EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado n. 3.403/2017

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.794, de 04 de março de 1999. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Prazo de duração excessivo. Não é razoável a duração de contratos temporários por prazo total de até 36 (trinta e seis) meses em caso de campanha de saúde pública. Violação aos artigos 111, 115, II e X, e 144 da Constituição Paulista.

 

 

 

 

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n° 1.794, de 04 de março de 1999, do Município de Andradina, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS DISPOSITIVOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei nº 1.794, de 04 de março de 1999, do Município de Andradina, que “introduz o § 3° ao artigo 3° da Lei n° 1.212/89 de 27/03/89”, dispõe que:

ARTIGO 1°: - O artigo 3°, da Lei n° 1.212/89, de 27 de março de 1.989, passa a vigorar acrescido do § 3°, com a seguinte redação.

ARTIGO 3º: -..........................................................................

§ 1°-.........................................................................................

§ 2°-.........................................................................................

§3º-Na hipótese a que se refere o inciso II do artigo 2°, desta lei, o prazo dos contratos temporários poderá ser prorrogado em até 36 (trinta e seis) meses, por necessidade contínua da campanha de saúde pública com risco de natureza endêmica.

ARTIGO 2°: - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

(...)”.

A Lei n° 1.212, de 27 de março de 1989, do Município de Andradina – que não é objeto da presente ação porquanto anterior à Constituição Estadual“regulamenta a contratação temporária de servidores públicos” e dispõe, verbis:

                            “(...)

ARTIGO 2º:- As contratações de que trata esta Lei ocorrerá nos seguintes casos:

(...)

II- campanha de saúde pública;

(...)

ARTIGO 3°:- As contratações serão feitas independentemente da existência de cargo, emprego ou função, mediante processo seletivo simplificado, se houver tempo, observando-se prazo determinado e compatível em cada situação, de no máximo 01 (um) ano, ressalvado o disposto no § 2° deste artigo.

§ 1°: - Fica vedada a prorrogação de contratos e a contratação da mesma pessoa, ainda que para serviços diferentes, dentro de prazo de 3 (três) meses entre um e outro contrato.

§ 2°:- O prazo dos contratos de pessoa para trabalhar em obra pública certa será fixado de acordo com a duração desta, mas não superior a 24 meses.

(...)”.

A Lei n° 1.794/99, do Município de Andradina, ao possibilitar a prorrogação da contratação temporária de servidores públicos para trabalhar em campanhas de saúde pública por até 36 (trinta e seis) meses é inconstitucional por violação dos arts. 111, 115, II e X e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         O diploma legal impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

          A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

         Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

         O diploma legal em questão é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

                                      (...)

                                      II – a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, de provas ou provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargos em comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

III – DO PRAZO DE DURAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES

         A Lei n° 1.794, de 04 de março de 1999, do Município de Andradina, previu que as contratações temporárias de servidores públicos para campanhas de saúde pública podem ter prazo total de até 36 (trinta e seis) meses.

Adotou-se, assim, período excessivo, longo e elástico de contratação, que não ostenta qualquer razoabilidade, o que denota, ademais, nítida intenção de subversão à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos mediante aprovação em prévio concurso público.

A lei de regência da contratação temporária, além de descrever seus pressupostos (as hipóteses abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período necessário de vigência e eficácia da contratação, que deve ser curto (Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270).

A Suprema Corte deliberou que é razoável prazo de 12 (doze) meses:

“7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)

Ora, admitir a duração máxima dos contratos por até 36 meses, foge da excepcionalidade, porquanto campanhas de saúde pública para atender riscos endêmicos não são de efeitos prolongados no tempo superior a 12 (doze) meses, e a necessidade de pessoal por conta de vacância empenha, de imediato, providências para substituição definitiva nas vagas.

Seria inimaginável uma hipótese de campanha de saúde pública com duração de três anos. Não se poder olvidar que o Município conta com seu quadro de cargos efetivos para atender às demandas que sobrevierem e, além do mais, um ano é período suficiente para a conclusão de concurso público a fim de prover novos cargos.  

Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3649-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.05.14.

IV – Pedido

         Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n° 1.794, de 04 de março de 1999, do Município de Andradina.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Andradina, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 23 de junho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 3.403/2017

Interessado:  Promotoria de Justiça de Andradina

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n° 1.794, de 04 de março de 1999, do Município de Andradina.

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n° 1.794, de 04 de março de 1999, do Município de Andradina, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.                Arquive-se o presente expediente em relação à Lei n° 1.212/89, do Município de Andradina. Sendo a norma questionada anterior à vigente Constituição, a situação de incompatibilidade se resolve pela revogação tácita (ou recepção), não havendo espaço, nesse quadro, para eventual controle concentrado de constitucionalidade.

Normas anteriores à Constituição, quando são incompatíveis com aquela, são tacitamente revogadas. Não se discute nessa situação existência de inconstitucionalidade, pois são fenômenos normativos distintos.

A propósito, v. a seguinte decisão do STF:

 “O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. (ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 6-2-1992, Plenário, DJ de 21-11-1997.) No mesmo sentido: ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011; ADI 888 Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, julgamento em 6-6-2005, DJ de 10-6-2005. Vide: ADI 2.158 e ADI 2.189, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 15-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010. (g.n.)

(...)

A fiscalização concentrada de constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a Carta Política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova Constituição, à tutela jurisdicional de constitucionalidade in abstrato – orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (RTJ 95/980 – 95/993 – 99/544) – foi reafirmado por esta Corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988. A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do Poder Público constitui matéria absolutamente estranha à função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 74, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-1992, Plenário, DJ de 25-9-1992.) No mesmo sentido: ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011. (g.n.)

(...)”.

No caso em análise, resta apenas a possibilidade do controle difuso de constitucionalidade ou legalidade (por não recepção) de eventual ato praticado com fundamento no ato normativo não recepcionado pela constituição.

São Paulo, 13 de junho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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