Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 5.498/2017
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 670, de 22 de maio
de 1992, alterada pelas Leis nº 189, de 17 de setembro de 1998 e nº 1.398, de
28 de setembro de 2004, Lei nº 418, de 03 de janeiro de 2000, e Lei nº 3.869,
de 15 de setembro de 2015, do Município de São João da Boa Vista. Leis locais
que disciplinam a contratação por tempo determinado fora das hipóteses
destinadas a atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão
de regime estabelecido na CLT para contratação. Prazo de contratação excedente
a doze meses. 1. A contratação por tempo determinado para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se
legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional e indispensável da
hipótese de cabimento. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade
burla o sistema de mérito, em afronta aos princípios da isonomia, moralidade,
impessoalidade e eficiência (arts. 111 e 115, X, CE/89). 2. Sujeição dos contratados por
prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime
administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art.
111 da CE/89). 3. Tampouco é razoável a duração de contratos
temporários, aí incluída sua prorrogação, por prazo total que exceda a 12
(doze) meses.
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto
nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do parágrafo único do art. 3º, da expressão “ou de comoção
interna” constante do inciso I do art. 6º, dos incisos II e III do art. 6º, do
art. 7º, e da expressão “prorrogável por igual período” constante do parágrafo
único do art. 6º, todos da Lei nº 670, de 22 de maio de 1992, com as alterações
promovidas pelas Leis nº 189, de 17 de setembro de 1998 e nº 1.398, de 28 de
setembro de 2004; da Lei nº 418, de 03 de janeiro de 2000; bem como da Lei nº
3.869, de 15 de setembro de 2015, do Município de São João da Boa Vista, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.
A Lei nº 670, de 22 de maio de 1992, de São João da Boa
Vista, que “Dispõe sobre o Plano de
Carreiras dos Servidores Públicos da Prefeitura Municipal de São João da Boa
Vista e dá outras providências”, no que interessa, estabeleceu (fls. 73/82):
“Art. 1º - O Plano de Carreiras dos Serviços Públicos da Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista obedecerá as disposições constantes desta lei e da lei nº 656, de 28 de abril de 1992.
(...)
Art. 3º - A força de trabalho necessária ao desenvolvimento das atividades da administração municipal, será constituída por servidores submetidos ao Regime Jurídico Único instituído pela Lei Municipal nº 656, de 28 de abril de 1992.
PARÁGRAFO ÚNICO - Excetua-se do disposto no “caput” deste artigo, os empregados contratados na forma da lei para o exercício de funções públicas ou funções temporárias, que serão regidos pela CLT - Consolidação das Leis do Trabalho.
(...)
Art. 6º - A administração direta e autárquica do Município de São João da Boa Vista, poderá contratar pessoas para atender necessidades temporárias de excepcional interesse público nos casos de:
I - calamidade pública ou de comoção interna;
II - campanhas de saúde pública;
III - afastamentos transitórios de servidores ou de sua saída do serviço público nas áreas de Educação e de Saúde;
· Alterado pela Lei nº 189, de 17/09/1998
Parágrafo único - As contratações para os casos especificados nos incisos I a III serão feitas independentemente da existência de emprego, mediante processo seletivo, salvo os casos de comprovada emergência que impeçam sua realização, e por prazo determinado máximo de um ano, prorrogável por igual período, compatível em cada situação.
Redação do parágrafo único dada pela Lei nº 1.398, de 28/09/2004.
Art. 7º - A Administração direta e autárquica do Município de São João da Boa Vista, poderá instituir funções públicas para desempenho de atribuições consideradas, por sua condição de duração determinada ou por sua natureza, como não permanentes no quadro da municipalidade, nos casos de:
I - execução direta de obra determinada;
II - convênios e contratos celebrados com entidades governamentais;
III - programas especiais do município devidamente aprovados pela Câmara Municipal.
§ 1º - As contratações para os casos especificados nos incisos I e II, serão feitas após a criação das respectivas funções públicas, por lei, mediante processo seletivo público e por prazo determinado igual à duração da obra, dos convênios ou contratos, observado o máximo de 02 (dois) anos.
