EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
n. 30.273/2017
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos da Lei nº 1.049, de 09 de agosto de 1995, do Município de Américo Brasiliense. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Sujeição ao regime jurídico celetista. Ausência de excepcionalidade. Prazo de duração excessivo. Necessidade de interpretação conforme. 1. Sujeição dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação aos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89). 2. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. Lei local que genericamente “disciplina as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade e a possibilidade de prorrogação contratual burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89). 4. Tampouco é razoável a duração de contratos temporários por prazo superior a 12 (doze) meses, impondo interpretação conforme a Constituição, para que a contratação não exceda referido prazo, na hipótese prevista no inciso III do art. 3º da Lei, tempo razoável para realização de certame. 5. A par da excepcionalidade da medida a contratação temporária deverá ser feita sempre por processo seletivo (art. 115, II, da CE/89).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “e as normas gerais fixadas nos artigos 443, 445 e 452 da Consolidação das Leis do Trabalho”, contida no §1º, do art. 1º, dos incisos I, IV, V, VI, VII, e X do art. 2º, da expressão “ou até o provimento do concurso” contida no inciso III e dos incisos IV, V e VI do artigo 3º, da expressão “sempre que possível” contida no art. 4º e do parágrafo único do art. 5º, todos da Lei nº 1.049, de 09 de agosto de1995, do Município de Américo Brasiliense, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – OS DISPOSITIVOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei nº 1.045, de 09 de agosto de 1995, do Município de Américo Brasiliense, “dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal”, e assim estabelece, no que interessa:
“Artigo 1º -
Para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, a
administração municipal poderá efetuar a contratação de pessoal, por prazo
determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei.
§ 1º - O contrato por prazo
determinado obedecerá ao disposto nesta lei e às normas gerais fixadas nos
artigos 443, 445 e 452 da Consolidação das Leis do Trabalho.
(...)
Artigo
2º - Considera-se como necessidade temporária de excepcional interesse público
a contratação:
I
- de profissionais de saúde, para os plantões médico-odontológicas, que não
possam ser exercitados pelos profissionais do Quadro efetivo;
II
- de profissionais de saúde para combater surto epidêmico, quando da falta ou
insuficiência de pessoal do Quadro;
III
- de profissionais da área técnica ou operacional, para atender a situações de
calamidade pública, quando não houver disponibilidade suficiente de pessoal do
Quadro;
IV
- de professor, nas substituições previstas incisos VIII e IX deste artigo,
assim como para ministrar aulas, de disciplinas específicas, cujo reduzido número
não justifique a criação de cargo, respeitados, sempre, os pré-requisitos
profissionais para o exercício da função;
V
- de profissionais em gerai, para atender aos convênios firmados com o Governo
Federal ou Estadual, quando não houver pessoal do Quadro próprio do Município,
em condições técnicas e numéricas suficientes;
VI
- de profissionais em geral, para atender a outras situações de urgência que
vierem a ser definidas em Lei específica;
VII
- de pessoal para serviços emergenciais nos setores de limpeza pública,
saneamento básico e outros serviços essenciais, no interstício da realização de
concursos públicos ou quando nestes não se inscrevam ou não sejam aprovados
candidatos em número suficiente;
VIII
- nos afastamentos de servidores, por férias, licença gestante e outros
previstos em Lei, desde que, comprovadamente, não haja possibilidade de
substituições por servidores da mesma área.
IX
- nas hipóteses de vacância por falecimento, aposentadoria ou demissão de
servidor e até a efetivação do respectivo provimento por concurso, desde que
não haja possibilidade para a substituição por servidores da mesma área;
X-
de estagiários, nas áreas de educação, saúde e planejamento.
