EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n. 42.756/17
Constitucional. Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Alínea “h” do § 3º do Art. 10 e inciso V do art. 12 da Lei Orgânica do
Município de Caraguatatuba. Autorização para alteração de denominação de logradouros
e próprios públicos. Autorização e aprovação de convênios e consórcios celebrados
pelo Município. Reserva da Administração. Separação de Poderes. Princípio Federativo.
1. Lei Orgânica Municipal que atribui à Câmara Municipal a alteração
da denominação de próprios, vias e logradouros públicos é inconstitucional por
violação ao princípio da separação dos poderes, por consistir ato privativo da gestão
administrativa, reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, art. 47, II,
XIV e XIX, e art. 144 da CE/89). 2. Lei
Orgânica Municipal que estabelece competir à Câmara Municipal a autorização e
aprovação de convênios ou consórcios pelo Poder Executivo é inconstitucional
por violação ao princípio da separação de poderes e, no tocante a consórcios,
também ao princípio federativo (arts. 5º, 47, II e XIV, e 144 CE/89 c.c. arts.
22, XXVII, 23, par. único e 241, CF/88).
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 42.756/17), vem perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da alínea “h” do § 3º do art. 10 e do inciso V do art. 12, ambos da Lei
Orgânica do Município de Caraguatatuba, pelos fundamentos expostos a
seguir.
I
– O ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A alínea “h” do § 3º do art. 10 e o
inciso V do art. 12, ambos da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, têm a
seguinte redação (fls. 164/165):
“(...)
Seção II – Das deliberações
Art.
10. A discussão e votação da matéria constante da Ordem do Dia só poderão ser
efetuadas com a presença da maioria absoluta dos membros da Câmara:
(...)
§
3º. Dependerão de voto favorável de dois terços dos membros da Câmara as leis
concernentes a:
(...)
h)
alteração de denominação de próprios, vias e logradouros públicos;
(...)
Art.
12. É de competência exclusiva da Câmara Municipal, além de outras previstas
nesta Lei Orgânica:
(...)
V
– autorizar e aprovar definitivamente convênios, consórcios, de que acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio municipal;
(...)”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os
dispositivos normativos ora impugnados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de
seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
Os dispositivos questionados são incompatíveis com
os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 5º - São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado
a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O
cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro,
salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 47 -
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
(...)
II - exercer,
com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração
estadual;
(...)
XIV - praticar
os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor,
mediante decreto, sobre:
a) organização e
funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de
despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.
(...)”
III - DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES e AO PRINCÍPIO
FEDERATIVO
a)
Alteração
de denominação de próprios, vias e logradouros públicos
A alínea “h” do § 3º do art. 10 da Lei Orgânica do
Município de Caraguatatuba estabelece
competir à Câmara Municipal, por voto de dois terços de seus membros, alterar a
denominação de próprios, vias e logradouros públicos.
Indubitavelmente, a
denominação de logradouros e de próprios públicos envolve matéria de interesse local (CF, art. 30, I), de
modo que dispõem os Municípios de ampla competência para regulamentá-la,
porquanto dotados de autonomia administrativa e legislativa. Vale acrescentar
inexistir na Constituição em vigor reserva dessa matéria em favor de qualquer
dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só
pode ser geral ou concorrente.
Contudo, afigura-se
necessário distinguir as seguintes situações:
(a) a edição de regras que
disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de
logradouros e de próprios públicos, caso em que a iniciativa é concorrente;
(b) o ato de atribuir nomes a logradouros e próprios públicos, segundo as
regras legais que disciplinam essa atividade, que é da competência privativa do Executivo.
No Município, à Câmara Municipal incumbem as funções legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. “Nessa sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal.” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., pp. 427 e 508.)
Em sua função normal e
predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas,
gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem
diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos
concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos
particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).
Assim, no exercício de sua
função normativa, a Câmara está habilitada a editar normas gerais, abstratas e
coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias,
logradouros e prédios públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o
nome de pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de
três palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON
DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do
Governo do Estado de São Paulo, 2/103).
Ressalte-se que a
nomenclatura de logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização
urbana, tem por finalidade precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico
Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse
sinalização, a identificação e a localização dos logradouros públicos seria
tarefa quase impossível, principalmente nos grandes aglomerados urbanos.
