EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
nº 46.461/2017
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade.
Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão de “Assessor de Governo”,
“Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do
Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda
Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº
391/2017, do Município de Cabreúva.
1) Cargos de provimento em comissão que
não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções
técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por
servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade
de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição
Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).
2)
Cargo
de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”. As atividades de advocacia
pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas,
são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts.
98 a 100, CE/89).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inc. VI,
da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, no art. 129, inc. IV, da
Constituição da República, no art. 74, inc. VI, e no art. 90, inc. III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso procedimento administrativo, vem, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor
de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros
Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor
de Divisão”, constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391, de 05
de janeiro de 2017, do Município de Cabreúva, pelos fundamentos expostos a
seguir:
I. DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
A Lei Complementar nº 391, de 05 de janeiro de 2017, do Município de Cabreúva, ao dispor sobre a estrutura administrativa da Prefeitura do Município, prevê no que diz respeito ao objeto da presente ação:
“Art. 7º. O quadro em comissão de
direção, chefia e assessoramento da Prefeitura será instituído por esta Lei
Complementar, conforme constam das Tabelas do Anexo II, que faz parte
integrante e indissociável da presente Lei.
§ 1º. Os empregos em comissão
constantes do quadro de direção, chefia e assessoramento, integrarão jornada de
40 (quarenta) horas semanais, sem prejuízo da disponibilidade funcional que é
característica do provimento em comissão.
(...)
Art. 46. Os Anexos I, II e III, com suas tabelas e organogramas, são parte integrante e indissociável desta Lei Complementar”.
No tocante ao Anexo II, que cuida dos cargos comissionados, funções de confiança e resumo das funções gratificadas, constata-se que com relação aos cargos de “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão, a lei assim dispõe:
II – DO parâmetro
da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os
cargos em comissão supramencionados, editados na estrutura administrativa
municipal, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à
qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts.
1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição
Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de
seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
A incompatibilidade das
normas atacadas se visualiza a partir de cotejo com os seguintes preceitos da
Constituição Estadual:
“Artigo 98 – A Procuradoria Geral do Estado é instituição de
natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração
Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela
advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da
indisponibilidade do interesse público.
(...)
Artigo 99 – São funções institucionais da Procuradoria-Geral
do Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas
autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas
estaduais;
II – exercer as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o
inciso anterior;
III – representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de
Contas;
IV – exercer as funções de consultoria jurídica e de
fiscalização da Junta Comercial do Estado;
V – prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao
Governador do Estado;
VI – promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida
ativa estadual;
VII – propor ação civil pública representando o Estado;
VIII – prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma
da lei;
IX – realizar procedimentos administrativos, inclusive
disciplinares, não regulados por lei especial;
X – executar outras funções que lhe forem conferidas por
lei”.
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública
direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer
dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre
nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento;”
III – FUNDAMENTAÇÃO
III – A - DA NATUREZA
TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS
COMISSIONADOS DE “ASSESSOR DE GOVERNO”, “ASSESSOR DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO E
CONVÊNIOS”, “ASSESSOR JURÍDICO”, “COMANDANTE DO CORPO DE BOMBEIROS CIVIL”,
“COORDENADOR DE DEFESA CIVIL”, “CORREGEDOR DA GUARDA MUNICIPAL” E “DIRETOR DE
DIVISÃO”
Os
cargos de “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”,
“Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de
Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes
do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva, são incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e
V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
A
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.
Embora o Município seja
dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo
(cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter
absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf.
José Afonso da Silva, Direito
constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve
ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior, Curso de direito constitucional,
9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua
autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante
atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem
como se estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de
que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria
ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando
normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do
serviço público.
A regra, no âmbito de todos
os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso
público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a
acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição
Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa
deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou
burocrática.
A criação de cargos de
provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos
casos em que seja exigível especial
relação de confiança entre o governante e o servidor, para que
adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há implícitos limites à sua
criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência
constitucional de concurso para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely
Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes
artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e
administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência
constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33.
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem ser de livre nomeação
e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades
desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é,
verdadeiro comprometimento político e
fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas,
necessárias a todo e qualquer servidor.
É esse o fundamento da
argumentação no sentido de que “os cargos
em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos,
onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade
nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção
superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa
fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de
dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar
dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança”
(cf. Diógenes Gasparini, Direito
Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em
comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de
natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de
Abreu Dallari, Regime constitucional dos
servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São a natureza do cargo e as
funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de
Moraes, Direito constitucional administrativo,
São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o
entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf.
Odete Medauar, Direito administrativo
moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa
também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT
VOL-01765-01 PP-00169).
Escrevendo na vigência da
ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em
exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de
limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição
objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso,
para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança,
afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade
governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que
reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo
escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas
aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus
titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade
às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos
os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às
diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à
autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e
exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há
razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos
como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico,
desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais
se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter
estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e
considerações de outra natureza” (Provimento
de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Para completar, é necessário
ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E.
Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz
Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa
Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot
Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo,
j. 16.07.2008, v.u.).
Feitas estas considerações, cumpre voltar a atenção especificamente para o caso em tela.
Com efeito, as expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e
Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”,
“Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de
Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município
de Cabreúva, correspondem
a cargos de provimento em comissão.
Entretanto,
tais cargos, na realidade, possuem natureza meramente técnica, burocrática,
operacional e profissional e para os quais cabe exigir tão somente o dever
comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor,
consoante melhor exposto a seguir.
Explicando
melhor, o exame das atribuições dos sete cargos antes referidos descritas no
próprio Anexo II, á acima transcrito, conduz à conclusão de que não há necessidade
de que seu exercício se faça por pessoa de particular confiança e alinhada às
diretrizes políticas do Chefe do Poder Executivo Municipal.
As
atribuições previstas para tais cargos são atividades substancialmente destinadas
a atender necessidades executórias distantes dos encargos de comando superior
em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do
governo.
Neste
passo, frise-se que a nomenclatura dos cargos, especialmente os de “Assessor” e
de “Diretor”, não pode ser fator determinante para autorizar o seu provimento comissionado
puro.
Ainda
que a denominação tenha por objetivo indicar que a sua função é de “direção,
chefia ou assessoramento”, nos termos das Constituições Estadual e Federal, é o
rol de atribuições de cada específico cargo que define se o seu ocupante atuará
para tais finalidades e se, para tanto, o elemento fiduciário é indispensável.
No caso em tela, todavia,
não é o que se verifica. As atividades dos cargos acima referidos são
executórias e de menor complexidade e refletem atos de simples e corriqueiro
funcionamento da máquina administrativa, o que fulmina a possibilidade de
provimento em comissão.
Com
relação especificamente aos cargos de “Assessor
de Governo”, algumas considerações específicas são necessárias.
É certo
que foram indicadas, dentre as suas competências, alguma que poderia refletir,
em tese, a necessidade de alinhamento com as diretrizes do Chefe do Poder
Executivo. É o caso da atribuição de assessorar “o Chefe do Poder Executivo e secretários municipais quanto ao
planejamento político da administração pública municipal, realizando
articulação com a câmara municipal, e o mantendo contatos com outra entidade
públicas ou privadas para obter ações e/ou informações de interesse do governo
municipal”.
No
entanto, a apreciação adequada e ampla de suas competências, no contexto
normativo do Município de Cabreúva, mostra que o cargo de “Assessor de Governo”
não poderia ser inserido entre os comissionados puros.
Em
primeiro lugar, releva considerar que a grande parte das atribuições do cargo –
redigir e providenciar a digitação de correspondências ou qualquer outro
documento que verse sobre assunto atinente ao Gabinete, manter arquivo de
documentos de interesse do Gabinete, manter o Chefe do Poder Executivo e os
Secretários Municipais informados sobre notícias, indicações e apreciação de
projetos pela Câmara, preparar reuniões, visitas e palestras, coordenar e
supervisionar a execução de atividades e programas das secretarias, de acordo
com as diretrizes, programas e normas estabelecidas – são fundamentalmente
burocráticas.
Por outras palavras,
cuida-se de uma “assessoria” que se traduz em auxílio e assistência, e não
efetivamente num aconselhamento de caráter político.
Em
segundo lugar, é indispensável se atentar para o fato de que a lei prevê 55 cargos de “Assessor de
Governo”, em um Município que conta com 12 Secretárias e apresenta uma
população estimada de 47.210 pessoas, conforme informações oficiais do IBGE ((https://cidades.ibge.gov.br/v4/municipio/350840).
Não há
como se concluir que os 55 ocupantes dos cargos de “Assessor de Governo” exercem
efetivas funções que demandem confiança particular e alinhamento com as
diretrizes políticas do Chefe do Poder Executivo.
Há,
portanto, artificialidade e abusividade em sua criação.
Concluindo,
os cargos de “Assessor de Governo”, tal qual ocorre com os demais, dizem
respeito a atribuições administrativas e burocráticas, distantes do encargo de assessoramento
e do comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as
diretrizes políticas do governo.
Por
conseguinte, os cargos devem ser reconhecidos como inconstitucionais.
III – B –
“ASSESSOR JURÍDICO”: DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA
As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal, ao tratar da advocacia pública estadual.
Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público, o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR
11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E
INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES
INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES
PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O
desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder
Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos
Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu
art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade
funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo
de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997,
p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU
EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E
ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ
ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO
DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE
ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI
159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti,
16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO
II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO
MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL
REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE
ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
Assim, a natureza técnica profissional dos cargos de “Assessor Jurídico”, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.
IV - Pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Cabreúva
apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de
São Paulo é sinal, de per si, para
suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar
oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.
À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva.
V - DO PEDIDO
Diante de todo o exposto,
aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para
que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade
das expressões “Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e
Convênios”, “Assessor Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”,
“Coordenador de Defesa Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de
Divisão” constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município
de Cabreúva.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Cabreúva, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
Termos em que, aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 13 de junho de
2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
Pss
Protocolado nº 46.461/2017
1. Distribua-se a
petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões
“Assessor de Governo”, “Assessor de Planejamento e Convênios”, “Assessor
Jurídico”, “Comandante do Corpo de Bombeiros Civil”, “Coordenador de Defesa
Civil”, “Corregedor da Guarda Municipal” e “Diretor de Divisão” constantes do
Anexo II da Lei Complementar nº 391/2017, do Município de Cabreúva, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
São Paulo, 13 de junho de 2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss