EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado n. 30.272/17

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, com a redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. Processo de contratação. Curriculum vitae. Caráter subjetivo. Discrepância com o princípio de impessoalidade. Regime jurídico. Consolidação das Leis do Trabalho. Inadmissibilidade. Regime jurídico administrativo. Arts. 111, 115, II e X, da CE/89.

1. A Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, com a redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu, que arrola como hipóteses de contratação por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público: combate a surtos endêmicos; admissão de professor substituto e professor visitante; admissão de médicos; realização de recenseamentos e execução de serviços essenciais e de interesse público (Incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º), que não atendem ao art. 115, X, CE/89, por não haver demonstração de efetiva excepcionalidade determinada e específica.

2. A descrição de hipóteses abertas que não denotam transitoriedade e excepcionalidade burla o sistema de mérito, compatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, e X, CE/89).

3. Aferição da notória capacidade técnica ou científica para admissão de professor substituto, professor visitante e de médicos, por meio de análise de “curriculum vitae” (§2º, do art. 3º, da Lei nº 3.978/1999, do Município de Botucatu), é permeável à introdução de elementos subjetivos no processo de contratação, distanciando-se do princípio da impessoalidade (art. 111, CE/89).

4. Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, do Município de Botucatu, adotando regime celetista na contratação de pessoal temporário (art. 7º) é incompatível com o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, CE/89.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º, do § 2º, do art. 3º e do art. 7º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, na redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, do Município de Botucatu, que “Dispõe sobre contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX e dá outras providências”, no que interessa, tem a seguinte redação (fls. 24/26):

Lei nº 3.978/1999, do Município de Botucatu

Art. 2º - Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:

I – assistência a situações de calamidade pública;

II – combate a surtos endêmicos;

III – admissão de professor substituto e professor visitante;

IV – admissão de médicos;

V – realização de recenseamentos.

Art. 3º - O recrutamento do pessoal a ser contrato, nos termos desta lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Seminário Oficial do Município, prescindindo de concurso público.

§1º - A contratação para atender as necessidades de calamidade pública prescindirá de processo seletivo.

§2º - a contratação de pessoal, nos casos dos incisos III e IV, poderá ser efetivada à vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional, mediante análise do “curriculum vitae”.

(...)

Art. 7º - Os contratados serão regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – C.L.T.” (g.n)

         Posteriormente foi editada a Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, que acresceu outra hipótese que dá ensejo a contratação temporária, dentre outras temas, conforme a seguinte descrição (fl. 31):

Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000

“Acresce o inciso VI, ao artigo 2º e o inciso V, ao artigo 4º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999”.

Art. 1º - Fica acrescido ao Artigo 2º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, o inciso Vi, ficando com a seguinte redação:

I - ............;

II - ...........;

III - ...........;

IV - ............;

V - .............;

VI – execução de serviços essenciais e de interesse público.

(...)”

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         Os incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º, o §2º, do art. 3º e o art. 7º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, na redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2.000, do Município de Botucatu, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

         Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição Estadual.

         A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

         Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

         Os dispositivos impugnados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

1. As hipóteses de contratação temporária de pessoal

Os incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, na redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu, arrolam hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.

Os dispositivos impugnados são genericamente instituídos para disciplinarem as contratações por tempo determinado, a fim de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, à míngua de qualquer característica excepcional.

 Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois, ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

Neste contexto, as hipóteses contidas nos incisos II e VI, do art. 2º - “II – combate a surtos endêmicos; (...) VI – execução de serviços essenciais e de interesse público” - confirmam claramente a inconstitucionalidade dos dispositivos objetos de impugnação, eis que fixam hipóteses excessivamente abertas e não evidenciam a excepcionalidade da medida.

Também não revelam a excepcionalidade da medida a admissão de professor substituto e professor visitante (III, do art. 2º), admissão de médico (IV, do art. 2º) e a realização de recenseamento (V, do art. 2º).

Não se extrai dos dispositivos impugnados a extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

Combate a surtos endêmicos, admissão de professor substituto e professor visitante, admissão de médico, realização de recenseamentos e execução de serviços essenciais e de interesse público, não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade, imprevisibilidade e excepcionalidade e constituem expressões amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.

 A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.

 A contratação por tempo determinado na ocorrência de combate a surtos endêmicos (inciso II, do art. 2º) é expressão ampla, ambígua, genérica, imprecisa, indeterminada, vaga, que não é indicativa a priori de situação transitória, imprevisível, extraordinária, urgente, e excepcional se não for agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública ou a circunstâncias especiais que demonstrem a necessidade da medida.

 A amplitude, a indeterminação, e a vagueza permitem aninhar em seu pressuposto qualquer comoção intestina sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

Da mesma forma, a menção genérica execução de serviços essenciais e de interesse público (inciso VI, do art. 2º), poderá comprovar qualquer hipótese, ainda que a urgência fosse previsível, o que, obviamente, não é o objeto da contratação por prazo determinado. A abertura desta cláusula permite todo e qualquer preenchimento, o que não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação temporária.

