Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 29.288/2017

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo.  Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade por Omissão. Criação de órgão de advocacia pública. Mora injustificada do dever de legislar. Função essencial à atividade jurisdicional. 1. A advocacia pública é instituição estatal predicada como permanente e essencial à administração da Justiça e à Administração Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e representação judicial do poder público. 2. A ausência de lei específica criando o respectivo órgão no Município caracteriza mora injustificada do dever de legislar. 3. O cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública a empregos comissionados pertencentes à estrutura de órgão auxiliar do Chefe do Poder Executivo não se compatibiliza com a reserva instituída em prol da profissionalização que se consubstancia no órgão de Advocacia Pública, com chefia própria escolhida ad nutum dentre os integrantes da respectiva carreira. 4 Incidência dos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos II e V, da Constituição Paulista, aos Municípios, por força de seu art. 144.

 

 

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do Prefeito Municipal e da Câmara Municipal de Itápolis, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – DA OMISSÃO NORMATIVA INCONSTITUCIONAL

          Segundo informações acostadas aos autos do protocolado que instrui a presente ação, não existe no Município de Itápolis órgão específico da Advocacia Pública, em nítida violação à ordem jurídica constitucional, como passaremos a expor.

a) PARÂMETRO CONSTITUCIONAL

         A omissão do Município de Itápolis em criar e organizar seu órgão de Advocacia Pública e a dotação de funções próprias desse organismo a empregos públicos constantes da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, órgão este que, aliás, não poderia desempenhar atribuições próprias de Procuradoria, contrasta com os arts. 98, 99, I, II, IV, V, VI e IX, e 100 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra de seu art. 144.

         Esse preceito que reproduz o quanto disposto no caput do art. 29 da Constituição Federal limita e condiciona a autonomia municipal.

            Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal (José Afonso da Silva. Direito constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459) e deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

         A Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual.

         Ademais, eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

         E assim preceitua a Constituição do Estado de São Paulo ao inserir a Procuradoria do Estado entre os órgãos que executam funções essenciais à Justiça:

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

(...)

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

(...)

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

(...)

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Parágrafo único - O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

         Esse traçado, aliás, se amolda ao que consta na Constituição Federal em relação à Advocacia Pública, também qualificada função essencial à Justiça nos arts. 131 e 132, não sendo ocioso registrar que a Constituição do Estado de São Paulo dedica-lhe expressivos preceitos como as reservas de lei complementar para sua instituição (art. 23, parágrafo único, 3) e de correlata iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 3).

b) VINCULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS AO MODELO CONSTITUCIONAL

         Embora os preceitos dos arts. 98, 99 e 100 da Carta Política bandeirante se refiram à Procuradoria-Geral do Estado, eles balizam a atividade normativa municipal em virtude do art. 29 da Constituição da República e do art. 144 da Constituição do Estado relativamente ao perfil do órgão local de Advocacia Pública, na mesma medida em que os arts. 131 e 132 da Constituição da República.

         Trata-se de modelo de observância obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como julgado, a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).

         Ora, se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública como função essencial à Justiça, essa prescrição é vinculante para os Municípios na medida em que também eles carecem de organismo de representação, consultoria e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública na defesa de seus direitos e interesses.

         É importante gizar que a latere do Ministério Público e da Defensoria Pública, a Advocacia Pública é um dos atores que compõem as funções essenciais à Justiça.

         Trata-se de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele” (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).

         É o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de 1988 “um bloco de funções públicas autônomas, independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do Estado, que são aquelas denominadas, funções essenciais à justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:

“Esta essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção e de representação judicial necessárias à zeladoria, provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo ordenamento jurídico” (Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).

         Discorrendo a respeito do art. 132 da Constituição Federal, José Afonso da Silva aponta a “institucionalização dos órgãos estaduais de representação e consultoria dos Estados” adicionando que:

“são, pois, vedadas a admissão ou a contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas (salvo eventual contratação de pareceres jurídicos)” (Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p. 625).

         Ou seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os Municípios a criarem e organizarem tais organismos para o exercício de suas funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo tempo, impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenham essas missões, pois lhes foram expressamente reservadas em favor de maior profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através da representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria, como sujeito de direitos e obrigações.

         Bem por isso, a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes arestos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

         Nem se alegue que o Município não estaria vinculado ao referido modelo constitucional e, com base no interesse local (artigo 30 da CF), poderia deixar de instituir a Procuradoria do Município como órgão independente, pois se admitir tal postura seria aceitar que a advocacia pública municipal pudesse ter menos autonomia ou independência se comparada aos demais entes federativos, o que, em última análise, arrefeceria a tutela da moralidade administrativa na esfera municipal, além de obstar a plena aplicação do princípio da eficiência.           

c) INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO: AUSÊNCIA DE ÓRGÃO DE ADVOCACIA PÚBLICA

         Como exposto alhures, não há no Município de Itápolis órgão de Advocacia Pública criado por lei específica, nos moldes dos arts. 98 e 99 da Constituição Estadual.

         No caso, há o dever constitucional de legislar, consubstanciado na obrigação de criar e organizar no Município órgão de Advocacia Pública, e a contextura apresentada demonstra indevida mora e inaceitável omissão a respeito que impedem a efetividade da norma constitucional, que pode ser colmatada pela ação de inconstitucionalidade por omissão à luz do contido no § 4º do art. 90 da Constituição Estadual, in verbis:

“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.”

         Quando a falta de efetividade da norma constitucional se instala, frustrando a supremacia da Constituição, cabe ao Judiciário suprir o déficit de legitimidade democrática da atuação do Legislativo.

         Um dos atributos das normas constitucionais é sua imperatividade. Descumpre-se a imperatividade de uma norma constitucional quer quando se adota uma conduta por ela vedada – em violação a uma norma proibitiva, quer quando se deixa de adotar uma conduta por ela determinada – em violação de uma norma preceptiva. Porque assim é, a Constituição é suscetível de violação tanto por ação como por omissão. (Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 279).

         A omissão normativa municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo reclama intervenção excepcional do Judiciário para a realização da vontade constitucional, pois as normas constitucionais em pauta não possuem eficácia imediata por se exigir lei instituindo e organizado a Advocacia Pública, tendo em vista que se trata de normas de eficácia limitada (not self-executing) e que se expõem ao controle de constitucionalidade por omissão (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 786), e desde que haja específico dever de legislar e inércia normativa injustificável, como há no caso em questão. Neste sentido:

“Como regra geral, o legislador tem a faculdade discricionária de legislar, e não um dever jurídico de fazê-lo. Todavia, há casos em que a Constituição impõe ao órgão legislativo uma atuação positiva, mediante a edição de norma necessária à efetivação de um mandamento constitucional. Nesta hipótese, sua inércia será ilegítima e configurará caso de inconstitucionalidade por omissão. Adotando-se a tríplice divisão das normas constitucionais quanto a seu conteúdo, a omissão, como regra, ocorrerá em relação a uma norma de organização ou em relação a uma norma definidora de direito. As normas programáticas, normalmente, não especificam a conduta a ser adotada, ensejando margem mais ampla de discricionariedade aos poderes públicos” (Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2014, 6ª ed., p. 280).

         A Suprema Corte acentua, a propósito desse instituto, que:

“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público” (STF, ADI-MC 1.458, Rel. Min. Celso de Mello, 23-05-96, DJ de 29-09-1996).

            A doutrina especializada pondera, do mesmo modo, que:

“a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão também não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo. Trata-se, ao contrário, de mecanismo voltado, precipuamente, para a defesa da Constituição. Aliás, para a defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ªed., São Paulo, RT, 2000, pp. 339-340).

A ação direta é instrumento adequado para o reconhecimento da mora legislativa. Para tanto, soa indispensável a existência do dever de legislar e a mora injustificada. Oswaldo Luiz Palu ressalta que:

“quando houver o claro e inequívoco dever de agir bem como a possibilidade de realização poderá caracterizar-se a omissão, a permitir o provimento mandamental no controle omissivo (...) A omissão legislativa somente pode significar que o legislador não fez algo que positivamente lhe era imposto pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele constitucionalmente obrigado. A omissão tem conexão com uma exigência de ação advinda da Constituição; caso contrário não haverá omissão. Em outras palavras, há o dever de legislar violado quando: a) do legislador não emana o ato legislativo obrigado; b) quando a lei editada favorece um grupo, olvidando-se de outros. É dizer: quando não se concretiza, ou não o faz, completamente, uma imposição constitucional” (Controle de Constitucionalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 2ª ed., p. 286).

