Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 25.215/17

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. Prazo de duração excessivo. Necessidade de interpretação conforme. Sujeição ao regime jurídico celetista. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento (art. 115, X CE/89 e art. 37, IX CF/88). A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade e a possibilidade de prorrogação contratual burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89). 2. Tampouco é razoável a duração de contratos temporários por prazo de até 24 (vinte e quatro meses) para obras públicas, conforme previsto no §2º do art. 3º. 3. Necessidade de interpretação conforme a Constituição do caput do art. 3º, para que nos casos de saída voluntária ou dispensa (inciso IV), a contratação não poderá ter duração superior a 12 meses, tempo razoável para realização de certame, remanescendo o prazo total de até 22 (vinte dois) meses para as demais hipóteses de contratação temporária. 4. A par da excepcionalidade da medida a contratação temporária deverá ser feita sempre por processo seletivo (art. 115, II, da CE/89). 5. Sujeição dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89).

 

 

 

 

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “comoção interna” contida no inciso I, dos incisos II, III, V e VI, da expressão “sempre que possível” contida no § 1º e do §3º do art. 2º, do caput e do § 2º do art. 3º e do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

                  A Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo, que “Disciplina a contratação de pessoal em caráter temporário e dá providências”, prevê no que interessa:

“(...)

ARTIGO 2º - Em caráter excepcional, para atender situação de especial interesse público, nos termos do que estabelece o Artigo 37, inciso IX da Constituição Federal, poderá o Poder Público Municipal contratar, por tempo determinado, para atender as necessidades de mão de obra, nos seguintes casos:

I - calamidade pública ou comoção interna;

II - campanha de saúde pública;

III - implantação de serviço urgente e inadiável;

IV - saída voluntária, dispensa ou afastamento transitório de funcionários ou servidores, cuja ausência possa prejudicar sensivelmente os serviços;

V - execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica;

VI - execução direta de obra determinada;

§ 1º - As contratações que tiverem origens nas causas supra estabelecidas de II a VI, deverão, sempre que possível, ser precedidas de processo seletivo, que será regulamentado por decreto.

(...)

§ 3º - Em qualquer das hipóteses do "caput", em caráter emergencial, devidamente fundamentado o interesse público, poderá ser dispensado o processo seletivo.

(...)

ARTIGO 3º - A contratação será feita observando-se prazo determinado e compatível com a situação de, no máximo onze meses, podendo ser prorrogado por igual período, ressalvado o disposto no parágrafo segundo deste artigo.

(...)

§ 2º - O prazo de contratação de mão de obra para trabalhar em obra pública será fixada de acordo com a duração desta, desde que não superior a 24 (vinte e quatro) meses;

(...)

ARTIGO 5° - As contratações serão efetuadas pelo regime jurídico da C.L.T - Consolidação das Leis do Trabalho.

(...)” (g.n.)

Os dispositivos normativos transcritos são inconstitucionais por violação dos arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.              

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

            Os dispositivos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

            Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, II e X da Constituição Estadual.

                   A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

                   Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

                   Os atos normativos em questão são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

                                   (...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

III. a) DESCRIÇÃO DE HIPÓTESES DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA QUE NÃO CARACTERIZAM EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

A expressão “comoção interna” contida no inciso I e os incisos II, III, V e VI, do art. 2º da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, arrolam hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.

         Com efeito, a contratação temporária de profissionais nos casos de comoção interna não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade e excepcionalidade e constituem expressões amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.

         A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.

         Tampouco é possível afirmar aprioristicamente que as contratações por tempo determinado nos casos de campanha de saúde pública sejam hábeis para atendimento de necessidade de excepcional interesse público. Tais situações não são suficientes por si próprias para indicar a excepcionalidade da medida se não for agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública.

         A amplitude, a indeterminação, e a vagueza das expressões permitem aninhar em seu pressuposto qualquer situação na área da saúde sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

         Idêntica premissa se estende à implantação de serviço urgente e inadiável, execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica, e execução direta de obra determinada. Mencionadas hipóteses correspondem à atividade ordinária da Administração Pública, a ser desempenhada pela mão-de-obra investida em cargos ou empregos públicos de seu quadro de pessoal, sendo certo que a imprecisão das cláusulas não permite a identificação da hipótese excepcional que justificaria sua realização por servidores que não aqueles da Administração, uma vez que a simples alegação de insuficiência de pessoal não é permissivo para a realização de contratação temporária.

Destaque-se que a adoção de cláusulas abertas para contratação temporária de servidores, permitindo todo e qualquer preenchimento, não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição Estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação temporária.

Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

A Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.

Não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.

A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

Repita-se, por relevante, que a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade.

Em outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

         A admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REx n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)    

III. b) NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO

A expressão “sempre que possível” contida no §1º e o § 3º do art. 2º da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, também apresentam vício de inconstitucionalidade.

Com efeito, a redação atual do § 1º estabelece que as contratações deverão se precedidas de processo seletivo “sempre que possível” e o § 3º dispensa o procedimento quando a contratação for de caráter emergencial e desde que fundamentado o interesse público.

Ora, a lei em questão cuida de contratação emergencial em casos de excepcional interesse público, de modo que o § 3º excepciona a exceção.

Além disso, a contratação por período determinado, nos moldes do disposto no art. 115, X da Carta Estadual, deverá ser feita sempre através de processo seletivo. A provisoriedade das contratações não pode ser fundamento para se excluir a realização do processo seletivo, mesmo que simplificado.

É necessário que haja um processo seletivo, transparente e objetivo, em função da necessidade temporária de excepcional interesse público, de modo que a possibilidade de sua exclusão também constitui violação aos princípios de impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade e eficiência, constantes do art. 111 da Constituição Estadual.

III. c ) PRAZO DE DURAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES

O caput do artigo 3º da lei local prevê que “a contratação será feita observando-se prazo determinado e compatível com a situação de, no máximo 11 (onze) meses, podendo ser prorrogado por igual período, ressalvado o disposto no parágrafo segundo deste artigo”.

Por seu turno, o § 2º do art. 3º estabelece que “o prazo de contratação de mão de obra para trabalhar em obra pública será fixado de acordo com a duração desta, desde que não superior a 24 (vinte e quatro) meses”.

Ora, admitir a duração máxima dos contratos por até 24 meses, foge da excepcionalidade, notadamente se analisados os incisos I e IV do art. 2º, porquanto situações como calamidade pública não são de efeitos prolongados no tempo superior a 12 (doze) meses, e a necessidade de pessoal por conta de vacância (saída voluntária ou dispensa do inciso IV) empenha, de imediato, providências para substituição definitiva nas vagas.

Seria inimaginável uma hipótese de calamidade pública com duração de dois anos. Não se poder olvidar que o Município conta com seu quadro de cargos efetivos para atender às demandas que sobrevierem e, além do mais, um ano é período suficiente para a conclusão de concurso público a fim de prover novos cargos.  

De outro lado, destaque-se que o artigo 2º da Lei em questão prevê, como mencionado, no inciso IV, hipótese de contratação, não impugnada nessa ação, para substituição de pessoal decorrente de afastamento transitório.

Trata-se de hipótese em que a contratação temporária não será sucedida da realização de um concurso público. De fato, imagine-se  um professor que tenha obtido uma licença para tratar assuntos particulares pelo prazo de 2 anos. Durante esse período, será viável a contratação temporária e a Administração Pública não terá interesse na realização de concurso público para a referida função, na medida em que, findo o período da licença, o servidor ocupante do cargo efetivo retornará.

Desse modo, o caput do art. 3º da lei municipal deve ser interpretado conforme a Constituição, a fim de que o prazo ali previsto só alcance as hipóteses de contratação temporária derivadas das hipóteses de afastamento transitório de funcionários, prevista no inciso IV do art. 2º da Lei nº 1797/04. De outro lado, quando a contratação temporária se der com fundamento em calamidade pública (inciso I)  e saída voluntária ou dispensa (inciso IV), ambos do art. 2º, a contratação temporária não poderá ter duração superior a 12 meses, tempo razoável para a realização do certame.

Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3649-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.05.14.

Do mesmo modo, ao estabelecer o prazo de até 24 (vinte e quatro) meses para contratação de mão de obra para trabalhar em obra pública, o § 2º do art. 3º, permite que referidas contratações se estendam por período excessivo, que não ostenta qualquer razoabilidade, o que denota, ademais, nítida intenção de subversão à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos mediante aprovação em prévio concurso público.

A lei de regência da contratação temporária, além de descrever seus pressupostos (as hipóteses abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período necessário de vigência e eficácia da contratação, que deve ser curto (Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270).

A Suprema Corte deliberou que é razoável prazo de 12 (doze) meses:

“7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.).

Daí porque necessária a declaração de inconstitucionalidade do §2º do art. 3º da Lei nº 1.797/04.

III. d) ADOÇÃO DO REGIME CELETISTA

         Verifica-se que o art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo, submete os contratados por prazo determinado ao regime celetista.

         Ocorre que a contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público é incompatível com o regime celetista na Administração Pública, ante a transitoriedade inerente à contratação temporária (art. 115, X, Constituição Estadual).

         Isso porque, o regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:

“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).

“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).

No mesmo sentido discorre a doutrina:

“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.

O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.

Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei específica.

É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.

Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).

            Desta forma, necessária a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo.

III – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “comoção interna” contida no inciso I, dos incisos II, III, V e VI, da expressão “sempre que possível” contida no § 1º e do §3º do art. 2º, do caput e do § 2º do art. 3º e do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Pedro do Turvo, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 23 de junho de 2017.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 25.215/17

Interessado: Promotoria de Justiça de Santa Cruz do Rio Pardo

Assunto: Ação de Constitucionalidade

 

 

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da expressão “comoção interna” contida no inciso I, dos incisos II, III, V e VI, da expressão “sempre que possível” contida no § 1º e do §3º do art. 2º, do caput e do § 2º do art. 3º e do art. 5º, da Lei nº 1.797, de 17 de agosto de 2004, do Município de São Pedro do Turvo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 23 de junho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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