EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 46.461/2017

                  

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão de “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva.

1)      Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

2)    Cargo de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

 

        

 

 

 

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inc. VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, no art. 129, inc. IV, da Constituição da República, no art. 74, inc. VI, e no art. 90, inc. III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso procedimento administrativo, vem, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão”, constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391, de 05 de janeiro de 2017, do Município de Cabreúva, pelos fundamentos expostos a seguir:

I. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar nº 391, de 05 de janeiro de 2017, do Município de Cabreúva, ao dispor sobre a estrutura administrativa da Prefeitura do Município, prevê no que diz respeito ao objeto da presente ação:

“Art. 7º. O quadro em comissão de direção, chefia e assessoramento da Prefeitura será instituído por esta Lei Complementar, conforme constam das Tabelas do Anexo II, que faz parte integrante e indissociável da presente Lei.

§ 1º. Os empregos em comissão constantes do quadro de direção, chefia e assessoramento, integrarão jornada de 40 (quarenta) horas semanais, sem prejuízo da disponibilidade funcional que é característica do provimento em comissão.

(...)

Art. 46. Os Anexos I, II e III, com suas tabelas e organogramas, são parte integrante e indissociável desta Lei Complementar”.

 

No tocante ao Anexo II, que cuida dos cargos comissionados, funções de confiança e resumo das funções gratificadas, constata-se que com relação aos cargos de “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão, a lei assim dispõe:


 

 

 

 

II – DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

Os cargos em comissão supramencionados, editados na estrutura administrativa municipal, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A incompatibilidade das normas atacadas se visualiza a partir de cotejo com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 98 – A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

(...)

Artigo 99 – São funções institucionais da Procuradoria-Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II – exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III – representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV – exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V – prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI – promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII – propor ação civil pública representando o Estado;

VIII – prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX – realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X – executar outras funções que lhe forem conferidas por lei”.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;”

III – FUNDAMENTAÇÃO

III – A - DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS DE “ASSESSOR DE GOVERNO”, “ASSESSOR DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO E CONVÊNIOS”, “ASSESSOR JURÍDICO”, “COMANDANTE DO CORPO DE BOMBEIROS CIVIL”, “COORDENADOR DE DEFESA CIVIL”, “CORREGEDOR DA GUARDA MUNICIPAL” E “DIRETOR DE DIVISÃO”

 

         Os cargos de “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva, são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

         A incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Para completar, é necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Feitas estas considerações, cumpre voltar a atenção especificamente para o caso em tela.

Com efeito, as expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva, correspondem a cargos de provimento em comissão.

Entretanto, tais cargos, na realidade, possuem natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional e para os quais cabe exigir tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, consoante melhor exposto a seguir.

Explicando melhor, o exame das atribuições dos sete cargos antes referidos descritas no próprio Anexo II, á acima transcrito, conduz à conclusão de que nãonecessidade de que seu exercício se faça por pessoa de particular confiança e alinhada às diretrizes políticas do Chefe do Poder Executivo Municipal.

         As atribuições previstas para tais cargos são atividades substancialmente destinadas a atender necessidades executórias distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

         Neste passo, frise-se que a nomenclatura dos cargos, especialmente os de “Assessor” e de “Diretor”, não pode ser fator determinante para autorizar o seu provimento comissionado puro.

         Ainda que a denominação tenha por objetivo indicar que a sua função é de “direção, chefia ou assessoramento”, nos termos das Constituições Estadual e Federal, é o rol de atribuições de cada específico cargo que define se o seu ocupante atuará para tais finalidades e se, para tanto, o elemento fiduciário é indispensável.

No caso em tela, todavia, não é o que se verifica. As atividades dos cargos acima referidos são executórias e de menor complexidade e refletem atos de simples e corriqueiro funcionamento da máquina administrativa, o que fulmina a possibilidade de provimento em comissão.

         Com relação especificamente aos cargos de “Assessor de Governo”, algumas considerações específicas são necessárias.

         É certo que foram indicadas, dentre as suas competências, alguma que poderia refletir, em tese, a necessidade de alinhamento com as diretrizes do Chefe do Poder Executivo. É o caso da atribuição de assessorar “o Chefe do Poder Executivo e secretários municipais quanto ao planejamento político da administração pública municipal, realizando articulação com a câmara municipal, e o mantendo contatos com outra entidade públicas ou privadas para obter ações e/ou informações de interesse do governo municipal”.     

         No entanto, a apreciação adequada e ampla de suas competências, no contexto normativo do Município de Cabreúva, mostra que o cargo de “Assessor de Governo” não poderia ser inserido entre os comissionados puros.

         Em primeiro lugar, releva considerar que a grande parte das atribuições do cargo – redigir e providenciar a digitação de correspondências ou qualquer outro documento que verse sobre assunto atinente ao Gabinete, manter arquivo de documentos de interesse do Gabinete, manter o Chefe do Poder Executivo e os Secretários Municipais informados sobre notícias, indicações e apreciação de projetos pela Câmara, preparar reuniões, visitas e palestras, coordenar e supervisionar a execução de atividades e programas das secretarias, de acordo com as diretrizes, programas e normas estabelecidas – são fundamentalmente burocráticas.

Por outras palavras, cuida-se de uma “assessoria” que se traduz em auxílio e assistência, e não efetivamente num aconselhamento de caráter político.

         Em segundo lugar, é indispensável se atentar para o fato de que a lei prevê 55 cargos de “Assessor de Governo”, em um Município que conta com 12 Secretárias e apresenta uma população estimada de 47.210 pessoas, conforme informações oficiais do IBGE ((https://cidades.ibge.gov.br/v4/municipio/350840).

         Não há como se concluir que os 55 ocupantes dos cargos de “Assessor de Governo” exercem efetivas funções que demandem confiança particular e alinhamento com as diretrizes políticas do Chefe do Poder Executivo.

         Há, portanto, artificialidade e abusividade em sua criação.

         Concluindo, os cargos de “Assessor de Governo”, tal qual ocorre com os demais, dizem respeito a atribuições administrativas e burocráticas, distantes do encargo de assessoramento e do comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

         Por conseguinte, os cargos devem ser reconhecidos como inconstitucionais.

III – B – “ASSESSOR JURÍDICO”: DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA

As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.

É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal, ao tratar da advocacia pública estadual.

Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.

Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público, o que é reverberado pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

Assim, a natureza técnica profissional dos cargos de “Assessor Jurídico”, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.

IV - Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Cabreúva apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva.

V - DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cabreúva, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 13 de junho de 2.017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

Pss

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Protocolado nº 46.461/2017

 

 

 

 

 

                       1.  Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 13 de junho de 2.017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

pss

 

 

 

 

eabreucionais.

cargos devem ser reconhecidos como instclusive as de regime especial, exceto as unida