§ 2º - As contratações para o caso previsto no inciso III, serão feitas após a aprovação do respectivo programa pela Câmara Municipal - o qual deverá especificar a criação das funções públicas correspondentes - mediante processo seletivo público e pelo prazo de duração do respectivo programa, observado o máximo de 02 (dois) anos;
§ 3º - As leis referidas nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, deverão indicar a dotação orçamentária e comprovar a existência dos recursos financeiros, bem como discriminar se as mesmas integrarão ou não as despesas de custeio da municipalidade.
(...)” (sic - grifo nosso)
A redação do inciso III do art. 1º foi dada pela Lei nº 189,
de 17 de setembro de 1998 (fls. 129), e a do parágrafo único do art. 2º promovida
pela Lei nº 1.398, de 28 de setembro de 2004, anteriormente alterado pela Lei
nº 189/98 (fl. 135), todas do Município de São João da Boa Vista.
Posteriormente, a Lei nº 418, de 03 de janeiro de 2000, de
São João da Boa Vista, que “Institui o
Programa ‘Virando a página; o direito de ler, interpretar e escrever’ na Rede
Municipal de Ensino, autoriza a PREFEITURA MUNICIPAL a firmar convênio
com a FUNDAÇÃO DE ENSINO OCTÁVIO BASTOS e dá outras providências”, assim
determinou (fls. 61/63):
“Art. 1º - Fica instituído na rede municipal de ensino o Programa ‘Virando a Página: o direito de ler, interpretar e escrever’, com o objetivo de ampliar o acesso ao ensino fundamental àqueles que não puderam concluí-lo em idade própria.
§ 1º - Este programa não inviabilizará a continuidade das classes de suplência I e II mantidas pelo Departamento de Educação, desde que haja demanda.
§ 2º - Na falta da demanda mencionada no parágrafo anterior, os docentes de suplência da Rede Municipal de Ensino serão aproveitados em classes de Ensino Infantil ou Fundamental;
Art. 2º - O projeto terá por objetivos específicos:
I - Conhecer a realidade do analfabetismo em nossa cidade, através da pesquisa de campo;
II - Preparar monitores técnica e pedagogicamente para o trabalho de alfabetização de jovens e adultos;
III - Desencadear campanha incentivando a volta à escola buscando atrair jovens e adultos para a conclusão do ensino fundamental;
IV - Abrir classes de alfabetização e Telecurso 2000 - 1º grau - em todos os locais onde houver demanda.
Art. 3º - A Prefeitura Municipal está autorizada a firmar convênio com a Fundação de Ensino ‘Octávio Bastos’ para implantação e o incremento do Programa.
Art. 4º - As aulas das classes de alfabetização e Telecurso 2000 serão ministradas por Monitores de Ensino para jovens e adultos.
Parágrafo único - Os monitores deverão ser, preferencialmente, professores.
Art. 5º - Para a execução do referido programa ficam criadas 25 (vinte e cinco) funções públicas de Monitores de Ensino para Jovens e Adultos.
§ 1º - A carga horária dos monitores será de 10 horas semanais, sendo 8 horas de aula e 2 de reunião pedagógica com supervisão do Departamento de Educação.
§ 2º - As horas aula serão distribuídas livremente pelos dias da semana, dependendo de acordo entre monitor e alunos, visando sempre atender aos interesses da maioria.
§ 3º - Os monitores serão contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mediante processo seletivo de acordo com as condições do artigo 7º da Lei nº 670/92.
Art. 6º - Os Monitores de Ensino para Jovens e Adultos perceberão a remuneração de 1 (um) salário mínimo por mês e terão contrato por 1 ano, podendo ser renovado por igual período.
Art. 7º - Para a consecução dos objetivos deste programa o Departamento de Educação deverá buscar apoio de toda a sociedade civil organizada, como:
I - Associações de Moradores de Bairro;
II - Associação Comercial e Industrial;
III - Entidades sindicais;
IV - Órgãos de imprensa;
V - Entidades religiosas;
VI - Escolas.
Art. 8º - As despesas decorrentes desta lei correrão por conta da dotação específica do ensino fundamental.
Art. 9º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 10 - Ficam revogadas as disposições em contrário.”. (sic - grifo nosso)
A seu turno, a Lei nº 3.869, de 15 de setembro de 2015, do
Município de São João da Boa Vista, e seu Anexo I, apresentaram a seguinte
redação (fls. 64/65):
“Art. 1º - Ficam criadas no quadro de servidores municipais, as funções públicas de natureza não permanente, constantes do anexo I desta lei.
§ 1º - As funções públicas criadas por esta lei visam atender o Programa de Esporte e Lazer da Cidade (PELC) através do convênio nº 805266/2014 firmado com o Ministério do Esporte.
§ 2º - O preenchimento das funções públicas criadas por esta lei, será feito, mediante processo seletivo, obedecendo integralmente as condições do Artigo 7º da Lei nº 670/92.
Art. 2º - Os empregados contratados para ocuparem as funções públicas criadas por esta lei serão remunerados exclusivamente pelo salário estabelecido no anexo I.
Art. 3º - As contratações para o preenchimento das funções públicas que trata esta lei, reger-se-ão pelo regime da C.L.T. - Consolidação das Leis do Trabalho, e terão duração de 02 (dois) anos contados da data de assinatura do referido Convênio, podendo ser prorrogado nos termos do parágrafo primeiro da Cláusula Quarta do Convênio, vedada a prorrogação que ultrapasse 02 (dois) anos após a nomeação do empregado.
§ Único - Ficam automaticamente extintas as funções desta lei em caso de rompimento do convênio ou por falta de repasse.
Art. 4º - As despesas com a execução desta lei correrão por conta da dotação orçamentária própria do Departamento de Esportes, cujos recursos serão provenientes do convênio já mencionado e integrarão as despesas de custeio da municipalidade.
Art. 5º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 6º - Revogam-se as disposições em contrário.
(...)
QTD. |
01 |
DENOMINAÇÃO
DA FUNÇÃO |
Coordenador de
Projeto |
ATRIBUIÇÕES |
Responsável
pela construção do Projeto Técnico e da proposta no SICONV encaminhado para
solicitação do Convênio; Coordenar o cumprimento do Convênio por parte da
instituição/entidade conveniada responsabilizando-se pelas contratações,
compras, realização dos módulos de formação, envio de relatórios,
solicitações de termos aditivos, solicitações de utilização de aplicação
financeira e prestação de contas, obedecendo os prazos estabelecidos; manter
atualizadas mensalmente as informações no SICONV; Assegurar a visibilidade do
projeto, utilizando-se das orientações de identificação visual do Governo
Federal/Ministério do Esporte; Dialogar constantemente com o coordenador de
núcleo, acompanhando as atividades sistemáticas do PELC. |
REQUISITOS |
Bacharel em
Educação Física, Especialização em Gestão de Projetos, Mestrado em Educação
Física e Registro no CREF/SP |
JORNADA |
40 horas
semanais |
REMUNERAÇÃO |
R$ 3.500,00 |
QTD. |
04 |
DENOMINAÇÃO DA FUNÇÃO |
Coordenador de Núcleos |
ATRIBUIÇÕES |
Auxiliar o
coordenador pedagógico do projeto em tudo que for necessário; Coordenar o
cumprimento do Convênio por parte da instituição/entidade conveniada
responsabilizando-se pelas contratações, compras, realização dos módulos de
formação, envio de relatórios, solicitações de termos aditivos, solicitações
de utilização de aplicação financeira e prestação de contas, obedecendo-se os
prazos estabelecidos; manter atualizadas mensalmente as informações no
SICONV; Assegurar a visibilidade do projeto, utilizando-se das orientações de
identificação visual do Governos Federal/Ministério do Esporte; Dialogar
constantemente com o coordenador de projeto, acompanhando as atividades
sistemáticas do PELC. Promover,
coordenar e orientar a prática de exercícios e cognitivos, de jogos
esportivos, pré-desportivos, de interação social, recreativos e de
competição, para crianças, jovens, adultos e 2ª e 3ª idade auxiliando-os e
orientando-os nestas práticas visando o desenvolvimento harmônico do corpo e
manutenção de boas condições físicas e mentais. Atribuições
típicas: Coordenar e
executar os treinamentos de equipes adultas, juvenis e infantis, nos aspectos
técnicos, táticos e físicos, preparando tais equipes para os jogos internos,
amistosos, torneios, campeonatos, ligas, associações, federações, jogos
regionais e jogos abertos. Orientar,
coordenar e executar as atividades esportivas em todos os níveis e competição
ou na formação de atletas, para o bom desempenho e representatividade do
Município; Confeccionar
o planejamento anual, semestral e semanal (macro, meso e micro ciclo) das
atividades e modalidades esportivas em geral; Confeccionar listas de presença
e elaborar relatórios sobre o desenvolvimento e desempenho dos atletas e
equipes sob sua responsabilidade; Ordenar e organizar ações referentes aos
eventos programados e promovidos pelo departamento de esportes; Executar
tarefas afins. |
REQUISITOS |
Bacharel em
Educação Física e Registro no CREF/SP |
JORNADA |
40 horas
semanais |
REMUNERAÇÃO |
R$ 2.745,00 |
(...)”. (sic - grifo nosso)
Os atos
normativos impugnados são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento
constitucional, como será demonstrado a seguir.
II - O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE.
Os preceitos normativos questionados nesta
ação contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
Os dispositivos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios
por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O art. 144 da Constituição Estadual, que
determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição
Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual
de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da
autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição
Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle
concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl
10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl
10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da
Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e
sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na
respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da
Constituição do Estado.
Eventual ressalva à aplicabilidade das
Constituições federal e estadual só teria, ad
argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da
República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria
não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da
auto-organização municipal ou aqueles que contem remissão expressa ao direito
estadual.
Em linhas gerais, os atos normativos
impugnados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
(...)”.
3. DA FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. Contratação por tempo
determinado fora das
hipóteses de excepcionalidade, interesse público e temporariedade.
Inspirado pelos princípios de impessoalidade e
de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o
art. 37, caput, da Constituição
Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX,
da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado
estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à
necessidade temporária de excepcional interesse público. Segundo José dos
Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na
contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da
função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002, 9. ed., pp. 478-479).
A obra
legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da
contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento
qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na
excepcionalidade do interesse público.
Os
dispositivos impugnados nesta oportunidade genericamente instituíram hipóteses
de contratações por tempo determinado, à míngua de qualquer característica
excepcional. A esse respeito, explica a literatura que:
“(...) empregando o termo excepcional para
caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que
situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses
servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público
corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos
Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“trata-se, aí, de ensejar suprimento de
pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e
presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo
atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto,
com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria
atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é
temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo
quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária,
mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem
insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas,
como se verifica, exemplificando, no inciso III do art. 7º da Lei nº 670/92 (“programas especiais do município devidamente
aprovados pela Câmara Municipal”), do Município de São João da Boa Vista.
Deve empregar, em verdade, conceitos que
consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. A
propósito, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR
PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei
10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do
art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso,
as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação
temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação
de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação
estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta
de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE
DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE.
POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR.
INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de
saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual
não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar
temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação
prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a
jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de
servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância
e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI
3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe
23-10-2009).
Não é somente a temporariedade de
uma atividade que justifica a contratação desta natureza, pois ela pode ser
desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente.
Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.
Notadamente, entretanto, os atos normativos impugnados não consubstanciaram
a necessidade excepcional imprescindível à validade da contratação temporária. Senão
vejamos.
O inciso I do art. 6º da Lei nº 670/92, de São João da Boa Vista,
estabeleceu, genericamente, a comoção
interna como motivo para a contratação temporária, sem, no entanto,
explicar no que consiste a vaga expressão.
Já o inciso II do art. 6º da Lei nº 670/92, de São João da Boa Vista, indicou
a necessidade da contratação temporária para a realização de campanhas de saúde pública - atividade
notadamente comum na administração.
O inciso III do art. 6º da Lei nº 670/92, com a redação promovida pela Lei
nº 189/98, de São João da Boa Vista, trouxe como pressupostos para a
contratação temporária, singelamente, afastamentos
transitórios de servidores ou de sua saída do serviço público nas áreas de
Educação e de Saúde.
Ademais, o inciso I do art. 7º do ato normativo supramencionado previu tão
somente a execução direta de obra
determinada como justificativa para a contratação temporária.
A
seu turno, o inciso II do art. 7º da Lei nº 670/92, daquela localidade, dispôs
sobre a contratação não permanente de servidores para atender a execução de convênios e contratos celebrados com entidades
governamentais, ou seja, para atividades corriqueiras
da administração.
O inciso III do art. 7º da Lei nº 670/92, de São João da Boa Vista, também
admitiu a fundamentação de contratações temporárias a fim de atender programas especiais do município devidamente
aprovados pela Câmara Municipal.
E, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 7º da Lei nº 670/92, de São João da
Boa Vista, as contratações para os incisos I e II serão feitas após a criação legal
das respectivas funções públicas, ao passo que as do inciso III serão feitas
após a aprovação do respectivo programa pela Câmara Municipal.
Nesse sentido, a Lei nº 418/00, de São João da Boa Vista, instituiu o
programa “Virando a página: o direito de
ler, interpretar e escrever”, na rede Municipal de Ensino. Segundo o art.
1º do referido ato normativo, seu objetivo é ampliar o acesso ao ensino
fundamental aos que não puderam concluí-lo em idade própria. Entre as metas do
programa previstas no art. 2º, destacam-se: a preparação de monitores para a
alfabetização de jovens e adultos e a abertura de classes de alfabetização em
todos os lugares onde houver demanda (incisos II e IV). Os monitores deverão
ser, de preferência, professores, nos termos do parágrafo único do art. 4º, os
quais, não havendo necessidade, poderão ser aproveitados nas classes de Ensino
Infantil ou Fundamental. Toda a previsão legal corrobora a afirmação de que
tais funções consistem em atividades típicas da Administração.
Não é só.
A Lei nº 3.869/15, de São João da Boa Vista, criou funções públicas de
natureza não permanente no quadro de servidores municipais para atender o Programa
de Esporte e Lazer da Cidade (PELC), através de convênio com o Ministério do
Esporte. O Anexo I da mencionada legislação instituiu, expressamente, como
funções temporárias, as de “Coordenador de Projeto” e de “Coordenador de
Núcleo”, dotando-as das respectivas atribuições, as quais transparecem
incumbências habituais da área educacional.
Pois bem.
Todas as possibilidades elencadas, rotineiras da
administração, confirmam claramente a inconstitucionalidade dos atos normativos
objurgados, os quais não evidenciam situação de necessidade, anormalidade ou emergência. Nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884). (grifo nosso)
Ainda, a existência de cargo vago ou o afastamento
provisório do posto não justifica a contratação temporária, pois a existência
de vaga não pode ser suprimida senão por concurso público para provimento
efetivo ou por servidores efetivos aptos a exercerem as funções daquele
afastado temporariamente.
Não
é o fato de haver cargo vago na estrutura administrativa que torna possível
recorrer à contratação temporária, mesmo porque as situações aventadas são
previsíveis e devem ser antecipadas pelo poder público, para que não tenha que
se valer da excepcional possibilidade de contratação temporária, que só deverá
ocorrer em caso de imprescindibilidade na continuidade do serviço e insuficiência dos
meios ordinários para enfrentá-las.
Por
outras palavras, os citados dispositivos da lei local autorizam a contratação
temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à
Administração Pública, não configurando situações capazes de legitimar a
contratação por tempo determinado.
É necessário ressaltar que a posição
aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos
seguintes termos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u) (grifo nosso)
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u) (grifo nosso)
Por fim, consigne-se que o tema foi
objeto de Repercussão Geral no
Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº
658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu que “nos termos do art. 37, IX, da
Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de
servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos
em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja
temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja
indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado
que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”. (grifo nosso)
A ementa do julgamento tem o seguinte
conteúdo:
“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.
1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.
2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.
3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.
4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a
norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é
peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios
constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da
eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da
existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a
fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel.
Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014). (grifo nosso)
Desse modo, por desrespeitarem os
pressupostos previstos na Constituição Estadual e esmiuçados pela Suprema
Corte, necessária a declaração de inconstitucionalidade das hipóteses de
contratação temporária ora impugnadas por violarem os arts. 111 e 115, X, da
Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra do art. 144 da mesma
Carta.
3.2. Aplicação da Consolidação das Leis
Trabalhistas aos contratados para atender à necessidade temporária de
excepcional interesse público.
