Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 21.708/2017

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade.Lei n. 2.810 de 28 de dezembro de 2000, na redação dada pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006, ambas do Município do Guarujá. Obras públicas. Custeio pelos particulares. 1. A instituição da obrigação de custeio de obra pública por particulares titulares de imóveis lindeiros mediante pagamento, ainda que com a ressalva de a resistência gerar tributo à míngua de valorização imobiliária dela decorrente, é incompatível com os princípios de razoabilidade e de proporcionalidade, não tendo caráter consensual ou voluntário, e revela a instituição dissimulada de contribuição de melhoria. 2. Ofensa aos arts. 111, 144 e 160, III, da Constituição Estadual.

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso procedimento, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 2.810, de 28 de dezembro de 2000 (exceto o parágrafo único do art. 13, o art. 8º, o inciso III do art. 21 e o art. 22, já declarados inconstitucionais), na redação dada pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006, ambas do Município do Guarujá, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – dOS AtoS NormativoS ImpugnadoS

                   A Lei n. 2.810 de 28 de dezembro de 2000, do Município de Guarujá, assim dispõe:

Capítulo I

DO PLANO COMUNITÁRIO MUNICIPAL DE MELHORAMENTOS

Art. 1º Fica instituído o Programa Comunitário de Melhorias - "Bairros em Ação", que obedecerá ao disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 3365/2006)

Capítulo II

FINALIDADE

Art. 2º O Programa Comunitário de Melhorias compreenderá a execução de pavimentação, execução de guias e sarjetas, recapeamento, extensão de rede de água e esgoto, rede elétrica, galerias de águas pluviais e outras melhorias urbanísticas, e será acionado por iniciativa própria de imóveis localizados nas vias e logradouros públicos onde se dará a atuação. (Redação dada pela Lei nº 3365/2006)

Capítulo III
APROVAÇÃO

Art. 3º Os melhoramentos solicitados serão aprovados quando forem do interesse e conveniência do Município, a critério do Poder Executivo, e em conformidade com o Plano de Ação definido no Capítulo X desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 3365/2006)

Art. 4º No caso de pavimentação, será dada prioridade às vias e logradouros públicos já dotados de outros melhoramentos, como guias e sarjetas, rede de água, de esgoto e outros assemelhados.

Capítulo IV
CUSTO E RATEIO

Art. 5º O custo do melhoramento será composto pelo valor de sua execução, acrescido das despesas com estudos, projetos, fiscalização, desapropriações, administração e financiamento, prêmios e reembolso e outras de praxe em financiamento ou empréstimo.

Art. 6º O custo do melhoramento será rateado entre os proprietários dos imóveis alcançados por ele, proporcionalmente às respectivas testadas.

Art. 7º Os proprietários que receberem diretamente o benefício responderão pelo custo, em proporção a ser definida pela Prefeitura em conjunto com a comunidade, conforme o Plano de Ação. (Redação dada pela Lei nº 3365/2006).

Parágrafo Único. Os proprietários poderão responder pela porcentagem restante em função do tipo, das características da irradiação dos efeitos e da localização da obra.

Art. 8º A Prefeitura definirá a necessidade de proporção de adesão mínima dos munícipes a cada projeto para liberar as respectivas ordens de serviço, conforme o Plano de Ação. (Redação dada pela Lei nº 3365/2006) (Declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)

Capítulo V
EXECUÇÃO

Art. 9º O Plano Comunitário Municipal de Melhoramentos será dividido em etapas fisicamente independentes que poderão englobar uma ou mais ruas próximas, considerando-se cada etapa uma obra e denominando-a por um número.

Art. 10 - Os melhoramentos do programa de que trata esta lei serão executados de forma direta ou indireta pela Prefeitura, observando-se os princípios constitucionais às contratações.

Art. 11 - Antes do início da execução do melhoramento, os interessados serão convocados por edital para examinarem o memorial descritivo do projeto, o orçamento do custo do melhoramento, o plano de rateio e os valores correspondentes.
Parágrafo Único. Após a publicação do edital, os interessados serão contatados pessoalmente para, se aderirem ao Plano Comunitário Municipal de Melhoramentos, firmarem contratos de financiamento junto à instituição bancária indicada pelo Poder Executivo.

Capítulo VI
PAGAMENTO PELOS MUNÍCIPES

Art. 12 - O valor do melhoramento, atribuído a cada proprietário de imóvel beneficiado, poderá ser pago em uma só parcela ou financiado pela instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, dentro das condições por esta estabelecidas.

Parágrafo Único. No caso de pagamento em uma parcela, o valor deverá ser recolhido junto à instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, em conta especial denominada Prefeitura Municipal, que será considerada depositária.

Art. 13 - A Prefeitura Municipal responderá pela parte do custo do melhoramento que não for assumida pelos proprietários beneficiados com o plano.
Parágrafo Único. Os valores correspondentes à responsabilidade tratada no "caput" deste artigo, serão exigidos pela Prefeitura dos proprietários não aderentes ao Plano a título de tributo, nos termos da Lei Complementar nº 
038, de 24 de dezembro de 1997. (Declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)

Capítulo VII
VINCULAÇÃO E LIBERAÇÃO DOS RECURSOS


Art. 14 - O valor total contratado, compreendendo os pagamentos em uma parcela e os financiados, será creditado pela instituição bancária indicada pelo Poder Executivo em conta corrente, sem remuneração, em nome da Prefeitura Municipal e vinculada a cada etapa do Plano Comunitário Municipal de Melhoramentos.

Art. 15 - O valor tratado no artigo anterior será liberado pela instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, para livre movimento da Prefeitura em etapas nos valores e importâncias por ela definidos e comunicados à Prefeitura através de "PROGRAMAÇÃO PARA LIBERAÇÃO DOS RECURSOS".

§ 1º - A liberação mencionada no "caput" deste artigo será efetuada mediante correspondência da Prefeitura, atestando que a obra encontra-se em estágio que comporta o pagamento parcial solicitado.

Capítulo VIII
RESPONSABILIDADES

Art. 16 - É de inteira responsabilidade da Prefeitura a contratação, execução, fiscalização, qualidade e pagamento da obra a ser executada, através do Plano Comunitário Municipal de Melhoramentos.

Art. 17 - Fica a Prefeitura autorizada a comparecer como responsável, observados os limites de endividamento estabelecidos na Resolução nº 62/75, com as alterações introduzidas pela 93/76, ambas do Senado Federal, pelos contratos que os proprietários firmarem junto à instituição bancária indicada pelo Poder Executivo.

§ 1º - A responsabilidade constante deste artigo prevalecerá somente quando esgotadas todas as medidas de ordem administrativa para o recebimento das importância financiadas.

§ 2º - Fica a instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, autorizada a debitar das contas do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) da Prefeitura, a serem recebidos pelo Município, os valores decorrentes da responsabilidade tratada neste artigo.

§ 3º - Para a cobrança da dívida assumida pela Prefeitura, proveniente da responsabilidade constante deste artigo, serão observadas as disposições da Lei nº 6.830/80.

Art. 18 - Fica a Prefeitura autorizada a contrair empréstimo junto à instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, para pagamento de qualquer importância por ela devida em razão do Plano ora implantado.

Capítulo IX
DIVULGAÇÃO

Art. 19 - Toda divulgação promovida pelo Município deverá conter os seguintes dizeres:

PREFEITURA MUNICIPAL DE ___________;
PLANO COMUNITÁRIO MUNICIPAL DE MELHORAMENTOS;
AGENTE FINANCEIRO: _______________.

CAPÍTULO X

PLANO DE AÇÃO (Capítulo acrescido pela Lei nº 3365/2006)

Art. 20 - O Programa Comunitário de Melhorias – ‘Bairros em Ação’ terá como diretriz geral para sua execução o Plano de Ação, que consistirá no compêndio das principais regras a serem definidas conjuntamente entre a Administração Municipal e os munícipes diretamente envolvidos com a intervenção especificamente. 
Parágrafo Único. A cada intervenção será realizado um Plano de Ação individualizado. (Redação acrescida pela Lei nº 
3365/2006)

Art. 21 - O Plano de Ação deverá conter obrigatoriamente: 
I - PROJETO BÁSICO:

- Desenho Urbanístico das Melhorias; 

- Memorial Descritivo;

- Orçamento; 

II - SETORIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO: 
- Divisão das obras de melhoria em áreas distintas para definição das diversas frentes de trabalho; 
III - Adesão mínima para o início da intervenção; (Declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)

IV - Valor da Contribuição de Melhoria para cada imóvel. (Redação acrescida pela Lei nº 3365/2006)

Art. 22 - O Plano de Ação devidamente aprovado pela comunidade, com adesão mínima, será oficializado através de Decreto regulamentando a matéria. (Redação acrescida pela Lei nº 3365/2006) (Declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)

Art. 20 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

                   Esse diploma legal foi alterado pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006, também do Guarujá. In verbis:

“Art. 1º O artigo 1º da Lei nº 2.810, de 28 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 1º - Fica instituído o Programa Comunitário de Melhorias - "Bairros em Ação", que obedecerá ao disposto nesta Lei.’ (NR)

Art. 2º Os artigos 2º, 3º, 7º e 8º da Lei nº 2.810, de 28 de dezembro de 2000, passam a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 2º - O Programa Comunitário de Melhorias compreenderá a execução de pavimentação, execução de guias e sarjetas, recapeamento, extensão de rede de água e esgoto, rede elétrica, galerias de águas pluviais e outras melhorias urbanísticas, e será acionado por iniciativa própria de imóveis localizados nas vias e logradouros públicos onde se dará a atuação.’ (NR)
‘"Art. 3º - Os melhoramentos solicitados serão aprovados quando forem do interesse e conveniência do Município, a critério do Poder Executivo, e em conformidade com o Plano de Ação definido no Capítulo X desta Lei.’ (NR)

‘Art. 7º - Os proprietários que receberem diretamente o benefício responderão pelo custo, em proporção a ser definida pela Prefeitura em conjunto com a comunidade, conforme o Plano de Ação.’ (NR)

Art. 8º - A Prefeitura definirá a necessidade de proporção de adesão mínima dos munícipes a cada projeto para liberar as respectivas ordens de serviço, conforme o Plano de Ação.’ (NR)(Declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)

Art. 3º A Lei nº 2.810, de 28 de dezembro de 2000, passa a vigorar acrescida do seguinte Capítulo:

‘CAPÍTULO X - PLANO DE AÇÃO’

‘Art. 20 - O Programa Comunitário de Melhorias – ‘Bairros em Ação’ terá como diretriz geral para sua execução o Plano de Ação, que consistirá no compêndio das principais regras a serem definidas conjuntamente entre a Administração Municipal e os munícipes diretamente envolvidos com a intervenção especificamente.
Parágrafo Único - A cada intervenção será realizado um Plano de Ação individualizado.’

‘Art. 21 - O Plano de Ação deverá conter obrigatoriamente:

I - PROJETO BÁSICO:

- Desenho Urbanístico das Melhorias;

- Memorial Descritivo;

- Orçamento;

II - SETORIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO:

- Divisão das obras de melhoria em áreas distintas para definição das diversas frentes de trabalho;

III - Adesão mínima para o início da intervenção; (Declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)
IV - Valor da Contribuição de Melhoria para cada imóvel.’

‘Art. 22 - O Plano de Ação devidamente aprovado pela comunidade, com adesão mínima, será oficializado através de Decreto regulamentando a matéria.’ (AC).(Declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Proc. n.º 171.335-0/2-00.)

Art. 4º Fica revogado o § 2º do artigo 15 da Lei nº 2.810, de 28 de dezembro de 2000.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.”

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os atos normativos impugnados contrariam a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. As disposições normativas objurgadas violam os seguintes preceitos constitucionais:

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 160. Compete ao Estado instituir:

(...)

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”.