As hipóteses de admissão de professor substituto e professor visitante (III, do art. 2º), admissão de médico (IV, do art. 2º) e a realização de recenseamento (V, do art. 2º), não evidenciam a urgência e excepcionalidade necessárias.

Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

 A Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público. Não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade urgente do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.

 A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

 A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

“É inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.469-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

“O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação normativa criteriosa quanto aos casos de ‘necessidade temporária de excepcional interesse público’ que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso, os traços de emergencialidade que justificam a medida atípica” (STF, ADI 3.721-CE, Rel. Min. Teori Zavascki, 09-06-2016, m.v., DJe 15-08-2016).

 A admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

 Em outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

 Em síntese, como deliberou o Supremo Tribunal Federal:

“3. À luz do conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE 658.026, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 31.10.2014), a contratação temporária reclama os seguintes requisitos para sua validade: (i) os casos excepcionais devem estar previstos em lei; (ii) o prazo de contratação precisa ser predeterminado; (iii) a necessidade deve ser temporária; (iv) o interesse público deve ser excepcional; (iv) a necessidade de contratação há de ser indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração, mormente na ausência de uma necessidade temporária” (STF, ADI 5.163-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux. 08-04-2015, v.u., DJe 18-05-2015).      

Portanto, os incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, na redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu, são incompatíveis com os arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual.

2 – Da contratação de professor substituto, professor visitante e médico

         A contratação de pessoal para admissão de professor substituto e professor visitante, bem como admissão de médico, “poderá ser efetivada à vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional, mediante análise do “curriculum vitae”, nos termos do §2º, do art. 3º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, do Município de Botucatu.

         Tal expediente é permeável à introdução de elementos subjetivos no processo de contratação, distanciando-se do princípio da impessoalidade, constante do art. 111 da Constituição Estadual.

Com efeito, a aferição da notória capacidade técnica ou científica do professor ou médico, por simples análise de “curriculum vitae”, introduz na seleção ingrediente de alta dose de subjetividade, permissivo de escolhas arbitrárias, abusivas e desigualitárias pela Administração Pública, movidas por interesses pessoais, partidários, filosóficos, religiosos etc. de seus agentes.

Em julgado recente, assim se manifestou esse egrégio Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. CONCURSO PÚBLICO. MUNICÍPIO DE BARRETOS. PROVIMENTO DE CARGOS TEMPORÁRIOS. CF, ART. 37, IX. EDITAL N° 01/2016. Processo seletivo simplificado, autorizado pela Lei Municipal nº 3.904/06. Previsão de avaliação de candidatos com base em critérios subjetivos (análise de currículos e entrevista) e ausência de previsão do número de vagas. Inadmissibilidade. Violação aos princípios da isonomia e da impessoalidade. Precedentes. Sentença de procedência mantida. Honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00. Majoração para R$ 3.000,00, com base no art. 85, § 2º, 3º e 8º do NCPC. Recurso do Município não provido e apelo do autor provido em parte”. (TJ/SP, Apelação nº 1001908-18.2016.8.26.0066, Rel. Des. Osvaldo de Oliveira, julgado em 12 de abril de 2017)

Desta forma, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade do §2º, do art. 3º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, do Município de Botucatu.

3. Adoção do regime celetista

O art. 7º da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, do Município de Botucatu, adota regime celetista na contratação de pessoal temporário, o que é incompatível com o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, da Constituição Estadual.

Com efeito, a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

A contratação por tempo determinado serve à necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistirem.

A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompatível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente excepcionais de necessidade e interesse público. Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e a temporariedade ditada por necessidade e interesse público.

Todavia, a contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é próprio e diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos delineados pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos servidores públicos efetivos, contratados por meio de concurso público e detentores de estabilidade.

O regime da contratação estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal ou no inciso X do art. 115 da Constituição Estadual, é administrativo-especial, e não se admite o celetista, porque não há possibilidade, na relação jurídica entre o servidor e o poder público, permanente ou temporária, de regência senão pela legislação administrativa. Neste sentido:

“Os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008).

“Constitucional. Reclamação. Ação civil pública. Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. 1. No julgamento da ADI nº 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (na redação da EC nº 45/04) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. As contratações temporárias para suprir os serviços públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada. 3. Reclamação julgada procedente” (RTJ 207/611).

Desse modo, requer-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, do Município de Botucatu, por violação aos artigos 111 e 115, X, da Constituição Paulista.

 

 

III – Pedido

         Diante do exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º, do §2º, do art. 3º e do art. 7º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, na redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu.

         Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Botucatu, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 05 de junho de 2017.

 

 

 

     Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

aaamj/mi

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 0030.272/17

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos incisos II, III, IV, V e VI, do art. 2º, do §2º, do art. 3º e do art. 7º, da Lei nº 3.978, de 15 de dezembro de 1999, na redação dada pela Lei nº 4.017, de 24 de maio de 2000, do Município de Botucatu.

 

                   São Paulo, 05 de junho de 2017.

 

 

 

    Gianpaolo Poggio Smanio

          Procurador-Geral de Justiça

aaamj/mi