Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado
n. 25.462/2017
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Leis nº 3.339, de 08 de dezembro de 2016 e 3.840, de 08 de dezembro de 2016, do Município de Cosmópolis. Fixação de percentual de cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores efetivos, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual mínimo para preenchimento de cargos em comissão por servidores de carreira no Município de Cosmópolis, no caso 2% (dois por cento) para a estrutura administrativa do Poder Executivo e do Poder Legislativo, vez que, ao estabelecer em lei percentual desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal.
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto
nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face das Leis nº 3.839,
de 07 de dezembro de 2016, e nº 3.840, de 08 de dezembro de 2016, ambas do
Município de Cosmópolis, pelos fundamentos a seguir expostos:
I
– OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei nº 3.839, de 07 de dezembro de 2016, do Município de
Cosmópolis, que “Dispõe sobre a fixação
de percentual de cargos comissionados ocupados por servidores públicos efetivos”,
assim prevê:
“(...)
Art. 1º - Fica estipulado o percentual mínimo de 2% (dois por cento) dos cargos de provimento em comissão da Câmara Municipal, a serem preenchidos por servidores efetivos do mesmo Poder Legislativo.
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(...)”
Por sua vez, a Lei nº
3.840, de 08 de dezembro de 2016, do Município de Cosmópolis, que “Dispõe sobre a fixação de percentual de
cargos comissionados ocupados por servidores públicos efetivos do Poder
Executivo Municipal ”,
assim prevê:
“(...)
Art. 1º - Fica estipulado o percentual mínimo de 2% (dois por cento) dos cargos de provimento em comissão da Prefeitura Municipal de Cosmópolis, a serem preenchidos por servidores efetivos do mesmo Poder Executivo.
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(...)”
A partir de uma leitura rasa dos diplomas transcritos, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, as Leis nº
3.839, de 07 de dezembro de 2016, e nº 3.840, de 08 de dezembro de 2016, ambas do
Município de Cosmópolis, ao prever diminuto percentual de cargos de provimento
em comissão a serem ocupados por servidores de carreira, o Município torna a
exigência plasmada no art. 115, V, mera ficção jurídica por evidente
esvaziamento de sua ratio normativa,
havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição
Estadual.
II
– O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
O percentual
estabelecido nas Leis nº 3.839/2016 e nº 3.840/2016, ambas do Município de
Cosmópolis, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual
está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º,
18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da
Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios
por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos normativos
contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo
111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em
lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo
144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A legislação examinada estabelece percentual mínimo para preenchimento de cargos
de provimento em comissão por servidores de carreira no Município de Cosmópolis,
no caso 2% (dois por cento)
para a estrutura administrativa do Poder Executivo e do Poder Legislativo.
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a
serem preenchidos por servidores de carreira no ente, conforme acima
mencionado, tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar evidente
esvaziamento de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111
e 115, V, da Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à
proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à excepcionalidade do
provimento em comissão quando do preenchimento de postos na estrutura da
Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência um piso de 50% (cinquenta por cento)
ao percentual reclamado pelo Constituinte quando da edição do art. 115,
V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por
omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para
tomada das providências necessárias, após o que, em caso de persistência da
mora, 50% dos cargos em questão
deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com
determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel.
Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO.
Ausência de edição de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos
cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de
carreira, na estrutura administrativa do Município de Valparaíso, conforme
preconiza o artigo 115, V, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade
latente. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de
180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida, bem como determinar
que, enquanto persistir a omissão legislativa, ao menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão sejam
preenchidos por servidores efetivos.” (TJSP, ADI nº
2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em
10.06.15 v.u – g.n.).
Esse,
inclusive, também foi o entendimento exarado por este Egrégio Tribunal de
justiça nos autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 2095094-82.2016.8.26.0000
(julgada em 21-09-2016), situação análoga à esse caso, cuja ementa ficou assim
consignada:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº 07/2011, DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO, QUE “DISPÕE SOBRE A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA E INSTITUI O ORGANOGRAMA DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. IMPUGNAÇÃO AOS ARTIGOS 18, 19, 20, 21, CAPUT, E PARÁGRAFO 2º, ALÉM DO PARÁGRAFO 2º, DO ARTIGO 22; ARTIGOS 24, 26, 27, 28, 29, 30, 35 E 37; ANEXOS II, III e V.
I. INCONSTITUCIONALIDADE POR AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA.CONFIGURAÇÃO. APENAS A LEI EM SENTIDO ESTRITO PODE TRATAR DE QUESTÕES RELATIVAS A REMUNERAÇÃO E VANTAGENS REMUNERATÓRIAS DE SERVIDORES. VULNERAÇÃO DOS ARTIGOS 20, INCISO III E 128 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 18, 19, 20, PARÁGRAFO 2º, ARTIGO 22, ARTIGO 26, 'CAPUT' E PARÁGRAFO ÚNICO, ARTIGOS 27, 28, 29, 30, 35, 37, E ANEXOS II E V DA RESOLUÇÃO Nº 07/2011. PROCLAMAÇÃO.A regulamentação e a organização do quadro de servidores da Câmara não está sujeita a edição de lei em sentido estrito. Contudo, essa espécie legislativa é essencial para que a Câmara discipline as questões remuneratórias e as vantagens remuneratórias de seus servidores, sob pena de afronta ao disposto nos artigos 20, inciso III e 128, ambos da Constituição Estadual. Por isso, por afronta ao princípio da legalidade estrita, são inconstitucionais os artigos 18, 19, 20, parágrafo 2º, artigo 22, artigo 26, 'caput' e parágrafo único, artigos 27, 28, 29, 30, 35, 37, e Anexos II e V da resolução nº 07/2011, da Câmara Municipal de São Sebastião.
(...)
IV. ATRIBUIÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO DE 5% DOS CARGOS EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO. O ARTIGO 115, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DEIXA À DISCRICIONARIEDADE DO LEGISLADOR O ESTABELECIMENTO DO PERCENTUAL DOS CARGOS EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO, SEM QUALQUER LIMITAÇÃO PRÉVIA. TODAVIA, ESSA DISCRICIONARIEDADE NÃO PODE FRUSTRAR A EXCEPCIONALIDADE DAS REGRAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 111 E 115, V, DA CARTA BANDEIRANTE. INCONSTITUCIONALIDADE CONFIGURADA. A Constituição Estadual deixou ao critério discricionário do legislador a fixação de percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores efetivos, de modo que, em princípio, não será o baixo percentual de servidores efetivos que atrairá inconstitucionalidade da lei. Mas quando esse percentual é adotado em uma Cidade do porte de São Sebastião, a reserva de 95% dos cargos comissionados na Câmara Municipal a pessoas estranhas ao quadro de pessoal, resta configurada a inconstitucionalidade por afronta à razoabilidade, à proporcionalidade e à moralidade. Por isso, a norma que o fixa em percentual de 5% na Câmara Municipal de São Sebastião está eivada de inconstitucionalidade, por afronta aos artigos 111 e 115, V, da Carta Bandeirante.
(...)”
Ante o exposto, os percentuais estabelecidos nas leis objurgadas não se
conciliam com os arts. 111 e 115, V, da Constituição Paulista, devendo ser
declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal de Justiça.
III – Pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos legais do Município de Cosmópolis apontados como
violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar oneração do
erário irreparável ou de difícil reparação.
À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para
suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação das Leis nº
3.839, de 07 de dezembro de 2016, e nº 3.840, de 08 de dezembro de 2016, ambas do
Município de Cosmópolis.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade das Leis nº 3.839, de 07 de dezembro de 2016, e nº 3.840,
de 08 de dezembro de 2016, ambas do Município de Cosmópolis.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Cosmópolis, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 31 de maio de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm
Protocolado
n. 25.462/2017
1. Distribua-se a petição inicial
da ação direta de inconstitucionalidade das Leis nº 3.839, de 07 de dezembro de
2016, e nº 3.840, de 08 de dezembro de 2016, ambas do Município de Cosmópolis
junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 31 de maio de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm