Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 22.302/2017

 

 

 

Ementa:

1)      Lei nº 3.815, de 23 de setembro de 2011, que dispõe sobre a "Criação do Programa de Assistência ao Desempregado, visando auxiliá-lo social e profissionalmente e ampará-lo materialmente durante a vigência desta lei”, com a redação dada pelas Leis n. 3.853/12, 3.975/13, 4.128/15, e, por arrastamento, da Lei nº 3.914/12, todas do Município de Pirapozinho.

2)      Programa social para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, destinada a absorver mão de obra desempregada, com contratação de pessoal por tempo determinado. Contraprestação de serviços para a municipalidade.

3)      Inconstitucionalidade por excepcionar a regra do concurso público. Previsões que não se ajustam às regras dos artigos 111, 115, incisos II e X, da Constituição do Estado.

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 3.815, de 23 de setembro de 2011, que dispõe sobre a "Criação do Programa de Assistência ao Desempregado, visando auxiliá-lo social e profissionalmente e ampará-lo materialmente durante a vigência desta lei", com a redação dada pelas Leis n. 3.853, de 15 de março de 2012, 3.975, de 25 de setembro de 2013, 4.128, de 11 de maio de 2015, e, por arrastamento, da Lei nº 3.914, de 19 de novembro de 2012, todas do Município de Pirapozinho, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei nº 3.815, de 23 de setembro de 2011, dispôs sobre a criação do Programa de Assistência ao Desempregado, nos seguintes termos:

“Art. 1º. Fica criado o Programa de Assistência ao Desempregado, denominado “FRENTE DE ASSISTÊNCIA AO TRABALHADOR”, de caráter emergencial, com duração de até 12 (doze) meses, tendo como objeto da ocupação, renda, qualificação profissional e formação cívico-social aos desempregados residentes no Município de Pirapozinho.

§ 1º. O beneficiário do Programa, somente poderá ser agraciado uma única vez, durante todo o período de vigência desta Lei.

§ 2º. O beneficiário do Programa permanecerá no mesmo durante o prazo de 06 (seis) meses, podendo ser prorrogado por igual período mediante Laudo a ser elaborado pela Divisão Municipal de Assistência Social.

Art. 2º. O Programa terá até 50 (cinqüenta) vagas, proporcionando aos beneficiários um auxílio desemprego no valor de R$ 30,00 (trinta reais) por dia de trabalho.

Art. 3º. O Programa será coordenado pela Divisão Municipal de Assistência Social, Divisão Municipal de Desenvolvimento Econômico e Divisão Municipal de Obras e Serviços Públicos, que acompanharam mediante relatório de atividades e frequência, a realização dos trabalhos de forma individualizada.

Art. 4º. Os requisitos gerais para o alistamento dos desempregados interessados em participar do Programa, são os seguintes:

I – possuir idade mínima de 18 (dezoito) anos;

II – estar desempregado, desde que não seja aposentado, pensionista, beneficiário de seguro-desemprego ou qualquer outro programa assistencial equivalente;

III – comprovada residência fixa no Município há pelo menos 01 (um) ano;

Parágrafo único. Será elaborado Laudo pela Divisão Municipal de Assistência Social, para comprovação dos requisitos legais descritos no presente artigo, ressaltando que não poderá ser admitido mais do que 01 (um) beneficiário por moradia.

Art. 5º. O beneficiário poderá, intercaladamente, participar de atividades recreativas, de mutirões de limpeza, conservação e restauração de bens públicos e de bens de entidades assistenciais do Município, e da prestação de serviços de interesse da municipalidade.

Parágrafo único. O presente Programa, de caráter assistencial e de formação profissional e cultural, não gera para os beneficiários vínculos empregatícios com a Administração Pública Municipal.

Art. 6º. Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a contratar seguro de acidentes pessoais para os beneficiários do Programa.

Art. 7º. Fica estipulado que o auxílio-desemprego será concedido independentemente de números de dias para cada beneficiário, visando atender o maior número de pessoas desempregadas, podendo o pagamento ser realizado quinzenalmente em favor dos beneficiários do presente Programa.

Art. 8º. As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de dotações próprias consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

 Art. 9º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação”.

A Lei nº 3.853, de 15 de março de 2012, alterou o art. 2º da Lei nº 3.815/11, nos seguintes termos:

“Art. 1º - Fica alterada a redação do art. 2º, da Lei Municipal nº. 3.815, de 23/09/2011, que passa a ter a seguinte redação:

Art. 2º- O Programa terá até 50 (cinqüenta) vagas, proporcionando aos beneficiários um auxílio desemprego no valor de R$.35,00 (trinta e cinco reais) por dia de trabalho.

 Artigo 2º - As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de dotações próprias consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Artigo 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação”.

A Lei nº 3.914, de 19 de novembro de 2012, prorrogou por mais doze meses o programa em questão:

“Artigo 1º - Fica prorrogado por méis 12 (doze) meses, à partir de 03 de outubro de 2012, o Programa de Assistência ao Desempregado, denominado “FRENTE DE ASSISTÊNCIA AO TRABALHADOR”, de caráter emergencial, tendo como objeto da ocupação, renda, qualificação profissional e formação cívico-social aos desempregados residentes no Município de Pirapozinho, criado pela Lei Municipal nº. 3.815, de 23/09/2012, publicada no Jornal “O Imparcial” de Presidente Prudente – SP., na data de 04/10/2011 – Página 11-D.

Artigo 2º - Esta Lei entrará em vigor a partir de 03 de outubro de 2012”.

Já a Lei nº 3.975, de 23 de setembro de 2013, modificou a Lei nº 3.815/11 e prorrogou o prazo de duração do programa:

“Art. 1º. Ficam suprimidos os §s 1º e 2º, da Lei Municipal nº 3.815, de 23/09/2011.

Art. 2º. Fica alterada a redação do art. 2º, da Lei constante no artigo anterior, que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 2º.  O Programa terá até 50 (cinqüenta) vagas, proporcionando aos beneficiários um auxílio desemprego no valor de R$ 40,00 (quarenta reais) por dia de trabalho.

Art. 3º. Fica prorrogado por mais 12 (doze) meses, a partir de 03 de outubro de 2013, o Programa de Assistência ao Desempregado, instituído pela Lei Municipal nº 3.815/11.
Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor a partir de 03 de outubro de 2013”.

Por fim, a Lei nº 4.128 de 11 de maio de 2015, também alterou a lei nº 3.815/11 com a seguinte redação:

“Art. 1º. Fica alterada a redação dos artigos 1º e 2º, da Lei Municipal nº 3.815, de 23/09/2011, que passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º.- Fica criado o Programa de Assistência ao Desempregado, denominado “FRENTE DE ASSISTÊNCIA AO TRABALHADOR”, de caráter emergencial, tendo como objeto da ocupação, renda, qualificação profissional e formação cívico-social aos desempregados residentes no Município de Pirapozinho.

Art. 2º.- O Programa terá até 80 (oitenta) vagas, proporcionando aos beneficiários um auxílio desemprego no valor de R$ 44,00 (quarenta e quatro reais) por dia de trabalho.

Parágrafo Único – A cada noventa dias, a Prefeitura Municipal de Pirapozinho, fica obrigada a encaminhar relação atualizada com contemplados do programa.

Art. 2º. As despesas decorrentes com a execução da presente Lei correrão por conta de dotações próprias consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 03 de outubro de 2014, excetuando-se o valor do auxílio desemprego previsto no art. 2º, que passará a vigorar na data da publicação da presente Lei.”

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

 Os atos normativos impugnados são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus artigos 111; 115, incisos II e X; e 144, verbis:

“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)    

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)    

X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal.

Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

De outra parte, a Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.

Destarte, não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público –, mas, tão somente, aquela que veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal.

Embora tenha motivos nobres, por ser voltada ao amparo do trabalhador desempregado, as leis impugnadas apresenta vício de inconstitucionalidade insanável.

A admissão de pessoal a termo deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não servindo ao combate ao desemprego.

Não se admite dissimulação na investidura em cargo ou emprego públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais.

Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Pedido de declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 2º e do art. 4º da Lei 766/2010 e, por arrastamento, do art. 4º da Lei 492/2005, do Município de Franco da Rocha Leis que criaram o programa municipal de auxílio-desemprego, autorizando a concessão de prêmio em razão de o beneficiário ser convocado para prestar, em caráter temporário, “serviços de relevante interesse público”, “em caso de calamidade, emergência ou situações atípicas” Regra de ingresso de servidores nos cargos funcionais consistente no concurso público, sendo excepcional a dispensa dele para nomeação do servidor Contratação temporária que somente pode ocorrer nas formas estabelecidas por lei e visando atender a necessidade temporária de excepcional interesse público Nobreza da ideia, tendente a conceder benefício de caráter social que, no entanto, incompatível com os arts. 111, 115, II e X, e 144 da CE, não podendo subsistir no ordenamento jurídico” (TJSP, Adin n. 2091506-04.2015.8.26.0000, Rel. Des. João Carlos Saletti, j. 11/11/2015)

Aliás, o artigo 1º da Lei 3.815/11, ao definir o conteúdo do programa emergencial de Assistência ao Desemprego, indica que o objeto é proporcionar ocupação, renda, qualificação profissional e formação cívico social (art. 1º) em atividades que envolvem prestação de serviços de interesse da municipalidade (art. 5º).

No caso em exame, revestido de auxílio-desemprego, a lei disciplinou verdadeira contratação de pessoas desempregadas para prestação de serviços para a municipalidade, prevendo jornada de trabalho (art. 5º, parágrafo único), e valor da bolsa auxílio-desemprego, do auxílio alimentação e do auxílio transporte (artigo 2º). Não define a lei situação excepcional que poderia justificar a contratação, o que evidencia a inconstitucionalidade dos referidos preceitos legais.

As leis que se seguiram alteram o valor da bolsa auxílio-desemprego (art. 2º da Lei nº 3.853/12, art. 2º da Lei nº 3.975/13 e art. 1º da Lei nº 4.128/15) e prorrogam a duração do “Programa” (art. 1º da Lei nº 3.914/12, art. 3º da Lei nº 3.975/13), observando que a Lei nº 4.128/15 retroage seus efeitos a outubro de 2014 (art. 3º).

Criou-se, assim, desde 2011, sistema de contratação temporária permanente, ao arrepio das hipóteses constitucionalmente admitidas.

Por todas essas razões, inconstitucionais são as hipóteses de contratação temporária, uma vez que a absorção de mão de obra desempregada, com contratação de pessoal por tempo determinado, para prestar serviços à Municipalidade de Pirapozinho contraria a Constituição do Estado de São Paulo por falta de excepcional interesse público.

Destaque-se que o objetivo das leis questionadas é a contratação temporária de pessoas para executar tarefas genéricas que não revelam a excepcionalidade.

Destarte, é possível afirmar que as leis impugnadas ofendem frontalmente os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 111; 115, incisos II e X, e 144.

Necessário, ainda, o reconhecimento da inconstitucionalidade por arrastamento, da Lei Municipal n. 3.914/12, que prorroga o prazo do programa de Assistência ao Desemprego.

III – DO Pedido

         Diante do exposto, requeremos o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.815, de 23 de setembro de 2011, que dispõe sobre a "Criação do Programa de Assistência ao Desempregado, visando auxiliá-lo social e profissionalmente e ampará-lo materialmente durante a vigência desta lei", com a redação dada pelas Leis n. 3.853, de 15 de março de 2012, 3.975, de 25 de setembro de 2013, 4.128, de 11 de maio de 2015, e, por arrastamento, da Lei nº 3.914, de 19 de novembro de 2012, todas do Município de Pirapozinho.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Pirapozinho, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 09 de junho de 2017.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 22.302/17

Assunto: Análise de constitucionalidade da Lei nº 3.815/11, do Município de Pirapozinho

 

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade a inconstitucionalidade da Lei nº 3.815, de 23 de setembro de 2011, que dispõe sobre a "Criação do Programa de Assistência ao Desempregado, visando auxiliá-lo social e profissionalmente e ampará-lo materialmente durante a vigência desta lei", com a redação dada pelas Leis n. 3.853, de 15 de março de 2012, 3.975, de 25 de setembro de 2013, 4.128, de 11 de maio de 2015, e, por arrastamento, da Lei nº 3.914, de 19 de novembro de 2012, todas do Município de Pirapozinho, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 09 de junho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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