                   A contribuição de melhoria é tributo que tem como fato gerador a valorização imobiliária decorrente da execução de obra pública (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 644; Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 330) e, como põe em acento a literatura:

“A efetivação da obra pública por si só não é suficiente. Impõe-se um fator exógeno que, acrescentando à atuação do Estado, complemente a descrição factual. E a valorização imobiliária nem sempre é corolário da realização de obras públicas” (Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 34).

“Não é a realização da obra pública que gera a obrigação de pagar contribuição de melhoria. Essa obrigação só nasce se da obra pública decorrer valorização, isto é, se da obra pública decorrer aumento do valor do imóvel do contribuinte” (Hugo de Brito Machado. Curso de Direito Tributário, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 374).

                   A instituição e a cobrança desse tributo devem observar o quantum de acréscimo patrimonial individualmente ocorrido, não sendo possível exigência de quantia superior à vantagem individualizada em razão da obra pública, sob pena de violação à capacidade contributiva (Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 35).

                   Sua criação repousa em critérios como a justiça fiscal e a vedação ao enriquecimento sem causa, como bem expõe a doutrina:

“Todos devem contribuir para o atendimento das necessidades públicas, na medida da capacidade econômica de cada um. Para tanto o Poder Público arrecada os tributos e aplica os recursos correspondentes. Nestas aplicações são incluídos os investimentos em obras públicas, e destas muita vez decorre valorização de imóveis. Não é justo, então, que o proprietário do imóvel valorizado em decorrência da obra pública aufira sozinho essa vantagem para a qual contribuiu toda a sociedade. Por isto o proprietário do imóvel cujo valor foi acrescido é chamado a pagar a contribuição de melhoria, com a qual de certa forma repõe no Tesouro Público o valor ou parte do valor aplicado na obra” (Hugo de Brito Machado. Curso de Direito Tributário, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 373).

                   É ponto pacífico que a contribuição de melhoria pressupõe uma atuação estatal, que só pode consistir em obra pública que cause valorização imobiliária, isto é, aumente o valor de mercado dos imóveis localizados nas suas imediações. Neste sentido, explica Roque Antonio Carrazza que esse tributo “deve, sim, levar em conta a mais-valia do imóvel, causada pela obra pública” (Curso de Direito Constitucional Tributário, 23ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 542). Bem por isso, enuncia a jurisprudência que:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. FATO GERADOR: QUANTUM DA VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA. PRECEDENTES. 1. Esta Corte consolidou o entendimento no sentido de que a contribuição de melhoria incide sobre o quantum da valorização imobiliária. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido” (STF, AI-AgR 694836, Rel.  Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, 24-11-2009, DJe 18-12-2009).

                   Dessa orientação, não diverge o egrégio Tribunal de Justiça:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal que, ao instituir o programa comunitário de melhoramentos, estabeleceu, no parágrafo único do art. 13, que os contribuintes não aderentes ao Programa, deveriam arcar com o valor das obras, a título de tributo. Inconstitucionalidade desse dispositivo. O sistema brasileiro não contempla a cobrança de tributo que corresponda ao valor da obra pública, cujo custeio deve ser feito mediante a arrecadação normal dos impostos. Ação julgada procedente” (TJSP, ADI994.02.107702-4, Rel. Des. Júlio Cesar Viseu Júnior, Órgão Especial, 21-08-2002, g.n.).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei n° 633/1998, do Município de Hortolândia - Criação de mecanismo de cooperação entre o Poder Público e a população para execução de obras e melhoramentos de interesse comunitário - Inconstitucionalidade - Caracterização - Obrigação criada que tem natureza tributária - Sistema tributário brasileiro não prevê tributo que corresponda ao valor de obra pública - Obras públicas que devem ser custeadas com o produto da arrecadação tributária - Contribuinte que não pode ser duplamente onerado - Contribuição de melhoria só pode resultar da valorização da propriedade do contribuinte em razão de obra pública - § 3 do art. 23 da cita lei - Inconstitucionalidade declarada pela maioria - Dispositivo que trata de inadmissível imposição aos munícipes, obrigando-os a contratarem a execução de obra - Afronta aos arts. 111,144, 159, caput, e 160, incisos I a IV, todos da Constituição Estadual – Configuração - Ação procedente” (TJSP, ADI 994.06.006428-0, Rel. Des. Sousa Lima, Órgão Especial, 27-06-2007).

                   A Lei n. 2.810, de 28 de dezembro de 2000 (na redação dada pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006), do Município do Guarujá, dissimula uma contribuição de melhoria através da instituição do custeio aparentemente voluntário de obras públicas de infraestrutura – tais como pavimentação, execução de guias e sarjetas, recapeamento, extensão de rede de água e esgoto, rede elétrica e galerias de águas pluviais (art. 2º da Lei nº 2.810/2000) - que nada tem de consensual.

                   Não estão os munícipes, titulares de domínio de imóveis particulares, diretamente obrigados à assunção do custeio de obra pública porque o fomento dessa atividade estatal, ressalvada a hipótese de contribuição de melhoria instituída para recuperação da valorização imobiliária dela decorrente, é abastecido pelos impostos, tributo de natureza desvinculada.

                   Bem por isso, por caracterizar atividade geral, é inadmissível exigir dos imóveis lindeiros à obra pública realizada, o seu custeio, já que os impostos servem a tanto.

                   No caso, o art. 13º da Lei n. 2.810/2000 não alija a ideia de adesão voluntária ou consenso à obrigação, ao prescrever que “A Prefeitura Municipal responderá pela parte do custo do melhoramento que não for assumida pelos proprietários beneficiados com o plano.”, porque é complementado pelo seu parágrafo único, que dispõe que “Os valores correspondentes à responsabilidade tratada no ‘caput’ deste artigo, serão exigidos pela Prefeitura dos proprietários não aderentes ao Plano a título de tributo, nos termos da Lei Complementar nº 038, de 24 de dezembro de 1997.”

                   Tanto o é que o mencionado parágrafo único do art. 13, juntamente com o art. 8º, o inciso III do art. 21 e o art. 22 da Lei nº 2.810/2000 (na redação dada pela Lei nº 3.365/2006), foram declarados inconstitucionais pelo TJSP no bojo da ação direta de inconstitucionalidade n. 0013059-80.2008.8.26.0000, ajuizada por esta Procuradoria-Geral de Justiça e julgada procedente em acórdão disponibilizado em 13 de julho de 2009.

                   Mas, na realidade, não são apenas estes preceitos que se encontram eivados de inconstitucionalidade, mas, sim, a integralidade de ambos os atos normativos.

                   O poder público municipal transferiu aos munícipes a responsabilidade pelo custeio das obras, que deverão efetuar o depósito em uma conta especial da Prefeitura de valor a ser definido no Plano de Ação, nos termos dos arts. 6º, 7º e 12º, ou, o que também não é correto, financiar o pagamento em instituição bancária indicada pelo Poder Executivo:

“Art. 6º - O custo do melhoramento será rateado entre os proprietários dos imóveis alcançados por ele, proporcionalmente às respectivas testadas.

Art. 7º - Os proprietários que receberem diretamente o benefício responderão pelo custo, em proporção a ser definida pela Prefeitura em conjunto com a comunidade, conforme o Plano de Ação.

Parágrafo Único. Os proprietários poderão responder pela porcentagem restante em função do tipo, das características da irradiação dos efeitos e da localização da obra.

(...)

Art. 12 - O valor do melhoramento, atribuído a cada proprietário de imóvel beneficiado, poderá ser pago em uma só parcela ou financiado pela instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, dentro das condições por esta estabelecidas.

Parágrafo Único. No caso de pagamento em uma parcela, o valor deverá ser recolhido junto à instituição bancária indicada pelo Poder Executivo, em conta especial denominada Prefeitura Municipal, que será considerada depositária.

                   O art. 21 da Lei nº 2.810/2000 estabelece que o Plano de Ação deverá conter obrigatoriamente o Valor da Contribuição de melhoria para cada imóvel.

                   A conjugação desses dispositivos da lei local impugnada revela inequivocamente nítida afronta ao artigo 160, III, da Constituição Estadual, porque, conjugados, os artigos da lei inovam a hipótese de incidência e a base de cálculo, de maneira a desvirtuar completamente a contribuição de melhoria prevista em ambas as Constituições.

                   Por outras palavras, de maneira inusitada, o Poder Público institui aos munícipes a obrigação de subsidiar obra pública que nada tem de convencional na medida em que a recusa ou inércia à adesão ao programa comunitário de melhoramentos implica a cobrança de tributo.

                   A contribuição de melhoria não se presta a ratear os custos das obras públicas, mas apenas servir como forma de recuperação dos investimentos feitos com recursos coletivos, ou seja, um ressarcimento do particular beneficiado à sociedade que somou recursos para a realização da obra.

           Há de se ponderar que a pavimentação, a execução de guias e sarjetas, o recapeamento, a extensão de rede de água e esgoto, as obras de rede elétrica e de galerias de águas pluviais não beneficiam apenas os imóveis lindeiros, mas toda a coletividade que por ela transita. Assim, o fato gerador da contribuição de melhoria não pode se afastar da mais valia experimentada pelo imóvel adjacente a uma obra pública.

           Se a obra é pública e a todos diretamente beneficia, eventual valorização que alguns imóveis podem experimentar não determina que os beneficiários sejam chamados a ratear seu custo total.

         De acordo com as leis em apreço, além do pagamento dos tributos municipais, que já teriam por finalidade o custeio de obras públicas, teriam os beneficiados que pagar pelas referidas obras de melhoria, o que implica em dupla oneração do contribuinte.

         Não resta dúvida de que a obrigação ora criada tem natureza tributária, pois impõe aos proprietários dos imóveis beneficiados pela realização das obras públicas o pagamento do valor destinado ao seu custeio. Acontece que no sistema tributário brasileiro não há tributo que corresponda ao valor de obra pública, assim definida como toda construção, reparação, edificação ou ampliação de bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público. Pelo contrário, as obras públicas devem ser custeadas com o produto da receita tributária, como é óbvio, até porque não pode o contribuinte ser duplamente onerado com o pagamento dos tributos que lhe são exigidos e também com o custeio de obras públicas da competência do Poder Público.

         Embora seja possível viabilizar ou acelerar a realização de obras públicas mediante a criação de mecanismo de cooperação entre o Poder Público e a população para o custeio de tais obras, não se admite a imposição desse custeio com a criação de nova modalidade tributária não prevista na Constituição, o que lhe é vedado.

                   É o que foi assentado pelo colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça:

“É que de acordo com o sistema tributário brasileiro não é possível a cobrança de tributo vinculado a determinada obra pública. A única exceção é a contribuição de melhoria prevista no art. 160, inciso III, da Constituição Estadual. Entretanto, a sua cobrança está vinculada ao fato da execução da obra custeada pelo Poder Público resultar em valorização da propriedade do contribuinte.

É justamente o inverso do que pretende a Municipalidade de Sumaré com a indigitada lei, ou seja, quer a realização de obras de melhoria arrecadando, previamente, dos proprietários dos imóveis a serem beneficiados, o valor do custo dos empreendimentos, na forma de tributo.

O dispositivo guerreado é incompatível com as regras dos arts. 111, 144, 159 e 160, da Constituição do Estado. O particular pode colaborar com a Administração para a realização de obras de melhoria, desde que de forma voluntária.

De acordo com a lei em apreço, além do pagamento dos tributos municipais, que já teriam por finalidade o custeio de obras públicas, teriam os beneficiados que pagar pelas referidas obras de melhoria, o que implica em dupla oneração do contribuinte. Sendo que no caso do contribuinte que não aderisse ao plano, haveria cobrança a título de tributo municipal, o que ofende os princípios da boa-fé e moralidade administrativa.”(TJSP, ADI 994.02.107702-4, Rel. Des. Júlio Cesar Viseu Júnior, Órgão Especial, 21-08-2002).

“A totalidade dos dispositivos da Lei n° 633, de 10 de marçode 1998, do Município de Hortolândia, citados na peça vestibular, ressente-se, efetivamente, de inconstitucionalidade.

Esse diploma legal instituiu o Plano Comunitário Municipal de Melhoramentos, destinado a criar mecanismo de cooperação entre o Poder Público e a população para a execução de obras de pavimentaçãode vias públicas, extensão de rede de água e esgoto, galerias de águas pluviais, rede de iluminação pública e domiciliar, telefonia e outros melhoramentos de interesse comunitário. Para acelerar a solução dos problemas decorrentes da falta desses melhoramentos, a lei permite que sua execução possa ser contratada desde que pelo menos 51% dos proprietários, detentores do domínio útil ou possuidores a qualquer título adiram ao plano e se comprometam a pagar o custo da obra, a ser rateadoentre eles.

Entretanto, com relação aos não aderentes, a lei permite que os valores a eles correspondentes sejam exigidos pelo Município, sob forma de contribuição de melhoria (§ 1º do art. 23), assim como também prevê a cobrança do custo dos financiamentos para pagamento dos valores por eles devidos (§ 2º do art. 24). Quanto aos aderentes, a lei impõe à empresa contratada a cobrança e o recebimento das parcelas devidas pelos inadimplentes, isentando o Município de qualquer responsabilidades pelos débitos destes (§ 3º do art. 23).

Os demais dispositivos tratam da forma de cobrança, dos acréscimos, da atualização, do parcelamento e de casos de isenção do pagamento da tal contribuição de melhoria.

Não resta dúvida de que a obrigação criada pelos citados dispositivos tem natureza tributária, pois impõe aos proprietários dos imóveis beneficiados pela realização das obras públicas de melhoramentos o pagamento do valor destinado ao seu custeio. Acontece que no sistema tributário brasileiro não há tributo que corresponda ao valor de obra pública, assim definida como toda construção, reparação, edificação ou ampliação de bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público. Pelo contrário, as obras públicas devem ser custeadas com o produto da receita tributária, como é óbvio, até porque não pode o contribuinte ser duplamente onerado com o pagamento dos tributos que lhe são exigidos e também com o custeio de obras públicas da competência do Poder Público.

Embora seja possível viabilizar ou acelerar a realização de obras públicas mediante a criação de mecanismo de cooperação entre o Poder Público e a população para o custeio de tais obras, não se admite a imposição desse custeio com a criação de nova modalidade tributária não prevista na Constituição, o que lhe é vedado.

Não bastasse isso, os dispositivos ora questionados consideram os valores correspondentes ao custeio das obras como contribuição de melhoria, quando é certo que esta só pode resultar da valorização da propriedade do contribuinte em razão de obra pública, o que não é o caso.” (TJSP, ADI 994.06.006428-0, Rel. Des. Sousa Lima, Órgão Especial, 27-06-2007).

                   Não atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, constantes do art. 111 da Constituição Estadual, a lei vincular obras públicas no território municipal ao custeio pelos munícipes titulares de imóveis lindeiros mediante adesão, nem à vista de sua inércia ou recusa lançar tributo para esse fim, pois, a realização dessa atividade é dever estatal e, por esse motivo, fomentada via receita oriunda dos impostos.

                   Tampouco é admissível dissimular contribuição de melhoria (constante no art. 21) ou prevê-la para resistência de adesão ao programa à míngua de valorização imobiliária resultante da obra pública, denotando-se violação ao art. 160, III, da Constituição Estadual.        

III – Pedido

                   Posto isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 2.810, de 28 de dezembro de 2000 (exceto o parágrafo único do art. 13, o art. 8º, o inciso III do art. 21 e o art. 22, já declarados inconstitucionais), na redação dada pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006, ambas do Município do Guarujá.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guarujá, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 07 de junho de 2017.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efsj/mam


 

Protocolado n. 21.708/2017

Interessado: Promotoria de Justiça de Habitação de Urbanismo do Guarujá

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei n. 2.810, de 28 de dezembro de 2000, na redação dada pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006, ambas do Município do Guarujá

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 2.810, de 28 de dezembro de 2000 (exceto o parágrafo único do art. 13, o art. 8º, o inciso III do art. 21 e o art. 22, já declarados inconstitucionais), na redação dada pela Lei n. 3.365, de 23 de maio de 2006, ambas do Município do Guarujá, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 07 de junho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efsj/mam