Diverso, porém, é o ato de
denominar os próprios públicos, inclusive nos casos em que não se busca apenas
permitir a orientação da população, mas sim homenagear determinadas pessoas ou
fatos históricos.
Note-se: nada obsta que o
nome dado a determinado logradouro público cumpra não só a função de permitir
sua identificação e exata localização, mas sirva também para homenagear pessoas
ou fatos históricos, segundo os critérios previamente estabelecidos em lei
editada para regulamentar essa matéria.
Definidas essas premissas
básicas, entretanto, é imperativo o reconhecimento da inconstitucionalidade do
dispositivo impugnado nesta inicial.
Leis que conferem nomes a
bens integrantes do patrimônio público municipal não encerram o conteúdo de
normas abstratas ou teóricas, instituídas em caráter permanente e de
generalidade.
Ou seja, a Câmara não pode,
em nosso regime constitucional, invadir a esfera da gestão administrativa, que
cabe ao Poder Executivo, atribuindo, especificamente e de modo individualizado,
a determinados próprios integrantes do Município, denominação concreta.
As leis formais não se
mostram regras jurídicas, mas simples atos administrativos do Poder
Legislativo, que invadem a esfera de competência constitucional do Poder
Executivo.
Na ordem constitucional
vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a fim de limitar o
poder estatal, na consagrada fórmula de Montesquieu, não existe a menor
possibilidade de a Administração municipal ser exercida pela Câmara, por meio
de leis (Estado legal), pois a Constituição é clara ao atribuir ao Prefeito a
competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a
direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e praticar os
atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47, XIV).
Bem por isso, aliás, ELIVAL
DA SILVA RAMOS adverte que:
“(...)
Sob a vigência
de Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes (...) não é
lícito ao Parlamento editar, ao seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e individualizante.
A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício da função
legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que, embora
fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de
generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma
direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta
caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto
Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial. (“A
Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194.)
(...)”
Nesse contexto, a aprovação de lei, de iniciativa parlamentar, que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).
Ao examinar assunto
correlato, no julgamento da Repr. n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO
REZEK consignou no seu respeitável voto que:
“(...)
No contexto dos
debates que esta matéria provocou na origem, e que envolveram os três poderes
do Estado, vez por outra afloram equívocos conceituais de certa monta, qual o
entendimento da prerrogativa de dar nome à sede forense como atributo da
propriedade imobiliária, ou a visão do Poder Executivo como titular do domínio
dos bens públicos afetos a seus próprios serviços, tanto quanto aos da
Legislatura e aos da Justiça.
Tudo isso posto
de lado, porque desnecessário ao completo esquema da questão de
inconstitucionalidade que aqui se discute, reponta claro o argumento do
Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a competência
para dar nome a logradouros públicos, porque não disciplinada na lei
fundamental, há de sê-lo em lei ordinária; e que entre aqueles não há por que
distinguir os de uso especial da Justiça dos vinculados aos demais poderes, ou
entregues ao uso comum do povo. Aquela primeira ideia se viu desenvolver com
esmero pelos fundadores da federação norte-americana, e, dessa e de outras
fontes, foi sabidamente assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto
a Carta não diz por si mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça,
mas o Congresso, compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei
fundamental encabeça, sem poder exaurir.
Essa regra
eminente traz, porém, consigo, duas presunções tácitas, a ditar-lhe o exato
contorno. A primeira é a de que esse espaço a ser preenchido pela produção
congressional reclame substância normativa, vestida da abstração e da
generalidade que lhe são próprias. A segunda, indissociável da precedente, é a
de que o vasto domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda
estender-se sobre área reservada pela lei fundamental às prerrogativas do
Executivo e do Judiciário, com todos os desdobramentos necessários a que se não
lhes afronta a independência.
(...)”
Em suma, a concessão de denominação a determinado bem municipal é ato concreto de administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana, cujo único responsável é o Prefeito.
Não há como aceitar a
interpretação que inclui no rol dos poderes implícitos da Câmara a competência
para editar leis formais, desvestidas dos atributos de generalidade e
abstração, tampouco estender esses poderes sobre área de atuação exclusiva do
Poder Executivo, a quem compete administrar os bens públicos e prestar os
serviços públicos municipais.
O ato de atribuir nomes a
logradouros ou prédios públicos é mero corolário do poder de administrar.
Bem a propósito, ao examinar
leis de conteúdo semelhante, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Pretensão que envolve os incisos
XVI e XVII do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente, que
trouxe normas que fixam competência da Câmara Municipal para denominar e
autorizar alteração da denominação de próprios, vias e logradouros públicos
Interesse local que se encontra dentro das atribuições constitucionais do
município Existência de competência legislativa concorrente entre Poder
Legislativo e Executivo somente acerca da regulamentação do tema através de
normas gerais e abstratas Criação de lei para denominação em casos concretos
que se encontra no âmbito da gestão administrativa, cuja competência é
exclusiva do Poder Executivo Configuração da inconstitucionalidade Ação
procedente” (ADIN nº 2061661-87.2016.8.26.0000, Rel. Álvaro Passos, j.
10.08.2016).
Em suma, a
Câmara não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos
concretos de administração, nem mesmo denominar bens públicos. E a nomenclatura
de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao
serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se
exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a conclusão inafastável de que as
leis em epígrafe são manifestamente incompatíveis com o princípio da separação
dos poderes.
Estas são as
razões para o reconhecimento da inconstitucionalidade formal do dispositivo impugnado, por
afronta aos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, da Constituição Paulista, cuja observância
é obrigatória pelos municípios por
força do art. 144 do mesmo diploma.
b)
Autorização
e aprovação de convênios e consórcios de que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio municipal
O inciso V do art. 12 da Lei Orgânica do Municipal de Caraguatatuba
estabelece competir à Câmara Municipal “autorizar
e aprovar definitivamente convênios, consórcios, de que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio municipal”.
O
dispositivo legal ora impugnado viola o princípio
da separação de poderes, previsto no art. 5º, “caput” e § 1º, e no art. 47,
II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do
art. 144 da Carta Paulista.
Cabe exclusivamente ao Poder Executivo a decisão quanto à celebração de convênios e consórcios nas diversas áreas de gestão, envolvendo os órgãos da Administração Pública Federal, Estadual, ou entidades privadas, prescindindo de autorização legislativa para tanto.
Esta característica administrativa vem reforçada pela norma do art. 241 da Constituição Federal, que atribui competência privativa aos Municípios para disciplinar, por meio de lei, os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Exige-se, portanto, lei geral, tão só para disciplinar aspectos gerais dos consórcios e convênios públicos, e não lei específica, autorizando de modo direto a realização de convênio determinado.
Assim, quando a Lei Orgânica do Município estabelece que cabe ao Poder Legislativo Municipal autorizar a celebração de convênios e consórcios, é inconstitucional por invadir, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
Isso porque a celebração ou não de convênios ou de consórcios, para organização municipal, é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Desse modo, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade quanto à eventual realização de convênios, acordos ou contratos em benefício dos munícipes. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao
Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em
atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes
ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, compete
a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles,
anotando que “a Prefeitura não pode
legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas;
o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário”
(Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e
Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis acerca da atribuição de outro poder – ou,
como no caso dos autos, aprova Lei Orgânica contendo previsão desta natureza -
viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.
Não é só. A matéria tratada na Lei Orgânica do Município
encontra-se na órbita da chamada reserva
da Administração, que reúne as competências próprias de administração e
gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e XV da Constituição
Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois
privativas do Chefe do Poder Executivo.
Assim, a Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, ao incluir
entre suas atribuições a necessidade de aprovação de convênios e outros ajustes
celebrados pelo Município, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no
estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração, à
organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada
da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 5º, na medida em que
impõe atribuição ao Poder Executivo.
A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo
divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da
Constituição Estadual, conforme já decidiu este Colendo Órgão Especial:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Douto e Nobre Prefeito do Município de Fartura/SP, visando à
declaração do art. 28 da Lei Complementar nº 04, de 26 de março de 2009
(Estatuto dos Servidores Públicos Municipais) e do inciso XIV, do art. 7º, da
Lei Orgânica Municipal, de 22 de março de 2004 – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
- O art. 28 da Lei Complementar nº 04/2009 (Estatuto dos Servidores Públicos
Municipais) apresenta inconstitucionalidade material, visto que seu conteúdo
viola diretamente o inciso III, do art. 115, da Constituição do Estado de São
Paulo – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - O inciso XIV, do art. 7º, da Lei
Orgânica Municipal, por seu turno, ao subordinar a atuação do Poder Executivo,
afronta o princípio da separação de poderes (art. 5º da Constituição Bandeirante).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.
(...)
O inciso XIV, do art. 7º, da Lei Orgânica
Municipal, por seu turno, ao subordinar a atuação do Poder Executivo, afronta o
princípio da separação de poderes (art. 5º da Constituição Bandeirante). Aliás,
o tema não é novo neste Egrégio Tribunal de Justiça. Ao contrário, é remansosa
a jurisprudência deste Colendo Órgão Especial ao reconhecer a
inconstitucionalidade de normas que submetam a realização de convênios e
consórcios públicos à prévia autorização do Poder Legislativo, porquanto tal
condição viola o princípio da separação de poderes (art. 5º
Constituição Bandeirante).” ADIN 0179920-80.2013.8.26.0000 – Des. Rel. Roberto
Mac Cracken – j. 02/04/2014.” (grifo nosso)
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 5.003, DE 22 DE JULHO DE 2016, DO
MUNICÍPIO DE SUZANO QUE AUTORIZA O PODER PÚBLICO MUNICIPAL A
CELEBRAR CONVÊNIO COM A ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA RECREATIVA ESPORTE CLUBE
URUPÊS PARA FINS DE FOMENTO ÀS ATIVIDADES CULTURAIS - NORMA DE INICIATIVA PARLAMENTAR
– OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – VÍCIO
DE INICIATIVA – INCONSTITUCIONALIDADE - AO PODER EXECUTIVO CABE
ORGANIZAR E EXECUTAR TODOS OS ATOS DE ADMINISTRAÇÃO – AÇÃO PROCEDENTE” (TJ/SP,
ADI nº 2251918-69.2016.8.26.0000, Rel. Des. Ferraz de Arruda, julgada em 17 de
maio de 2017)
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI 3.927, DE 6 DE JUNHO DE 2016, DO
MUNICÍPIO DE UBATUBA QUE AUTORIZA O EXECUTIVO MUNICIPAL AO REPASSE DE RECURSOS
FINANCEIROS MEDIANTE CONVÊNIO ÀS ASSOCIAÇÕES DE PAIS E MESTRES DAS
ESCOLAS MUNICIPAIS – VIOLAÇÃO DA REGRA DA LICITAÇÃO, DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DE PODERES – INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – LEI 2.161, DE 24 DE JANEIRO DE
2002, DECLARADA INCONSTITUCIONAL, POR ARRASTAMENTO – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (TJ/SP,
ADI nº 2189959-97.2016.8.26.0000, Des. Rel. Ferraz de Arruda, julgada em 10 de
maio de 2017)
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Leis nºs 1.762, de 27 de outubro de 2016 e
1.748, de 04 de agosto de 2016, ambas do Município de Serrana, de iniciativa parlamentar
(que, respectivamente, dispõem sobre a intervenção psicopedagógica em toda a
rede municipal de ensino e sobre autorização para a Secretaria da Educação
firmar convênios) - Falta de indicação da fonte de custeio para a
consecução da norma que, quando muito, impede a sua exequibilidade no ano em
que editada – Inconstitucionalidade por afronta ao art. 25 da Carta Estadual
não configurada - Precedentes – Violação aos artigos 5º, 24, § 2º, 47, II, XIV
e XIX, todos da Constituição Estadual – Atos privativos do Chefe do Poder
Executivo - Vício formal de iniciativa - Leis
de iniciativa parlamentar que invadiram a competência legislativa do
Chefe do Poder Executivo, ofendendo o princípio da separação dos poderes e, bem
assim, a esfera da gestão administrativa – Ação procedente”. (TJ/SP, ADI nº
2001892-17.2017.8.26.0000, Rel. Des. Salles Rossi, julgada em 03 de maio de
2017)
IV - CONCLUSÃO E PEDIDO
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade da alínea “h” do §
3º do art. 10 e do inciso V do art. 12, ambos da Lei Orgânica do Município de
Caraguatatuba, por ofensa aos arts. 5º, 47, II, XIV e XIX e 144 da Constituição Paulista.
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Caraguatatuba,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado.
Após, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos
em que,
Pede-se
deferimento.
São
Paulo, 27 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh
Protocolado nº 42.756/17
Assunto: Inconstitucionalidade de dispositivos insertos na Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da alínea “h” do § 3º do art. 10 e do inciso V do art. 12, ambos da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Cumpra-se.
São
Paulo, 27 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/sh