          E, além da respectiva declaração desse estado de omissão inconstitucional, compete a fixação de prazo razoável para colmatação da lacuna e que se não for atendido impõe medidas destinadas à eficácia concreta ao controle abstrato da omissão do legislador, como professa Dirley da Cunha Júnior ao salientar que:

“impõe-se defender um plus àquele efeito literal previsto no §2º do art.103 da Constituição, de tal modo que, para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso”(Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004, p.547).

         Tendo presente que o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem como finalidade assentada na Constituição Federal assegurar sua eficácia normativa, a interpretação finalista e sistemática para tal instituto deve conduzir à conclusão de que a mera determinação de suprimento da omissão legislativa não será suficiente, no caso concreto aqui examinado, pois, seguramente, haverá manutenção da situação de omissão inconstitucional.

         Daí porque o suprimento da omissão normativa infraconstitucional deve ser realizado pela própria decisão proferida no controle concentrado, de tal sorte que será pertinente a fixação de prazo para que a lacuna legislativa seja eliminada, bem como a determinação de que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como decorrência da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, funcione a Advocacia Pública do Município de Itápolis segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual e da legislação estadual que disciplina a Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de agosto de 2015).

            Para assegurar a efetividade e a supremacia da Constituição, é compatível à ação de inconstitucionalidade por omissão, além da ciência da mora legislativa, a fixação de prazo para seu suprimento e a colmatação da lacuna, sob pena de inutilidade do instituto e desprezo à evolução experimentada à superação da omissão constitucional no mandado de injunção. Além de outras medidas, a fixação de prazo atende ao alvitre da literatura especializada (Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2010, 14ª ed., pp. 328-331; Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., pp. 497-498; Flávia Piovesan. Proteção judicial contra omissões legislativas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 2ª ed., pp. 121-128; José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 558). Neste sentido, assim foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios” (STF, ADI 3.682-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 09-05-2007, m.v., DJe 05-09-2007, RTJ 202/583).   

II – DO Pedido

         Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a existência de mora legislativa para edição de lei criando e organizando a Advocacia Pública no Município de Itápolis, dando ciência ao Prefeito e à Câmara Municipal de Itápolis, fixando-se prazo razoável sucessivo para o encaminhamento de proposta legislativa (Prefeito Municipal) e para a edição de lei (Câmara Municipal), imprescindíveis à concretização das diretrizes constitucionais já consignadas, bem como seja estabelecido o funcionamento da Advocacia Pública do Município de Itápolis segundo o traçado dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual e da legislação estadual que disciplina a Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar Estadual n. 1.270, de 25 de agosto de 2015), a ser observado pelo Município, na hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo fixado.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Itápolis, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 28 de junho de 2017.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 29.288/2017

Assunto: Ação de Consitucionalidade

 

 

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade por omissão em face do Município de Itápolis junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Arquive-se em relação ao cargo de Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, cujas atribuições estão assim descritas na Lei nº 2.675/2010, do Município de Itápolis, em seu item 154:

 (...)

154 – Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos – Garantem suporte na execução política institucional definida no âmbito do Poder Executivo, dentro de seu âmbito de atuação, gerenciando pessoas, na administração de material, patrimônio, informática e serviços para as áreas, meios e finalísticas da administração pública. Definem diretrizes, planejam, coordenam e supervisionam ações, monitorando resultados e fomentando políticas de mudança.

(...)

Com o devido respeito ao entendimento esposado na representação, parece-nos que as circunstâncias mencionadas podem justificar a opção pelo provimento em comissão, atendendo aos termos estabelecidos no ordenamento constitucional.

In casu, parece estar presente a especial relação de confiança exigida pelo ordenamento constitucional, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Ademais, analisando detidamente as atribuições do cargo, não há como afirmar – peremptoriamente – que se trata de assessoria jurídica a caracterizar a atividade de advocacia pública, reservada a profissional recrutado pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual, modelo este que deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual).

Com efeito, na presente representação para deflagração do contencioso de constitucionalidade não há divórcio entre a lei local e a Constituição Estadual, seja porque presente a especial relação de fidúcia seja porque não se trata de atividade de advocacia pública.

3.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 28 de junho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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