Artigo
3º - Nas contratações de que trata esta lei, serão observados os seguintes prazos:
I
- na hipótese do inciso I do Artigo 2º, o prazo de contratação será de seis
meses;
II
- para funções de que trata o Artigo 2º, incisos II, III e VII o prazo de
duração será fixado pelo Chefe do Poder Executivo, segundo a gravidade e
dimensão dos problemas enfrentados, não ultrapassando de 6 (seis) meses;
III
- nas substituições, de que tratam os incisos IV, VIII e IX do Artigo 2º, o
prazo será equivalente aos impedimentos dos titulares, ou até o provimento por concurso, quando se tratar de falecimento
ou aposentadoria;
IV-
na hipótese da regência de aulas especificas, constantes do currículo e em
número insuficiente para a criação de cargo ou emprego respectivo, o prazo
correrá até que seja criado o respectivo cargo e o seu provimento por concurso;
V-
as contratações para funções de que trata o Artigo 2º, inciso V, terão prazo de
duração equivalente ao prazo fixado para o convênio;
VI-
na hipótese do inciso VI do artigo 2º, o prazo será fixado na Lei que autorizar
as contratações;
VII-
os estagiários, cursando as séries terminais dos respectivos cursos terão os
seus contratos efetuados pelo prazo máximo de seis meses, na hipótese de
estágio remunerado, sendo o valor mensal da remuneração fixado em 70% do menor
salário pago pelo município, por 04 horas diárias de estágio.
Artigo
4º - O recrutamento de pessoal, nos termos desta lei, sempre que possível, será feito mediante processo seletivo
simplificado, precedido de ampla divulgação, exceto nas hipótese do inciso III
do artigo 2º.
Artigo
5º - Sob pena de nulidade do ato e responsabilização da Administração, é vedado
o desvio de função de pessoa contratada temporariamente, bem como a sua
recontratação sequencial.
Parágrafo
único - Excluem-se da vedação de contratação sequencial, os professores, de que
trata o inciso IV, e os profissionais da saúde, de que tratam os incisos I e II
do Artigo 2º desta Lei.
(...)”
Os dispositivos normativos acima destacados são inconstitucionais por violação aos arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos normativos impugnados contrariam frontalmente a
Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição
Federal.
Os preceitos da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144,
que assim estabelece:
“Artigo 144
- Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
O art. 144 da
Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além
das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é
denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a
disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições
constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao
credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por
esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe
06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe
26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de contraste da lei
local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição
Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta
ação, o art. 115, II e X da Constituição Estadual.
A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da
Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e
sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na
respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da
Constituição do Estado.
Eventual ressalva à
aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad
argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da
República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria
não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da
auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito
estadual.
Os atos normativos em questão
são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta,
indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de
contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”.
III. a) ADOÇÃO
DO REGIME CELETISTA
Verifica-se que o §1º, do art. 1º, da
Lei 1.049/95, do Município de Américo Brasiliense, submete os contratados por
prazo determinado ao regime celetista.
Ocorre
que a contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária
de excepcional interesse público é incompatível com o regime celetista
na Administração Pública, ante a transitoriedade inerente à contratação temporária (art. 115,
X, Constituição Estadual).
Isso porque, o regime de vínculo das
funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo
Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os
servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como
explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por
prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho
administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso,
‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de
emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX,
utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste
sentido:
“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR
NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO.
JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este
Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo
114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça
do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus
servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de
caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se
deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime
jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo
jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do
pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).
“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra
Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista
provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no
sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente
administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4.
Contrato por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica
demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da
Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de
competência procedente” (RTJ 193/543).
No mesmo sentido discorre a doutrina:
“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à
contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse
presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os
empregos públicos.
O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial,
próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista.
A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza
(administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica
que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de
prestação de serviços técnicos especializados.
Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos
servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação
em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se
sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos
– aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei
específica.
É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do
direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a
necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser
peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação
é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do
regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração
Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão
constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.
Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa
em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito
Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis
específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de
suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da
Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de
contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma
constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação
temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação
é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não
significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)”
(Wallace Paiva Martins Junior. Contratação
por prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas,
2015, p. 55).
Desta
forma, necessária a declaração de inconstitucionalidade da expressão “e às normas gerais fixadas nos artigos 443, 445 e 452 da
Consolidação das Leis do Trabalho”, contida no §1º, do art. 1º, do citado ato normativo,
do Município de Américo Brasiliense.
III. b)
DESCRIÇÃO DE HIPÓTESES DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA QUE NÃO CARACTERIZAM
EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
Os incisos I, IV, V, VI, VII e X, do art. 2º da Lei n. 1.049, de 09 de
agosto de 1995, descrevem hipóteses de contratação por
tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição
Federal.
Com
efeito, a contratação de profissionais de saúde, para os plantões médico-odontológicos,
de professores para ministrar disciplinas cujo número reduzido de alunos não
justifique a criação do cargo, de profissionais para atender convênios e situações
de urgência em geral, de pessoal para serviços emergenciais de limpeza pública
e saneamento básico e outros serviços essenciais e para a contratação de estagiários,
nas áreas de educação, saúde e planejamento, não têm ontologicamente os
requisitos de transitoriedade e excepcionalidade, além de constituírem, em
parte, expressões amplas, genéricas e indeterminadas, que não demonstram
efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro
constitucional.
A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de
necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de
caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que
desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar
um concurso público para a contratação temporária” (STF, ADI
3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014),
sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação
tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se
qualifique por excepcional interesse público.
Não
é possível afirmar aprioristicamente que as contratações por tempo determinado
para plantões médico-odontológicos (inciso
I) caracterizam atendimento de necessidade de excepcional interesse
público. Plantões médicos são atividades ordinárias e corriqueiras, que devem
ser desempenhados pelos servidores do quadro efetivo.
A
amplitude da expressão permite aninhar em seu pressuposto qualquer situação na
área da saúde sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da
impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários
dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de
forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação
pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à
adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI
3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
Idêntica
premissa se aplica à contratação de professor para ministrar aulas de disciplinas específicas
cujo número reduzido não justifique a criação de cargo (inciso IV), de pessoal
para atender convênios (inciso V), de profissionais em geral para serviços de
urgência, (inciso VI) e para serviços emergenciais de limpeza pública e
saneamento básico (inciso VII) e de estagiários (inciso X). Mencionadas hipóteses
correspondem à atividade ordinária da Administração Pública, a ser desempenhada
pela mão-de-obra investida em cargos ou empregos públicos de seu quadro de
pessoal, sendo certo que a amplitude das cláusulas não permite a identificação
da hipótese excepcional que justificaria sua realização por servidores que não
aqueles da Administração, uma vez que a simples alegação de insuficiência de
pessoal não é permissivo para a realização de contratação temporária.
Destaque-se que a adoção de
cláusulas abertas para contratação temporária de servidores, permitindo todo e qualquer
preenchimento, não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição Estadual,
porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do
legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação
temporária.
Regra constitucional é a
admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante
prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II,
da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em
comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.
A Constituição Estadual no
art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da
República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de
pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa
transitória de excepcional interesse público.
Não é qualquer interesse
público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à
regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade do
aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais,
concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação
e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e
extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública
acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.
A admissão de pessoal a
termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e
extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo
dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso
público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos
Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na
contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da
função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002, 9. ed., pp. 478-479).
Repita-se, por relevante,
que a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e
indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja
possível conceber na excepcionalidade.
Em outras palavras, “empregando
o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a
Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem
ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A admissibilidade da
contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante
contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões
apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama
satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal
de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser
desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária,
eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não
haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o
excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem
insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do
Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso
processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por
tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional
interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e
regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição
Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido.
Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.
1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da
Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e
IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal
que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores
públicos”.
2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art.
37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo
estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas
restritivamente.
3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal
pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema
de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que:
a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação
seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público
seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo
vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que
devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.
4. É inconstitucional a lei municipal
em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição
constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como
objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles,
os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras
hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade,
proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição
Federal.” (REx n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)
Dessa forma, necessária a declaração
de inconstitucionalidade dos incisos I, IV, V, VI, VII e X, do art. 2º da Lei n. 1.049, de
09 de agosto de 1995.
III.c) PRAZO DE DURAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS
Os incisos IV, V, e VI do artigo 3º da Lei nº 1.049, de 09 de agosto
de 1.995 não fixam prazo determinado para as contratações temporárias, estabelecendo
que referidas contratações poderão perdurar até que seja criado o cargo respectivo,
ou até durante todo o tempo de duração do convênio celebrado.
O parágrafo único do art. 5º da Lei nº 1.049, de 09 de agosto de
1.995, por sua vez, estabelece que as contratações de professores e de
profissionais de saúde admitem recontratação sequencial.
Já o inciso III do art. 3° prevê que a contratação temporária para as
substituições de servidores nas hipóteses de vacância por falecimento,
aposentadoria ou demissão se dará até
o provimento por concurso quando se tratar de falecimento ou aposentadoria.
Os dispositivos e a
expressão apontados permitem que as contratações temporárias se estendam por período
excessivo, incerto, criando situadas desprovidas de qualquer razoabilidade, denotando,
ademais, nítida intenção de subversão à regra da investidura permanente e
efetiva em cargo ou emprego públicos mediante aprovação em prévio concurso
público.
A lei de regência da
contratação temporária, além de descrever seus pressupostos (as hipóteses
abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período necessário de vigência
e eficácia da contratação, que deve ser curto (Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270).
A Suprema Corte deliberou
que é razoável prazo de 12 (doze) meses:
“7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública
nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público,
máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância
de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades
temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a
contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da
vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a
realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12
meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014,
m.v., DJe 30-10-2014).
No mesmo sentido, o Tribunal
Paulista:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e
do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei
1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação
temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade.
Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse
público. Inconstitucionalidade, ainda,
da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses.
Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº
2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09
de dezembro de 2015, v.u, g.n.)
Daí porque se
mostra necessária a declaração de inconstitucionalidade dos incisos IV, V, e VI do artigo 3º e do parágrafo único do art. 5º da Lei nº 1.049, de 09 de agosto de
1.995.
Necessário, ainda, que se confira interpretação conforme à expressão “ou até o provimento por concurso”, contida no inciso III, do art. 3º a fim de que o prazo da contratação ali prevista (vacância por falecimento ou aposentadoria) não tenha duração superior a 12 meses, tempo razoável para a realização do certame.
Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3649-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.05.14.
III. d)
NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO
Por fim, o artigo 4º da Lei
nº 1.049, de 09 de agosto de 1.995, dispõe que o recrutamento de pessoal nos
casos de contratação temporária, será mediante processo seletivo simplicado, sempre que possível.
Resta evidente a inconstitucionalidade da expressão “sempre que possível”, uma vez que a contratação deverá ser feita sempre através de processo seletivo. A provisoriedade das contratações não pode ser fundamento para se excluir a realização do processo seletivo, mesmo que simplificado.
É
necessário que haja um processo seletivo, transparente e objetivo, em função da
necessidade temporária de excepcional interesse público, de modo que a
possibilidade de sua exclusão constitui violação aos princípios de impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade e eficiência, constantes do art. 111 da
Constituição Estadual.
IV – Pedido
Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e as normas gerais fixadas nos artigos 443, 445 e 452 da Consolidação das Leis do Trabalho”, contida no §1º, do art. 1º, dos incisos I, IV, V, VI, VII e X do art. 2º, da expressão “ou até o provimento do concurso” contida no inciso III e dos incisos IV, V e VI do artigo 3º, da expressão “sempre que possível” contida no art. 4º e do parágrafo único do art. 5º, todos da Lei nº 1.049, de 09 de agosto de1995, do Município de Américo Brasiliense.
Requer ainda sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Américo
Brasiliense, bem como posteriormente
citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos
normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 20 de junho de 2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh
Protocolado n. 30.273/2017
Interessado: Prefeitura Municipal de Américo Brasiliense
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 1.049,
de 09 de agosto de 2015, do Município de Américo Brasiliense.
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão
“e as normas gerais fixadas nos artigos
443, 445 e 452 da Consolidação das Leis do Trabalho”, contida no §1º, do
art. 1º, dos incisos I, IV, V, VI, VII e X do art. 2º, da expressão “ou até o provimento do concurso” contida
no inciso III e dos incisos IV, V e VI do artigo 3º, da expressão “sempre que possível” contida no art. 4º
e do parágrafo único do art. 5º, todos da Lei nº 1.049, de 09 de agosto de1995,
do Município de Américo Brasiliense, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
São Paulo, 20
de junho de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
blo/sh