Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado
n. 29.288/2017
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade por Omissão. Criação de órgão de
advocacia pública. Mora injustificada do dever de legislar. Função essencial à
atividade jurisdicional. 1. A advocacia pública é instituição
estatal predicada como permanente e essencial à administração da Justiça e à
Administração Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e
representação judicial do poder público. 2. A ausência de lei específica
criando o respectivo órgão no Município caracteriza mora injustificada do dever
de legislar. 3. O cometimento de competências inerentes à Advocacia
Pública a empregos comissionados pertencentes à estrutura de órgão auxiliar do
Chefe do Poder Executivo não se compatibiliza com a reserva instituída em prol
da profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com
chefia própria escolhida ad nutum
dentre os integrantes da respectiva carreira. 4 Incidência dos
arts. 98 a 100, 111, 115, incisos II e V, da Constituição Paulista, aos
Municípios, por força de seu art. 144.
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto
nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do Prefeito Municipal e da Câmara Municipal de
Itápolis, pelos fundamentos a seguir expostos:
I
– DA OMISSÃO NORMATIVA INCONSTITUCIONAL
Segundo informações
acostadas aos autos do protocolado que instrui a presente ação, não existe no
Município de Itápolis órgão específico da Advocacia Pública, em nítida violação
à ordem jurídica constitucional, como passaremos a expor.
a) PARÂMETRO CONSTITUCIONAL
A omissão do Município de Itápolis em criar e organizar seu órgão de Advocacia Pública e a dotação de funções próprias desse organismo a empregos públicos constantes da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, órgão este que, aliás, não poderia desempenhar atribuições próprias de Procuradoria, contrasta com os arts. 98, 99, I, II, IV, V, VI e IX, e 100 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra de seu art. 144.
Esse preceito que reproduz o quanto
disposto no caput do art. 29 da
Constituição Federal limita e condiciona a autonomia municipal.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema
federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem
caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal
(José Afonso da Silva. Direito constitucional
positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459) e deve ser exercida
com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na
Constituição Estadual.
A
Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual.
Ademais,
eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só
teria, ad argumentandum tantum,
espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo
do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em
assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou
aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.
E
assim preceitua a Constituição do Estado de São Paulo ao inserir a Procuradoria
do Estado entre os órgãos que executam funções essenciais à Justiça:
“Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.
§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
(...)
IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;
V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;
VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;
(...)
IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;
(...)
Art. 100 - A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.
Esse traçado, aliás, se amolda ao que
consta na Constituição Federal em relação à Advocacia Pública, também
qualificada função essencial à Justiça nos arts. 131 e 132, não sendo ocioso
registrar que a Constituição do Estado de São Paulo dedica-lhe expressivos preceitos
como as reservas de lei complementar para sua instituição (art. 23, parágrafo
único, 3) e de correlata iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo
(art. 24, § 2º, 3).
b)
VINCULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS AO MODELO CONSTITUCIONAL
Embora os preceitos dos arts. 98, 99 e 100 da Carta Política
bandeirante se refiram à Procuradoria-Geral do Estado, eles balizam a atividade
normativa municipal em virtude do art. 29 da Constituição da República e do
art. 144 da Constituição do Estado relativamente ao perfil do órgão local de
Advocacia Pública, na mesma medida em que os arts. 131 e 132 da Constituição da
República.
Trata-se de modelo de observância
obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como julgado, “a autonomia conferida aos Estados pelo art.
25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas
constitucionais de observância obrigatória”
(STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v.,
DJe 10-09-2010).
Ora,
se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública
como função essencial à Justiça, essa prescrição é vinculante para os
Municípios na medida em que também eles carecem de organismo de representação,
consultoria e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração
Pública na defesa de seus direitos e interesses.
É
importante gizar que a latere do
Ministério Público e da Defensoria Pública, a Advocacia Pública é um dos atores
que compõem as funções essenciais à Justiça.
Trata-se
de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular
funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais
amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele”
(Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo
de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).
É
o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções
estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de 1988
“um bloco de funções públicas autônomas,
independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do Estado, que são
aquelas denominadas, funções essenciais à
justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:
“Esta essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção e de representação judicial necessárias à zeladoria, provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo ordenamento jurídico” (Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).
Discorrendo
a respeito do art. 132 da Constituição Federal, José Afonso da Silva aponta a “institucionalização dos órgãos estaduais de
representação e consultoria dos Estados” adicionando que:
“são, pois, vedadas a admissão ou a contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas (salvo eventual contratação de pareceres jurídicos)” (Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p. 625).
Ou
seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os
Municípios a criarem e organizarem tais organismos para o exercício de suas
funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo tempo,
impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenham essas
missões, pois lhes foram expressamente reservadas em favor de maior
profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através da
representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria,
como sujeito de direitos e obrigações.
Bem
por isso, a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia
Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes
arestos:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
(ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO -
CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO
ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de
assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela
Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma
inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos
membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de
investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-
“TRANSFORMAÇÃO,
EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO,
ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO
DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR
2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO
RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio
Gallotti, 16-10-
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de
inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com
dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe
do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o
tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado.
PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA.
Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual
prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da
carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
Nem se alegue que o Município não estaria vinculado ao referido modelo constitucional e, com base no interesse local (artigo 30 da CF), poderia deixar de instituir a Procuradoria do Município como órgão independente, pois se admitir tal postura seria aceitar que a advocacia pública municipal pudesse ter menos autonomia ou independência se comparada aos demais entes federativos, o que, em última análise, arrefeceria a tutela da moralidade administrativa na esfera municipal, além de obstar a plena aplicação do princípio da eficiência.
c) INCONSTITUCIONALIDADE POR
OMISSÃO: AUSÊNCIA DE ÓRGÃO DE ADVOCACIA PÚBLICA
Como
exposto alhures, não há no Município de Itápolis órgão de Advocacia Pública
criado por lei específica, nos moldes dos arts. 98 e 99 da Constituição
Estadual.
No
caso, há o dever constitucional de legislar, consubstanciado na obrigação de
criar e organizar no Município órgão de Advocacia Pública, e a contextura
apresentada demonstra indevida mora e inaceitável omissão a respeito que
impedem a efetividade da norma constitucional, que pode ser colmatada pela ação
de inconstitucionalidade por omissão à luz do contido no § 4º do art. 90 da
Constituição Estadual, in verbis:
“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para
tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe
compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão
administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.”
Quando a falta de efetividade da norma constitucional se instala, frustrando a supremacia da Constituição, cabe ao Judiciário suprir o déficit de legitimidade democrática da atuação do Legislativo.
Um dos atributos das normas constitucionais é sua imperatividade. Descumpre-se a imperatividade de uma norma constitucional quer quando se adota uma conduta por ela vedada – em violação a uma norma proibitiva, quer quando se deixa de adotar uma conduta por ela determinada – em violação de uma norma preceptiva. Porque assim é, a Constituição é suscetível de violação tanto por ação como por omissão. (Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 279).
A omissão normativa municipal de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo reclama intervenção excepcional do Judiciário para a realização da
vontade constitucional, pois as normas constitucionais em pauta não possuem
eficácia imediata por se exigir lei instituindo e organizado a Advocacia
Pública, tendo em vista que se trata de normas de eficácia limitada (not self-executing) e que se expõem ao
controle de constitucionalidade por omissão (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional,
São Paulo: Malheiros, 2014, p. 786), e desde que haja específico dever de
legislar e inércia normativa injustificável, como há no caso em questão. Neste
sentido:
“Como regra geral, o legislador tem a faculdade discricionária de legislar, e não um dever jurídico de fazê-lo. Todavia, há casos em que a Constituição impõe ao órgão legislativo uma atuação positiva, mediante a edição de norma necessária à efetivação de um mandamento constitucional. Nesta hipótese, sua inércia será ilegítima e configurará caso de inconstitucionalidade por omissão. Adotando-se a tríplice divisão das normas constitucionais quanto a seu conteúdo, a omissão, como regra, ocorrerá em relação a uma norma de organização ou em relação a uma norma definidora de direito. As normas programáticas, normalmente, não especificam a conduta a ser adotada, ensejando margem mais ampla de discricionariedade aos poderes públicos” (Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2014, 6ª ed., p. 280).
A Suprema Corte
acentua, a propósito desse instituto, que:
“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público” (STF, ADI-MC 1.458, Rel. Min. Celso de Mello, 23-05-96, DJ de 29-09-1996).
A
doutrina especializada pondera, do mesmo modo, que:
“a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão também não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo. Trata-se, ao contrário, de mecanismo voltado, precipuamente, para a defesa da Constituição. Aliás, para a defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ªed., São Paulo, RT, 2000, pp. 339-340).
A ação direta é instrumento adequado para o
reconhecimento da mora legislativa. Para tanto, soa indispensável a existência
do dever de legislar e a mora injustificada. Oswaldo Luiz Palu ressalta que:
“quando houver o claro e inequívoco dever de agir bem como a
possibilidade de realização poderá caracterizar-se a omissão, a permitir o
provimento mandamental no controle omissivo (...) A omissão legislativa somente
pode significar que o legislador não fez algo que positivamente lhe era imposto
pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer
aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele constitucionalmente
obrigado. A omissão tem conexão com uma exigência de ação advinda da
Constituição; caso contrário não haverá omissão. Em outras palavras, há o dever
de legislar violado quando: a) do legislador não emana o ato legislativo
obrigado; b) quando a lei editada favorece um grupo, olvidando-se de outros. É
dizer: quando não se concretiza, ou não o faz, completamente, uma imposição
constitucional” (Controle de Constitucionalidade,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 2ª ed., p. 286).
E, além da respectiva declaração desse estado de omissão
inconstitucional, compete a fixação de prazo razoável para colmatação da lacuna
e que se não for atendido impõe medidas destinadas à eficácia concreta ao
controle abstrato da omissão do legislador, como professa Dirley da Cunha
Júnior ao salientar que:
“impõe-se defender um plus àquele efeito literal previsto no
§2º do art.103 da Constituição, de tal modo que, para além da ciência da
declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário
que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A
depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja
adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida
de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma
constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória,
terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a
medida concretizadora pelo poder público omisso”(Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo,
Saraiva, 2004, p.547).
