EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado n. 41.476/2017

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XIV e XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape. Autorização da Câmara Municipal para celebração de convênios e consórcios pelo Município. Autorização para Denominação e alteração de denominação de logradouros e próprios públicos. Reserva da Administração. Separação de Poderes. Princípio Federativo. 1. Lei Orgânica Municipal que estabelece competir à Câmara Municipal a autorização para celebração de convênios e consórcios pelo Poder Executivo é inconstitucional por violação ao princípio da separação de poderes e, no tocante a consórcios, também ao princípio federativo (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, e 144 CE/89 c.c. arts. 22, XXVII, 23, par. único e 241, CF/88). 2. Lei Orgânica Municipal que atribui à Câmara Municipal autorização para denominação de bens, prédios, logradouros e vias do patrimônio público é inconstitucional por violação ao princípio da separação dos poderes, por consistir ato privativo da gestão administrativa, reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, art. 47, II e XIV, e 144 da CE/89).

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 41.476/17), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos XIV e XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape, pelos fundamentos expostos a seguir.

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

Os incisos XIV e XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape têm a seguinte redação (fl. 33):

 “(...)

Seção II – Das Atribuições da Câmara

Art. 14. Cabe à Câmara Municipal de Iguape, com a sanção do Prefeito, legislar sobre os assuntos de interesse local, inclusive suplementando a legislação Federal e Estadual no que couber e dispor sobre as matérias de competência do Município.

(...)

XIV – autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros Municípios;

(...)

XVI – autorizar a alteração e denominação de próprios, vias e logradouros públicos;

 (...)”

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                               Os incisos XIV e XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Os dispositivos impugnados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

(...)

Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.

(...)”

III - DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E AO PRINCÍPIO FEDERATIVO

a)                Autorização para celebração de convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros Municípios

O inciso XIV do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape estabelece competir à Câmara Municipal “autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros Municípios”.

O dispositivo legal ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º, “caput” e § 1º, e no art. 47, II e XIV, e XIX da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

Cabe exclusivamente ao Poder Executivo a decisão quanto à celebração de convênios, acordos ou contratos nas diversas áreas de gestão, envolvendo os órgãos da Administração Pública Federal, Estadual, ou entidades privadas, prescindindo de autorização legislativa para tanto.

Esta característica administrativa vem reforçada pela norma do art. 241 da Constituição Federal, que atribui competência privativa aos Municípios para disciplinar, por meio de lei, os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Exige-se, portanto, lei geral, tão só para disciplinar aspectos gerais dos consórcios e convênios públicos, e não lei específica, autorizando de modo direto a realização de convênio determinado.

Assim, quando a Lei Orgânica do Município estabelece que cabe ao Poder Legislativo Municipal dispor sobre a celebração de convênios com entidades públicas ou particulares, tal previsão é inconstitucional por invadir, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Isso porque a celebração ou não de convênios para organização municipal, é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Desse modo, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração. 

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita à disciplina legislativa, razão pela qual não compete à Câmara Municipal ocupar-se do referido objeto, sob pena de se permitir que atue invadindo área privativa do Poder Executivo.

Daí porque o preceito contido no inciso XIV do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape tampouco poderia estabelecer como uma das atribuições da Câmara Municipal a autorização para celebração de convênios e consórcios pelo Município.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade quanto à eventual realização de convênios, acordos ou contratos em benefício dos munícipes. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, compete a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis acerca da atribuição de outro poder – ou, como no caso dos autos, aprova Lei Orgânica contendo previsão desta natureza - viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.

Não é só. A matéria tratada na Lei Orgânica do Município encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e XV da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Assim, a Lei Orgânica do Município de Iguape, ao incluir entre suas atribuições a autorização no tocante à celebração de convênios e consórcios pelo Município, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração, à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 5º, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual, conforme já decidiu este Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Douto e Nobre Prefeito do Município de Fartura/SP, visando à declaração do art. 28 da Lei Complementar nº 04, de 26 de março de 2009 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais) e do inciso XIV, do art. 7º, da Lei Orgânica Municipal, de 22 de março de 2004 – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL - O art. 28 da Lei Complementar nº 04/2009 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais) apresenta inconstitucionalidade material, visto que seu conteúdo viola diretamente o inciso III, do art. 115, da Constituição do Estado de São Paulo – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - O inciso XIV, do art. 7º, da Lei Orgânica Municipal, por seu turno, ao subordinar a atuação do Poder Executivo, afronta o princípio da separação de poderes (art. 5º da Constituição Bandeirante). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.

(...)

O inciso XIV, do art. 7º, da Lei Orgânica Municipal, por seu turno, ao subordinar a atuação do Poder Executivo, afronta o princípio da separação de poderes (art. 5º da Constituição Bandeirante). Aliás, o tema não é novo neste Egrégio Tribunal de Justiça. Ao contrário, é remansosa a jurisprudência deste Colendo Órgão Especial ao reconhecer a inconstitucionalidade de normas que submetam a realização de convênios e consórcios públicos à prévia autorização do Poder Legislativo, porquanto tal condição viola o princípio da separação de poderes (art. 5º Constituição Bandeirante).” ADIN 0179920-80.2013.8.26.0000 – Des. Rel. Roberto Mac Cracken – j. 02/04/2014.” (grifo nosso)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 5.003, DE 22 DE JULHO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE SUZANO QUE AUTORIZA O PODER PÚBLICO MUNICIPAL A CELEBRAR CONVÊNIO COM A ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA RECREATIVA ESPORTE CLUBE URUPÊS PARA FINS DE FOMENTO ÀS ATIVIDADES CULTURAIS - NORMA DE INICIATIVA PARLAMENTAR – OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – VÍCIO DE INICIATIVA – INCONSTITUCIONALIDADE - AO PODER EXECUTIVO CABE ORGANIZAR E EXECUTAR TODOS OS ATOS DE ADMINISTRAÇÃO – AÇÃO PROCEDENTE” (TJ/SP, ADI nº 2251918-69.2016.8.26.0000, Rel. Des. Ferraz de Arruda, julgada em 17 de maio de 2017)

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI 3.927, DE 6 DE JUNHO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE UBATUBA QUE AUTORIZA O EXECUTIVO MUNICIPAL AO REPASSE DE RECURSOS FINANCEIROS MEDIANTE CONVÊNIO ÀS ASSOCIAÇÕES DE PAIS E MESTRES DAS ESCOLAS MUNICIPAIS – VIOLAÇÃO DA REGRA DA LICITAÇÃO, DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – LEI 2.161, DE 24 DE JANEIRO DE 2002, DECLARADA INCONSTITUCIONAL, POR ARRASTAMENTO – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (TJ/SP, ADI nº 2189959-97.2016.8.26.0000, Des. Rel. Ferraz de Arruda, julgada em 10 de maio de 2017)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Leis nºs 1.762, de 27 de outubro de 2016 e 1.748, de 04 de agosto de 2016, ambas do Município de Serrana, de iniciativa parlamentar (que, respectivamente, dispõem sobre a intervenção psicopedagógica em toda a rede municipal de ensino e sobre autorização para a Secretaria da Educação firmar convênios) - Falta de indicação da fonte de custeio para a consecução da norma que, quando muito, impede a sua exequibilidade no ano em que editada – Inconstitucionalidade por afronta ao art. 25 da Carta Estadual não configurada - Precedentes – Violação aos artigos 5º, 24, § 2º, 47, II, XIV e XIX, todos da Constituição Estadual – Atos privativos do Chefe do Poder Executivo - Vício formal de iniciativa - Leis de iniciativa parlamentar que invadiram a competência legislativa do Chefe do Poder Executivo, ofendendo o princípio da separação dos poderes e, bem assim, a esfera da gestão administrativa – Ação procedente”. (TJ/SP, ADI nº 2001892-17.2017.8.26.0000, Rel. Des. Salles Rossi, julgada em 03 de maio de 2017)

Ademais, vale ressaltar que o Chefe do Poder Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º, da Constituição Paulista.

Nem se chegaria a conclusão diversa a partir da afirmação de que a Lei Orgânica do Município está se referindo, apenas, às decorrentes leis autorizativas, das quais não resta nenhuma imposição para o administrador público.

Isso porque, a esse respeito, também não é imperativo que a lei autorize ou determine ao Poder Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação.

Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

A utilização recorrente das chamadas leis autorizativas tem objetivos de cunho nitidamente políticos, transmitindo aos cidadãos uma falsa ideia de direito subjetivo e de negligência do Poder Executivo.

A propósito do tema já o Supremo Tribunal Federal ao julgou representação (nº 993-9) por inconstitucionalidade de uma lei estadual (Lei nº 174, de 8/12/77, do Estado do Rio de Janeiro) que autorizava o Chefe do Poder Executivo a praticar ato que já era de sua competência constitucional privativa, decidiu que:

“O só fato de ser autorizativa a lei não modifica o juízo de sua invalidade por falta de legítima iniciativa. Não obstante a clareza do acórdão” (Diário da Justiça de 8/10/82, p. 10187, Ementário nº 1.270-1, RTJ 104/46)

A jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem corroborado o entendimento aqui sustentado. Confiram-se, a título de exemplificação, as seguintes ementas de recentes julgamentos deste C. Órgão Especial:

“EMENTA: Ação Direta de lnconstitucionalidade. Lei Municipal n° 4.934, de 28 de dezembro de 2009', do Município de Americana. Norma que "autoriza o Poder Executivo a celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para aceitar créditos do Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo ã Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários e não tributários, e dá outras providências'". Projeto de lei de autoria de Vereador. Ocorrência de vício de iniciativa. Competência privativa do chefe do Executivo para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da Administração, inclusive as que importem indevido aumento de despesa pública sem a indicação dos recursos disponíveis. Inconstitucionalidade por violação ao princípio da separação, independência e harmonia entre os Poderes. Procedência da ação. É inconstitucional lei, de iniciativa parlamentar, que "autoriza o Poder Executivo a celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para aceitar créditos do Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo à Cidadania Piscai do Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários e não tributários", por tratar de matéria tipicamente administrativa, cuja competência exclusiva é do chefe do Poder Executivo, responsável para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da Administração, configurando violação ao  princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.” (Adin nº 0179988-64.2012.8.26.0000, Rel. Des.  Kioitsi Chicuta, j. 12.12.2012)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei do Município de Americana nº 4.972/2010, a qual cria o Programa de Internet Banda Larga Gratuita no Município Inadmissibilidade Tema relativo a atos de gestão Ingerência do Legislativo em matéria de competência privativa do Executivo Vedação Arts. 37, X, e 169, § 1º, I e II, da CF/88 e arts. 5º, § 2º, 47, II, XIV, 25 e 144, todos da Constituição Paulista Ação julgada procedente. Deve ser julgada procedente ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria de competência privativa do Executivo, pelo vício de iniciativa e por afrontar o princípio da separação e harmonia entre os Poderes.” (Adin nº 0180003-33.2012.8.26.0000, Rel. Des.  Luis Ganzerla, j. 05.12.2012).

Por fim, o dispositivo questionado viola o princípio federativo.

Com efeito, é admissível o contraste da Lei Orgânica Municipal com a Constituição Federal a partir da norma remissiva contida no art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29 caput da Constituição Federal – condicionando a autonomia municipal.

                   O art. 144 da Constituição Estadual determinando a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Desse modo, é possível, assim, examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas constitucionais centrais que, refletindo o princípio federativo, repartem as competências normativas entre os entes federativos, em especial os arts. 22, XXVII, 23, parágrafo único e 241, da Constituição Federal.

                   Ora, consórcio é uma modalidade de contratação pública cooperativa e a exigibilidade ou não de lei autorizativa integra o quadro de seus requisitos, matéria cuja disciplina se encarta no conceito de normas gerais contido art. 22, XVII, da Constituição da República, que enuncia a competência normativa privativa da União, não bastasse a evidência de trato uniforme pelos arts. 23, parágrafo único e 241, da Carta Magna.

 

 

b)                Autorização à denominação e alteração de denominação de próprios, vias e logradouros públicos

O inciso XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape estabelece competir à Câmara Municipal autorizar a denominação e alteração desta, de próprios, vias e logradouros públicos.

Indubitavelmente, a denominação de logradouros e de próprios públicos trata de matéria de interesse local (CF, art. 30, I), dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para regulamentá-la, pois foram dotados de autonomia administrativa e legislativa. E, vale acrescentar, não há na Constituição em vigor reserva dessa matéria em favor de qualquer dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só pode ser geral ou concorrente.

Contudo, afigura-se necessário distinguir as seguintes situações:

(a) a edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros e de próprios públicos, caso em que a iniciativa é concorrente;         

(b) o ato de atribuir nomes a logradouros e próprios públicos, segundo as regras legais que disciplinam essa atividade, que é da competência privativa do Executivo.

No Município, à Câmara Municipal incumbem as funções legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. “Nessa sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal.” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., pp. 427 e 508.)

Em sua função normal e predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).

Assim, no exercício de sua função normativa, a Câmara está habilitada a editar normas gerais, abstratas e coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias, logradouros e prédios públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o nome de pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de três palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, 2/103).

Ressalte-se que a nomenclatura de logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse sinalização, a identificação e a localização dos logradouros públicos seria tarefa quase impossível, principalmente nos grandes aglomerados urbanos.

Diverso, porém, é o ato de denominar os próprios públicos, inclusive nos casos em que não se busca apenas permitir a orientação da população, mas sim homenagear determinadas pessoas ou fatos históricos.

Note-se: nada obsta que o nome dado a determinado logradouro público cumpra não só a função de permitir sua identificação e exata localização, mas sirva também para homenagear pessoas ou fatos históricos, segundo os critérios previamente estabelecidos em lei editada para regulamentar essa matéria. 

Definidas essas premissas básicas, entretanto, é imperativo o reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo impugnado nesta inicial.

Leis que conferem nomes a bens integrantes do patrimônio público municipal não encerram o conteúdo de normas abstratas ou teóricas, instituídas em caráter permanente e de generalidade.

Ou seja, a Câmara não pode, em nosso regime constitucional, invadir a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, atribuindo, especificamente e de modo individualizado, a determinados próprios integrantes do Município, denominação concreta.

As leis formais não se mostram regras jurídicas, mas simples atos administrativos do Poder Legislativo, que invadem a esfera de competência constitucional do Poder Executivo.

Na ordem constitucional vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a fim de limitar o poder estatal, na consagrada fórmula de Montesquieu, não existe a menor possibilidade de a Administração municipal ser exercida pela Câmara, por meio de leis (Estado legal), pois a Constituição é clara ao atribuir ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47, XIV).

Bem por isso, aliás, ELIVAL DA SILVA RAMOS adverte que:

“(...)

Sob a vigência de Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes (...) não é lícito ao Parlamento editar, ao seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e individualizante. A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício da função legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que, embora fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial. (“A Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194.)

(...)”

Nesse contexto, a aprovação de lei, de iniciativa parlamentar, que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).

Ao examinar assunto correlato, no julgamento da Repr. n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO REZEK consignou no seu respeitável voto que:

“(...)

No contexto dos debates que esta matéria provocou na origem, e que envolveram os três poderes do Estado, vez por outra afloram equívocos conceituais de certa monta, qual o entendimento da prerrogativa de dar nome à sede forense como atributo da propriedade imobiliária, ou a visão do Poder Executivo como titular do domínio dos bens públicos afetos a seus próprios serviços, tanto quanto aos da Legislatura e aos da Justiça.

Tudo isso posto de lado, porque desnecessário ao completo esquema da questão de inconstitucionalidade que aqui se discute, reponta claro o argumento do Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a competência para dar nome a logradouros públicos, porque não disciplinada na lei fundamental, há de sê-lo em lei ordinária; e que entre aqueles não há por que distinguir os de uso especial da Justiça dos vinculados aos demais poderes, ou entregues ao uso comum do povo. Aquela primeira ideia se viu desenvolver com esmero pelos fundadores da federação norte-americana, e, dessa e de outras fontes, foi sabidamente assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto a Carta não diz por si mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça, mas o Congresso, compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei fundamental encabeça, sem poder exaurir.

Essa regra eminente traz, porém, consigo, duas presunções tácitas, a ditar-lhe o exato contorno. A primeira é a de que esse espaço a ser preenchido pela produção congressional reclame substância normativa, vestida da abstração e da generalidade que lhe são próprias. A segunda, indissociável da precedente, é a de que o vasto domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda estender-se sobre área reservada pela lei fundamental às prerrogativas do Executivo e do Judiciário, com todos os desdobramentos necessários a que se não lhes afronta a independência.

(...)”

Em suma, a concessão de denominação a determinado bem municipal é ato concreto de administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana, cujo único responsável é o Prefeito.

Não há como aceitar a interpretação que inclui no rol dos poderes implícitos da Câmara a competência para editar leis formais, desvestidas dos atributos de generalidade e abstração, tampouco estender esses poderes sobre área de atuação exclusiva do Poder Executivo, a quem compete administrar os bens públicos e prestar os serviços públicos municipais.

O ato de atribuir nomes a logradouros ou prédios públicos é mero corolário do poder de administrar.

Bem a propósito, ao examinar leis de conteúdo semelhante, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Pretensão que envolve os incisos XVI e XVII do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente, que trouxe normas que fixam competência da Câmara Municipal para denominar e autorizar alteração da denominação de próprios, vias e logradouros públicos Interesse local que se encontra dentro das atribuições constitucionais do município Existência de competência legislativa concorrente entre Poder Legislativo e Executivo somente acerca da regulamentação do tema através de normas gerais e abstratas Criação de lei para denominação em casos concretos que se encontra no âmbito da gestão administrativa, cuja competência é exclusiva do Poder Executivo Configuração da inconstitucionalidade Ação procedente” (ADIN nº 2061661-87.2016.8.26.0000, Rel. Álvaro Passos, j. 10.08.2016).

Em suma, a Câmara não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de administração, nem mesmo denominar bens públicos. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a conclusão inafastável de que as leis em epígrafe são manifestamente incompatíveis com o princípio da separação dos poderes.

Estas são as razões para o reconhecimento da inconstitucionalidade formal do dispositivo impugnado, por afronta aos arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição Paulista, cuja observância é obrigatória pelos municípios por força do art. 144 do mesmo diploma.

IV - CONCLUSÃO E PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos incisos XIV e XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape por ofensa aos arts. 5º, 47, II, XIV e XIX e 144 da Constituição Paulista.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Iguape, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 05 de julho de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 41.476 /17

Assunto: Inconstitucionalidade de dispositivos insertos na Lei Orgânica do Município de Iguape.

 

 

 

                          

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos incisos XIV e XVI do art. 9º da Lei Orgânica do Município de Iguape, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Cumpra-se.

São Paulo, 05 de julho de 2017.

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

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