O parágrafo único do art. 3º da Lei nº 670/92,
o § 3º do art. 5º da Lei nº 418/00, bem como o art. 3º da Lei nº 3.869/15, do
Município de São João da Boa Vista, sujeitaram os respectivos contratados para
o exercício das funções temporárias ao regime celetista.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime
celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do
art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da
Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime
jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.
Com efeito,
a contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de
excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o
justificaram persistirem.
A inserção
dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com a estrutura
normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma
estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime
celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição
de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória,
indenização e outros consectários de similar natureza).
De fato, o
desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos
critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua
sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao
administrador público.
A
subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em
franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade,
previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição
Estadual.
Enquanto
a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial
dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de
racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando
discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se
presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores
(ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da
Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse
público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a
potencialidade de incidência nos atos normativos.
Na
espécie, os dispositivos supracitados infringem ambos os princípios. Como a
contratação para serviços temporários constitui exceção à regra constitucional
do acesso à função pública (lato sensu)
mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios,
sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos
essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas
próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este
sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros
consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a
uma relação jurídica precária e instável.
O
padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a
oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego
temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza
excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de excepcional
necessidade e interesse público.
Em
suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica
intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio
inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a
instabilidade e temporariedade ditada por necessidade e interesse público.
Todavia, a contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é
próprio e diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos
delineados pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores
temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos servidores públicos
efetivos, contratados por meio de concurso público e detentores de
estabilidade.
O regime de
vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo
Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego
público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada
função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho
administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso,
‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de
emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX,
utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008).
Neste
sentido:
“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI
3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO
TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo
Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da
CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do
Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus
servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de
caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se
deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime
jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo
jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do
pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).
“Conflito de competência. 2.
Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a
instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da
Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato
é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime
administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica
demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da
Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de
competência procedente” (RTJ 193/543).
No mesmo
sentido, discorre a doutrina:
“Ora, a Constituição de 1988
apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a
função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e
bilateral) que domina os empregos públicos.
O art. 37, IX, impõe um regime administrativo
especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime
celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza
(administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica
que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de
prestação de serviços técnicos especializados.
Se ao agente público não se aplica o regime
estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo
após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores
temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos
empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de
referência à lei específica.
É essa menção à lei específica que fundamenta a
derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta
para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve
ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A
contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o
conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na
Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão
constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.
Como a União é detentora exclusiva da competência
legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados,
Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas
leis específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria
perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art.
37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as
hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A
norma constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da
contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A
menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de
conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista
(contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo
determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).
Patente,
pois, a inconstitucionalidade da sujeição ao regime celetista aos contratados
temporariamente, o que reforça a
inconstitucionalidade dos atos normativos objurgados nesta ação que neste sentido
dispuseram, uma vez que não se conciliam com os princípios da impessoalidade e
moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Estadual, e com a regra do
art. 115, X, da mesma Carta, aplicáveis aos Municípios por força de seu art.
144.
3.3. Prazo de duração das contratações.
Além das hipóteses de contratação
temporária afrontarem o ordenamento jurídico constitucional pelos motivos já
expostos, vale aprofundar a questão referente aos prazos de contratação então
estabelecidos, o que certamente robustece tais argumentos, posto que a
excessiva duração não se compatibiliza com o princípio da razoabilidade (art.
111 da Constituição Estadual) e com a excepcionalidade e transitoriedade contempladas
no art. 115, X, da Constituição Estadual.
O parágrafo único do art. 6º da Lei nº 670/92,
com a redação promovida pela Lei nº 1.398/04, de São João da Boa Vista, asseverou
que “as contratações para os casos
especificados nos incisos I a III serão feitas independentemente da existência
de emprego, mediante processo seletivo, salvo os casos de comprovada emergência
que impeçam sua realização, e por prazo
determinado máximo de um ano, prorrogável por igual período, compatível em cada
situação” (grifo nosso).
O § 1º do art. 7º da Lei nº 670/92, de
São João da Boa Vista, por sua vez, dispôs que as contratações para os casos
especificados nos incisos I e II serão feitas após a criação legal das
respectivas funções públicas pelo prazo “igual
à duração a obra, dos convênios ou contratos, observado o máximo de 02 (dois) anos” (grifo nosso). No mesmo
sentido, disciplinou o § 3º do art. 7º da Lei nº 670/92, da referida
localidade, no que concerne ao inciso III (programas especiais do município).
A seu modo, o art. 6º da Lei nº 418/00,
de São João da Boa Vista, dispôs que “os
Monitores de Ensino para Jovens e Adultos perceberão a remuneração de 1 (um)
salário mínimo por mês e terão contrato
por 1 ano, podendo ser renovado por igual período”. (grifo nosso)
No mais, a Lei nº 3.869/15, de São João
da Boa Vista, em seu art. 3º, asseverou que “as contratações para o preenchimento das funções públicas de que trata
esta lei, reger-se-ão pelo regime da C.L.T. - Consolidação das Leis do
Trabalho, e terão duração de 02 (dois) anos contados da data de assinatura do
referido Convênio, podendo ser
prorrogado nos termos do parágrafo primeiro da Cláusula Quarta do Convênio,
vedada a prorrogação que ultrapasse 02 (dois) anos após a nomeação do empregado”
(sic - grifo nosso).
Notadamente,
os prazos permitidos nos dispositivos supramencionados são excessivos, longos,
elásticos, não ostentam qualquer razoabilidade, e confirmam, ademais, nítida intenção de subversão à regra da investidura
permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos mediante aprovação em prévio
concurso público.
Ora, a lei de regência da contratação
temporária deve conter a fixação do período necessário de vigência e eficácia
da contratação, que deve ser o mais
curto possível (Odete Medauar. Direito
Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p.
270). Tal possibilidade é logicamente oposta à ideia de transitoriedade,
excepcionalidade e brevidade temporal que caracterizam e autorizam a
contratação temporária.
A Suprema Corte deliberou que é
razoável o prazo de 12 (doze) meses:
“(...)
7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014 – g.n.).
No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)
Admitir a duração dos contratos acima
deste patamar foge da excepcionalidade exigida pelo constituinte, notadamente
por pressupor esse tipo de contratação a existência real de situações fáticas contingenciais e
imediatas.
Não se poder olvidar que município
conta com seu quadro de cargos efetivos para atender às demandas que
sobrevierem e, além do mais, um ano é período suficiente para a conclusão de
concurso público a fim de prover novos cargos.
III – Pedido.
Em face do
exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 3º, da expressão “ou de comoção interna” constante do
inciso I do art. 6º, dos incisos II e III do art. 6º, do art. 7º, e da
expressão “prorrogável por igual período” constante do parágrafo único do art.
6º, todos da Lei nº 670, de 22 de maio de 1992, com as alterações promovidas
pelas Leis nº 189, de 17 de setembro de 1998 e nº 1.398, de 28 de setembro de
2004; da Lei nº 418, de 03 de janeiro de 2000; bem como da Lei nº 3.869, de 15
de setembro de 2015, do Município de São João da Boa Vista.
Requer-se ainda
sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São
João da Boa Vista, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 14 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
efsj/mjap
Protocolado nº 5.498/2016
Interessado: Promotoria de Justiça de São João da Boa Vista
Assunto: representação para propositura de ação direta de
inconstitucionalidade das Leis nº 670/92, nº 656/92, nº 418/00 e nº 3.869/15,
de São João da Boa Vista, que disciplinam a contratação por tempo determinado
naquela localidade.
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do parágrafo
único do art. 3º, da expressão “ou de comoção interna” constante do inciso I do
art. 6º, dos incisos II e III do art. 6º, do art. 7º, e da expressão
“prorrogável por igual período” constante do parágrafo único do art. 6º, todos
da Lei nº 670, de 22 de maio de 1992, com as alterações promovidas pelas Leis
nº 189, de 17 de setembro de 1998 e nº 1.398, de 28 de setembro de 2004; da Lei
nº 418, de 03 de janeiro de 2000; bem como da Lei nº 3.869, de 15 de setembro
de 2015, do Município de São João da Boa Vista.
2.
Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação e do
arquivamento, com cópia de tais peças.
São Paulo, 14 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
efsj/mjap