Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado
n. 25.215/17
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. Prazo de duração excessivo. Necessidade de interpretação conforme. Sujeição ao regime jurídico celetista. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento (art. 115, X CE/89 e art. 37, IX CF/88). A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade e a possibilidade de prorrogação contratual burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89). 2. Tampouco é razoável a duração de contratos temporários por prazo de até 24 (vinte e quatro meses) para obras públicas, conforme previsto no §2º do art. 3º. 3. Necessidade de interpretação conforme a Constituição do caput do art. 3º, para que nos casos de saída voluntária ou dispensa (inciso IV), a contratação não poderá ter duração superior a 12 meses, tempo razoável para realização de certame, remanescendo o prazo total de até 22 (vinte dois) meses para as demais hipóteses de contratação temporária. 4. A par da excepcionalidade da medida a contratação temporária deverá ser feita sempre por processo seletivo (art. 115, II, da CE/89). 5. Sujeição dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89).
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto
nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “comoção interna” contida no inciso I, dos incisos II, III, V
e VI, da expressão “sempre que possível” contida no § 1º e do §3º do art. 2º,
do caput
e do § 2º do art. 3º e do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de
2004, do Município de São Pedro do Turvo, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004,
do Município de São Pedro do Turvo, que “Disciplina
a contratação de pessoal em caráter temporário e dá providências”, prevê no
que interessa:
“(...)
ARTIGO 2º - Em caráter excepcional, para atender situação de especial
interesse público, nos termos do que estabelece o Artigo 37, inciso IX da
Constituição Federal, poderá o Poder Público Municipal contratar, por tempo
determinado, para atender as necessidades de mão de obra, nos seguintes casos:
I - calamidade pública ou comoção interna;
II - campanha
de saúde pública;
III - implantação
de serviço urgente e inadiável;
IV - saída voluntária, dispensa ou afastamento transitório de
funcionários ou servidores, cuja ausência possa prejudicar sensivelmente os
serviços;
V - execução de serviços
absolutamente transitórios e de necessidade esporádica;
VI - execução direta de
obra determinada;
§ 1º - As contratações que tiverem origens nas causas supra
estabelecidas de II a VI, deverão, sempre
que possível, ser precedidas de processo seletivo, que será regulamentado
por decreto.
(...)
§ 3º - Em qualquer das
hipóteses do "caput", em caráter emergencial, devidamente
fundamentado o interesse público, poderá ser dispensado o processo seletivo.
(...)
ARTIGO 3º - A contratação
será feita observando-se prazo determinado e compatível com a situação de, no
máximo onze meses, podendo ser prorrogado por igual período, ressalvado o
disposto no parágrafo segundo deste artigo.
(...)
§ 2º - O prazo de
contratação de mão de obra para trabalhar em obra pública será fixada de acordo
com a duração desta, desde que não superior a 24 (vinte e quatro) meses;
(...)
ARTIGO 5° - As
contratações serão efetuadas pelo regime jurídico da C.L.T - Consolidação das
Leis do Trabalho.
(...)” (g.n.)
Os
dispositivos normativos transcritos são inconstitucionais por violação dos
arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO
ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
Os dispositivos normativos impugnados contrariam frontalmente
a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição
Federal.
Os preceitos da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144,
que assim estabelece:
“Artigo
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O art. 144 da
Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além
das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é
denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a
disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições
constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao
credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por
esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe
06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe
26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de contraste da lei
local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição
Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta
ação, o art. 115, II e X da Constituição Estadual.
A autonomia municipal é condicionada
pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei
Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido
pelo art. 144 da Constituição do Estado.
Eventual ressalva à
aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm
remissão expressa ao direito estadual.
Os atos normativos em questão
são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo
111 - A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo
115 - Para a organização da
administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou
de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado
em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de
contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”.
III. a) DESCRIÇÃO DE HIPÓTESES DE
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA QUE NÃO CARACTERIZAM EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
A expressão “comoção interna”
contida no inciso I e os
incisos II, III, V e VI, do art. 2º da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004,
arrolam hipóteses de contratação
por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público, que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição
Federal.
Com efeito, a contratação temporária de
profissionais nos casos de comoção interna
não
têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade e excepcionalidade e
constituem expressões amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram
efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro
constitucional.
A
contratação por tempo determinado, para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao
suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias
que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial
para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por
permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso
público para a contratação temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros
requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade
temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.
Tampouco
é possível afirmar aprioristicamente que as contratações por tempo determinado nos casos de campanha de saúde pública sejam hábeis para atendimento de necessidade de excepcional interesse
público. Tais situações não são suficientes por si próprias para indicar a
excepcionalidade da medida se não for agregada à insuficiência de recursos
humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública.
A
amplitude, a indeterminação, e a vagueza das expressões permitem aninhar em seu
pressuposto qualquer situação na área da saúde sem indicação de seu caráter
transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo
emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se
que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação
temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema
penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja
demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux,
28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
Idêntica premissa se estende à implantação de serviço urgente e
inadiável, execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade
esporádica, e execução direta de obra determinada. Mencionadas
hipóteses correspondem à atividade ordinária da Administração Pública, a ser
desempenhada pela mão-de-obra investida em cargos ou empregos públicos de seu
quadro de pessoal, sendo certo que a imprecisão das cláusulas não permite a
identificação da hipótese excepcional que justificaria sua realização por
servidores que não aqueles da Administração, uma vez que a simples alegação de
insuficiência de pessoal não é permissivo para a realização de contratação
temporária.
Destaque-se
que a adoção de cláusulas abertas para contratação temporária de servidores,
permitindo todo e qualquer preenchimento, não se coaduna com o disposto no art.
115, X da Constituição Estadual, porquanto também acaba por delegar ao
Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto
situações que legitimam a contratação temporária.
Regra
constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração
Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e
títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o
art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de
provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa
regra.
A
Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37,
IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e
excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de
necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.
Não
é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que
constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que
veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus
serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse
público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal,
notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a
impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e
ordinários de seu quadro de recursos humanos.
A
admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais,
urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades
administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou
empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas
constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos
que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade
temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público
(Manual de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
Repita-se,
por relevante, que a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas,
genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo
que seja possível conceber na excepcionalidade.
Em
outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse
público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas
comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos
Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A
admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de
pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e
presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo
atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto,
com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria
atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é
temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo
quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária,
mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido
o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
Por
fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal
Federal, nos seguintes termos:
“Recurso
extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do
Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso
processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por
tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional
interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e
regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da
Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso
provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos
efeitos.
1. O assunto
corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal
do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da
Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre
as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.
2. Prevalência da
regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As
regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na
Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.
3. O conteúdo
jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido,
ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que
se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos
excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja
predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja
excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a
contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam
estar sob o espectro das contingências normais da Administração.
4. É inconstitucional a lei municipal
em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição
constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como
objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles,
os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras
hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade,
proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição
Federal.” (REx n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)
III.
b) NECESSIDADE DE
PROCESSO SELETIVO
A
expressão “sempre que possível” contida
no §1º e o § 3º do art. 2º da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, também
apresentam vício de inconstitucionalidade.
Com
efeito, a redação atual do § 1º estabelece que as contratações deverão se
precedidas de processo seletivo “sempre que possível” e o § 3º dispensa o
procedimento quando a contratação for de caráter emergencial e desde que
fundamentado o interesse público.
Ora,
a lei em questão cuida de contratação emergencial em casos de excepcional
interesse público, de modo que o § 3º excepciona a exceção.
Além
disso, a contratação por período determinado, nos moldes do disposto no art.
115, X da Carta Estadual, deverá ser feita sempre
através de processo seletivo. A provisoriedade das contratações não
pode ser fundamento para se excluir a realização do processo seletivo, mesmo
que simplificado.
É necessário que haja um processo seletivo,
transparente e objetivo, em função da necessidade temporária de excepcional
interesse público, de modo que a possibilidade de sua exclusão também constitui
violação aos princípios de impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade e eficiência, constantes do art. 111 da Constituição Estadual.
III.
c ) PRAZO DE DURAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES
O caput do artigo 3º da lei local prevê que “a contratação será feita observando-se prazo determinado e compatível
com a situação de, no máximo 11 (onze) meses, podendo ser prorrogado por igual
período, ressalvado o disposto no parágrafo segundo deste artigo”.
Por seu turno, o § 2º do art. 3º estabelece que “o
prazo de contratação de mão de obra para trabalhar em obra pública será fixado
de acordo com a duração desta, desde que não superior a 24 (vinte e quatro)
meses”.
Ora,
admitir a duração máxima dos contratos por até 24 meses, foge da
excepcionalidade, notadamente se analisados os incisos I e IV do art. 2º,
porquanto situações como calamidade pública não são de efeitos prolongados no
tempo superior a 12 (doze) meses, e a necessidade de pessoal por conta de
vacância (saída voluntária ou dispensa do inciso IV) empenha, de imediato,
providências para substituição definitiva nas vagas.
Seria
inimaginável uma hipótese de calamidade pública com duração de dois anos. Não
se poder olvidar que o Município conta com seu quadro de cargos efetivos para
atender às demandas que sobrevierem e, além do mais, um ano é período
suficiente para a conclusão de concurso público a fim de prover novos
cargos.
De
outro lado, destaque-se que o artigo 2º da Lei em questão prevê, como
mencionado, no inciso IV, hipótese de contratação, não impugnada nessa ação,
para substituição de pessoal decorrente de afastamento transitório.
Trata-se
de hipótese em que a contratação temporária não será sucedida da realização de
um concurso público. De fato, imagine-se
um professor que tenha obtido uma licença para tratar assuntos
particulares pelo prazo de 2 anos. Durante esse período, será viável a
contratação temporária e a Administração Pública não terá interesse na realização
de concurso público para a referida função, na medida em que, findo o período
da licença, o servidor ocupante do cargo efetivo retornará.
Desse
modo, o caput do art. 3º da lei
municipal deve ser interpretado conforme a Constituição, a fim de que o prazo
ali previsto só alcance as hipóteses de contratação temporária derivadas das
hipóteses de afastamento transitório de funcionários, prevista no inciso IV do
art. 2º da Lei nº 1797/04. De outro lado, quando a contratação temporária se
der com fundamento em calamidade pública (inciso I) e saída voluntária ou dispensa (inciso IV),
ambos do art. 2º, a contratação temporária não poderá ter duração superior a 12
meses, tempo razoável para a realização do certame.
Nesse
sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3649-RJ,
Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.05.14.
Do
mesmo modo, ao estabelecer o prazo de até 24 (vinte e quatro) meses para contratação de mão de obra para
trabalhar em obra pública, o § 2º do art. 3º, permite que
referidas contratações se estendam por período excessivo, que não ostenta
qualquer razoabilidade, o que denota, ademais, nítida intenção de subversão à
regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos mediante
aprovação em prévio concurso público.
A
lei de regência da contratação temporária, além de descrever seus pressupostos
(as hipóteses abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período
necessário de vigência e eficácia da contratação, que deve ser curto (Odete
Medauar. Direito Administrativo Moderno,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270).
A
Suprema Corte deliberou que é razoável prazo de 12 (doze) meses:
“7) A realização de contratação
temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência
constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em
hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi
gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo
efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma
necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar
apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público,
ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
No
mesmo sentido, o Tribunal Paulista:
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º
(redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de
março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para
‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade.
Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse
público. Inconstitucionalidade, ainda,
da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses.
Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.).
Daí porque necessária a declaração de
inconstitucionalidade do §2º do art. 3º da Lei nº 1.797/04.
III. d) ADOÇÃO DO REGIME CELETISTA
Verifica-se que o art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município
de São Pedro do Turvo, submete os contratados por prazo determinado ao regime
celetista.
Ocorre
que a contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária
de excepcional interesse público é incompatível com o regime celetista na
Administração Pública, ante a transitoriedade inerente à contratação temporária
(art. 115, X, Constituição Estadual).
Isso
porque, o regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial
como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os
servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como
explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por
prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho
administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso,
‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de
emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX,
utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste
sentido:
“CONSTITUCIONAL.
RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES
PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No
julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer
interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que
inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas
instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por
típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei
amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes
figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre
contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental
prejudicado” (RTJ 209/1084).
“Conflito de
competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos
pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a
incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na
hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal
no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado
para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público.
Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5.
Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).
No mesmo sentido
discorre a doutrina:
“Ora, a Constituição de
1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que
a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual
e bilateral) que domina os empregos públicos.
O art. 37, IX, impõe um
regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não
que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se
confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal),
estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor
temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.
Se ao agente público não
se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de
provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que
os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é
contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos
regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria
necessidade de referência à lei específica.
É essa menção à lei
específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário
geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo
especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí
decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a
essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime
celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de
expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se
interditada.
Como a União é detentora
exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I,
Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam
impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de
contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias
constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna.
Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação
temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes
franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que
abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a
impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção
do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva
Martins Junior. Contratação por prazo
determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).
Desta
forma, necessária a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º, da Lei nº
1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo.
III – Pedido
Face ao exposto, requerendo o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “comoção interna” contida no inciso I, dos incisos II, III, V
e VI, da expressão “sempre que possível” contida no § 1º e do §3º do art. 2º,
do caput
e do § 2º do art. 3º e do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de
2004, do Município de São Pedro do Turvo.
Requer-se ainda sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São
Pedro do Turvo, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente,
para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 23 de junho de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/dcm
Protocolado
n. 25.215/17
Interessado: Promotoria
de Justiça de Santa Cruz do Rio Pardo
Assunto: Ação de
Constitucionalidade
1. Distribua-se a petição inicial
da ação direta de inconstitucionalidade da expressão “comoção interna” contida
no inciso I, dos incisos II, III, V e VI, da expressão “sempre que possível”
contida no § 1º e do §3º do art. 2º, do caput
e do § 2º do art. 3º e do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de
2004, do Município de São Pedro do Turvo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo,
23 de junho de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo/dcm