Tendo presente que o processo objetivo
de controle de constitucionalidade tem como finalidade assentada na
Constituição Federal assegurar sua eficácia normativa, a interpretação
finalista e sistemática para tal instituto deve conduzir à conclusão de que a
mera determinação de suprimento da omissão legislativa não será suficiente, no
caso concreto aqui examinado, pois, seguramente, haverá manutenção da situação
de omissão inconstitucional.
Daí porque o suprimento da omissão
normativa infraconstitucional deve ser realizado pela própria decisão proferida
no controle concentrado, de tal sorte que será pertinente a fixação de
prazo para que a lacuna legislativa seja eliminada, bem como a determinação de
que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como decorrência da
eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, funcione a
Advocacia Pública do Município de Itápolis segundo o traçado dos arts. 98 a 100
da Constituição Estadual e da legislação estadual que disciplina a
Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de
agosto de 2015).
Para assegurar a
efetividade e a supremacia da Constituição, é compatível à ação de
inconstitucionalidade por omissão, além da ciência da mora legislativa, a
fixação de prazo para seu suprimento e a colmatação da lacuna, sob pena de
inutilidade do instituto e desprezo à evolução experimentada à superação da
omissão constitucional no mandado de injunção. Além de outras medidas, a
fixação de prazo atende ao alvitre da literatura especializada (Eros Roberto
Grau. A ordem econômica na Constituição
de 1988, São Paulo: Malheiros, 2010, 14ª ed., pp. 328-331; Ives Gandra da
Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle
concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., pp.
497-498; Flávia Piovesan. Proteção
judicial contra omissões legislativas, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, 2ª ed., pp. 121-128; José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros,
2006, 2ª ed., p. 558). Neste sentido, assim foi julgado pelo Supremo Tribunal
Federal:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO.
INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE
SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA
EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional
n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada
no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada
a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão
tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e
fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a
inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever
constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da
Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de
lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é
possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e
aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade
parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam
uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas,
conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas
Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por
omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º,
da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados
de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na
elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para
declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de
que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências
legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo
art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações
imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.
Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso
Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em
vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316,
3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus
limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja
promulgada contemplando as realidades desses municípios” (STF, ADI 3.682-MT,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 09-05-2007, m.v., DJe 05-09-2007, RTJ
202/583).
II – DO Pedido
Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a existência de mora legislativa
para edição de lei criando e organizando a Advocacia Pública no Município de
Itápolis, dando ciência ao Prefeito e à Câmara Municipal de Itápolis,
fixando-se prazo razoável sucessivo para o encaminhamento de proposta legislativa
(Prefeito Municipal) e para a edição de lei (Câmara Municipal), imprescindíveis
à concretização das diretrizes constitucionais já consignadas, bem como seja
estabelecido o funcionamento da Advocacia Pública do Município de Itápolis
segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual e da legislação
estadual que disciplina a Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar
Estadual n. 1.270, de 25 de agosto de 2015), a ser observado pelo Município, na
hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo fixado.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara
Municipal e ao Prefeito Municipal de Itápolis, bem como citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 28 de junho de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm
Protocolado
n. 29.288/2017
Assunto: Ação de
Consitucionalidade
1. Distribua-se a petição inicial
da ação direta de inconstitucionalidade por omissão em face do Município de
Itápolis junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Arquive-se em relação ao cargo de
Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, cujas atribuições estão assim
descritas na Lei nº 2.675/2010, do Município de Itápolis, em seu item 154:
(...)
154 – Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos – Garantem suporte na execução política institucional definida no âmbito do Poder Executivo, dentro de seu âmbito de atuação, gerenciando pessoas, na administração de material, patrimônio, informática e serviços para as áreas, meios e finalísticas da administração pública. Definem diretrizes, planejam, coordenam e supervisionam ações, monitorando resultados e fomentando políticas de mudança.
(...)
Com o devido respeito ao entendimento esposado na
representação, parece-nos que as circunstâncias mencionadas podem
justificar a opção pelo provimento em comissão, atendendo aos termos estabelecidos
no ordenamento constitucional.
In casu, parece estar presente a especial relação de confiança exigida
pelo ordenamento constitucional, para que adequadamente sejam desempenhadas
funções inerentes à atividade predominantemente política.
Ademais, analisando detidamente as atribuições do cargo, não há como afirmar – peremptoriamente – que se trata de assessoria jurídica a caracterizar a atividade de advocacia pública, reservada a profissional recrutado pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual, modelo este que deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual).
Com efeito, na presente representação para
deflagração do contencioso de constitucionalidade não há divórcio entre a lei
local e a Constituição Estadual, seja porque presente a especial relação de
fidúcia seja porque não se trata de atividade de advocacia pública.
3. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 28 de junho de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm