegura a acessibilidade dos servidores públicos aos cargos em comissão. A concretização dessa diretriz constitucional está nitidamente vinculada ou condicionada à edição de ato normativo de escalão inferior para a fixação do seu percentual e condições.
Desse modo, tratando-se de matéria subordinada à iniciativa do Prefeito Municipal, nos termos dos artigos 24, § 2º, 1, e 144, da Constituição Estadual, verificada a sua inércia, fica absoluta e incontestavelmente configurada a omissão normativa, a exigir a intervenção do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do exercício da jurisdição constitucional.
A superlativa gravidade da omissão normativa inconstitucional se evidencia, na medida da constatação de que ela perdura por mais de 8 anos, considerada a data da redação dada ao inciso V do art. 115 da Constituição Estadual. E, por mais de 16 anos, tomando por base a redação do art. 37, V, da Constituição Federal.
A ausência de iniciativa por
parte do Prefeito Municipal em dar início ao processo legislativo,
estabelecendo percentual mínimo de cargos em comissão a serem ocupados por
servidores público efetivos na estrutura administrativa do Poder Executivo,
indica de modo claro a
prevalência da omissão legislativa, levando-nos a concluir que sem a
intervenção jurisdicional, com o reconhecimento da inconstitucionalidade por
omissão, a lacuna infraconstitucional não encontrará solução.
A omissão do legislador para tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada encontra reparo por meio da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. É o que dispõe o art. 90, § 4º, da Constituição Estadual (que reproduz, com adaptações, a previsão contida no art. 103, § 2º, da CF):
“Art. 90.
(...)
§ 4º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.”
O Col. Supremo Tribunal Federal tem, há muito, reafirmado a necessidade de firme combate às omissões normativas inconstitucionais, que se revelam tanto na ausência de norma infraconstitucional como na sua insuficiência para dar concretude às diretrizes estabelecidas na Constituição Federal (ADI 1.458-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-96, DJ de 29-9-96. No mesmo sentido: ADI 1.439-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-5-96, DJ de 30-5-03).
A doutrina, do mesmo modo, anota que a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão é instrumento de “defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento
apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente
desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de
suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson
Merlin Clève, A
fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed.,
São Paulo, RT, 2000, p. 339/340).
Confira-se ainda: Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito
brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 195/198; Oswaldo Luiz Palu, Controle de
constitucionalidade, 2. ed., São Paulo, RT, 2001, p. 285/291.
Tendo presente que o processo objetivo de controle de
constitucionalidade tem como finalidade assentada na Constituição Federal assegurar
sua eficácia normativa, a interpretação finalista e sistemática para tal
instituto conduz à conclusão de que a mera determinação de suprimento da
omissão legislativa não será suficiente, no caso concreto aqui examinado, pois
seguramente haverá manutenção da situação de omissão inconstitucional.
Esse quadro demonstra o acerto da solução da doutrina
e da jurisprudência, que vislumbram a possibilidade de suprimento da omissão
normativa infraconstitucional pela própria decisão proferida no controle concentrado.
Dirley da Cunha Júnior (Controle judicial das omissões do poder
público, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 547) põe a questão em destaque,
observando que:
“(...) para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso (...)“ (g.n.)
No mesmo sentido é o pensamento de Luís Roberto Barroso, formulando críticas à interpretação restritiva do alcance do instituto aqui empregado (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 208/214), bem como a doutrina de Clèmerson Merlin Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 349/350).
Em suma, com o esperado acolhimento desta ação, será pertinente a fixação de prazo para que a lacuna legislativa seja eliminada, bem como a determinação de que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como decorrência da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, seja fixado percentual mínimo para os comissionamentos do pessoal com vínculo efetivo com o Poder Executivo Municipal.
Apenas a título de ilustração, e como parâmetro para a fixação do percentual mínimo por esse Colendo Órgão Especial necessária para conferir eficácia vinculante à decisão a ser proferida, importante apontar a proporção de cargos em comissão existentes no Governo Federal, tradicionalmente apontado como fonte inesgotável de funções comissionadas, verificada no Boletim Estatístico de Pessoal, publicado no mês de janeiro de 2013 (http://www.servidor.gov.br/publicacao/ boletim_estatistico/bol_estatistico_13/Bol201_Jan2013.pdf).
De acordo com o referido documento, havia, em dezembro de 2012, 90.173 servidores exercendo funções comissionadas na União (em um universo de 999.661 servidores). O grupo mais significativo e com maior evidência dentre essas funções refere-se os cargos de DAS (Cargo de Direção e Assessoramento Superiores). O número de servidores enquadrados nesse quadro corresponde a 24,85 % do total de comissionados da União (22.417 funcionários) e, dentre esses, apenas 26,4% (5.930) são comissionados puros que não tem qualquer vínculo com a Administração Pública.
Ainda que não seja vinculante,
o comportamento da União, que conta com a maior arrecadação dentre os entes
federativos, deve ser espelho para as demais, sobretudo os menores - inclusive do ponto de vista
fiscal -, que são os Municípios.
Por fim, cumpre anotar que a fixação de um percentual mínimo provisório de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira já foi adotada por este Colendo Órgão Especial. Vide o seguinte precedente, in verbis:
“ACÃO
DE DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Alegação de ofensa ao Art. 115,
inciso V, da Constituição Estadual, que dispõe que os cargos em comissão
(destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento) devem
ser preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei. Reconhecimento de inconstitucionalidade em razão da
inexistência de norma disciplinando a questão no âmbito do município de Nova
Campina. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de
180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida.
Estabelecimento, ainda, do percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento) para preenchimento dos cargos em comissão por servidores públicos efetivos, na hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo fixado.” (Processo nº 0140894-75.2013.8.26.0000, rel. des. Ferreira Rodrigues, j. 25.08.2014, v.u.)
Destarte, havendo mora do
Chefe do Poder Executivo na deflagração do competente processo legislativo, do
qual o Poder Legislativo local deve participar, busca-se pela presente superar
a omissão inconstitucional.
V –
PEDIDO
Ante o
exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação para:
1)
declarar a inconstitucionalidade da expressão “cargos
públicos nomeados em comissão destinados aos Especialistas em Educação”
constante do inc. I do art. 5º, do inc. II do art. 6º; do § 2º do art. 8º; do §
2º do art. 10; dos arts. 19, 20, 21 e 31e dos Anexos III, IV e V, todos da Lei
nº 2.209, de 19 de setembro de 2001, bem como em face dos arts. 15, 16 e 28 e
dos Anexos X – Parte A, X – Parte B e XI, todos da Lei nº 2.305, de 28 de junho
de 2002, ambas do Município de Uchoa.
2) a) declaração da existência
de mora legislativa, quanto à edição de lei específica para fixação de
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa da Prefeitura
Municipal de Uchoa a serem preenchidos por servidores públicos de carreira; b) ser
dada ciência ao Prefeito Municipal de Uchoa, fixando-se prazo sucessivo para o
encaminhamento de proposta legislativa e para a edição do ato normativo
imprescindível à concretização das diretrizes constitucionais já consignadas;
c) ser fixado percentual mínimo dos cargos em comissão para preenchimento por
servidores públicos efetivos, a ser observado pela Prefeitura Municipal de
Uchoa, na hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo fixado no
item anterior.
Requer-se, ainda, que sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Uchoa,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado, para manifestar-se
sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que. Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 07 de junho de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss
Protocolado nº
3.445/17
Interessado:
Prefeitura de Uchoa
Assunto: controle de constitucionalidade das
Leis nºs 2.209/01 e 2.305/02, ambas do Município de
Uchoa, no tocante aos cargos comissionados
1.
Distribua-se a inicial da AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão
“cargos públicos nomeados em comissão destinados aos Especialistas em Educação”
constante do inc. I do art. 5º, do inc. II do art. 6º; do § 2º do art. 8º; do §
2º do art. 10; dos arts. 19, 20, 21 e 31e dos Anexos III, IV e V, todos da Lei
nº 2.209, de 19 de setembro de 2001, bem como em face dos arts. 15, 16 e 28 e
dos Anexos X – Parte A, X – Parte B e XI, todos da Lei nº 2.305, de 28 de junho
de 2002, ambas do Município de Uchoa, CUMULADA COM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do Prefeito Municipal de Uchoa,
instruída com o protocolado em epígrafe referido.
2. Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 07 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss