EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 52.417/2017

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto que Dispõe sobre a incorporação de gratificação dos servidores efetivos e dá outras providências.

2)      Incorporação de gratificação julgada inconstitucional. Exclusão da possibilidade de incorporação das gratificações recebidas pelos profissionais da saúde. Violação aos princípios da impessoalidade, moralidade e da isonomia. (art. 111 caput e art. 124, § 1º da Constituição Estadual e art. 5, I da Constituição Federal).

3)      Norma que confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheada aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos. (art. 111, 128 e 144, da Constituição Estadual).

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 52.417/2017, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Prefeito Municipal de Elias Fausto.

A Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto que Dispõe sobre a incorporação de gratificação dos servidores efetivos e dá outras providências, tem a seguinte redação:

“(...)

(...)

A Lei Complementar nº 080/2016, do Município de Elias Fausto é inconstitucional por violar os princípios da impessoalidade, moralidade, isonomia e por deferir incorporação de gratificação aos vencimentos sem estar motivado pelo interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

2. DA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 111 E 128 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

A incorporação de gratificação recebida por apenas 12 meses é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”

Inicialmente oportuno ressaltar que nos termos da justificativa do Projeto da Lei Complementar nº 80/2016, ficou consignado que a mesma tinha por objeto regularizar a situação legal dos servidores públicos municipais em virtude da declaração da inconstitucionalidade do art. 35  da Lei nº 1.751/1991 (ADIn nº 2145442-41.2015.8.26.0000), que previa o pagamento de gratificação aos funcionários efetivos que ocupassem cargos de provimento em comissão. Sustentou-se que seria necessária a incorporação da gratificação que já vinha sendo recebida pelos servidores efetivos, a fim de se evitar-lhes prejuízo a estes servidores (fl. 81).

Está evidente a inconstitucionalidade, uma vez que se garantiu a incorporação de gratificação inconstitucional exclusivamente a determinados servidores que exerceram cargos de provimento em comissão pelo período mínimo de 12 meses.

A propósito da inconstitucionalidade instituída pelo art. da Lei nº 1.751/1991, extrai-se do v. acórdão da ADIn nº 2145442-41.2015.8.26.0000 a seguinte fundamentação:

Por sua vez, cumpre reconhecer também a inconstitucionalidade do art. 35 da Lei 1.751/91, que assim estabelece:

"Art. 35 – Fica o Poder Executivo autorizado a conceder aos servidores que vierem a desempenhar Função Gratificada, na forma do artigo anterior, um acréscimo salarial de até 100% (cem por cento), incidente sobre o respectivo padrão do servidor designado.

Parágrafo único – O pagamento com acréscimo salarial decorrente do exercício de Função Gratificada, será realizado em parcela destacada."

A vantagem em tela, à toda evidência, não atende o interesse público e as exigências do serviço público e contraria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, violando os artigos111 e 128 da CE.

Segundo as informações prestadas pela Prefeitura, o servidor que realiza Função Gratificada executa trabalhos extraordinários, permanecendo de manhã até a noite em serviço, viajando constantemente à cidade de São Paulo e a outros lugares, atendendo à população e aos vereadores, tudo isso além dos seus encargos normais.

Disso se depreende que tal servidor exerce cargo comissionado. Portanto, é da natureza de sua função que não se subordine a jornada fixa de trabalho, permanecendo à disposição do agente a que se destinam suas atribuições. Por esse motivo já auferem remuneração diferente, normalmente superior à dos demais cargos, e não percebem hora extra, tampouco gratificação, bonificação ou qualquer outra vantagem por dedicação exclusiva.

No caso, percebe-se que a gratificação tem a finalidade concreta de conceder aumento de remuneração para este grupo de servidores municipais.

Destarte, é certo que a concessão de vantagem pecuniária nessas circunstâncias não atende ao interesse pecuniário de uma parcela dos funcionários públicos municipais, não traz qualquer benefício para o serviço a ser prestado à população

Ora, se reconheceu que a gratificação prevista no art. 35 da Lei 1.751/91, do Município de Elias Fausto, não atendia ao interesse público, tampouco às exigências do serviço, o mesmo ocorre com a incorporação aos vencimentos da referida gratificação, o que buscou especificamente a Lei ora impugnada, conforme evidenciado em sua justificativa.

Sabe-se que as vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

Oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

Na espécie, houve transgressão aos princípios da moralidade e da impessoalidade, cunhados no art. 111 da Constituição Paulista.

A possibilidade de incorporação de gratificação, já declarada inconstitucional, por servidor efetivo que a recebeu por 12 meses não se amolda às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que são permeáveis a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.

Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.

Desta forma, o ato normativo impugnado tem o objetivo de beneficiar de forma exclusiva os servidores públicos que exerceram por 12 meses cargos de provimento em comissão. A incorporação foi criada exclusivamente para a função gratificada declarada inconstitucional.

O ato normativo longe está de ser genérico e impessoal, pois busca sem qualquer justificativa razoável, beneficiar determinados e específicos servidores, conferindo-lhes tratamento desigualitário, imoral, desarrazoado, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.

O princípio da impessoalidade não é senão manifestação típica do princípio da igualdade (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, "O conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade",  p. 68). 

Olvidou-se o legislador que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, Malheiros, São Paulo, 1995, 3.ª ed., p. 10).

Em artigo sobre o princípio da igualdade, Fábio Konder Comparato anota que “a força desse princípio impõe-se não só ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio legislador. Em outras palavras, quando a Constituição consagra a igualdade, ela está proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado, pois, de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei, o que é muito mais grave.” (Cf. “Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica”, Editora Revista dos Tribunais, ano 87, v. 750, abril de 1998, pp. 11/19).

Esclarece o indigitado jurista que esse vício de inconstitucional desigualdade da própria lei pode ocorrer de duas formas. Haverá, de modo absoluto, uma infração ao princípio de igualdade, quando a lei for editada, explícita ou implicitamente, para regular um só caso individual. Diversamente, a desigualdade será relativa, quando a lei determinar, de modo arbitrário, a diferenciação ou a identificação de situações jurídicas, vale dizer, quando tratar desigualmente os iguais ou igualmente os desiguais (ob. e loc. cits.).

A propósito, recorda Celso Antônio Bandeira de Mello, que “a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis (...) O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia” (Curso de direito administrativo, 12ªed., 2ªtir., São Paulo, Malheiros, 2000, p.84).

Da violação do princípio da impessoalidade também advém o vício do ato normativo impugnado, pois conforme explícito na justificativa do projeto visou evitar prejuízo aos servidores municipais decorrentes da declaração de inconstitucionalidade de gratificação por eles recebida.

Flagrante também a violação ao princípio da moralidade, haja vista que o ato normativo teve por objetivo efetivar e eternizar, através da incorporação, o recebimento de gratificação declarada inconstitucional por não atendimento ao interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

Tal conduta foge dos parâmetros de honestidade, justiça, retidão, equilíbrio, boa fé, ética das instituições, pois visou contornar decisão judicial que declarou inconstitucional a gratificação de função.

Para Helly Lopes Meirelles, a moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração". Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – 'non omne quod licet honestum est'. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum.(...) O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima." (Direito Administrativo Brasileiro. 15ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 79-80)

A propósito do princípio da moralidade a Profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que:

"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna." (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 111,

Em verdade, todo ato administrativo e todos os demais princípios da administração pública devem estar pautados pelo princípio da moralidade que também norteia a atividade legislativa. Neste sentido, a lição lapidar de Cármen Lúcia Antunes Rocha, ministra do Supremo Tribunal Federal:

"O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa." (Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. pp. 213-214.)

3. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A violação ao princípio da isonomia é flagrante na medida em que a própria lei afasta a possibilidade de incorporação as gratificações recebidas pelos profissionais da saúde (art. 1º, § 1º).

Tal discriminação, não razoável, é ofensiva ao princípio da igualdade (art. 5º da CF) e ao princípio da isonomia do regime remuneratório dos servidores públicos (art. 124, § 1º da Constituição Estadual) que estabelece que:

(...)

Artigo 124 - Os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público terão regime jurídico único e planos de carreira.

§1º - A lei assegurará aos servidores da administração direta isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder, ou entre servidores dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

O princípio da igualdade, em sua verdadeira acepção, significa tratar igualmente situações iguais, e de forma diferenciada situações desiguais.

Daí ser possível aduzir que viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas.

Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35).

Esse é o sentido do princípio da isonomia, salientado por José Afonso da Silva, ao afirmar que “a realização da igualdade perante a justiça, assim, exige a busca da igualização de condições dos desiguais” (Curso de direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 215).

A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

Além disso, no constitucionalismo moderno “a função de impulso e a natureza dirigente do princípio da igualdade aponta para as leis como um meio de aperfeiçoamento da igualdade através da eliminação das desigualdades fácticas” (J.J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 2ª ed., Coimbra editora, 2001, p. 383).

O que o princípio em verdade veda é que a lei vincule uma “consequência a um fato que não justifica tal ligação”, pois o vício de inconstitucionalidade por violação da isonomia deve incidir quando a norma que promove diferenciações sem que haja “tratamento razoável, equitativo, aos sujeitos envolvidos” (Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 18ª ed. São Paulo, Saraiva, 1997, p. 181/182).

A valoração daquilo que constitui o conteúdo jurídico do princípio constitucional da igualdade, ou seja, a vedação de uma “regulação desigual de fatos iguais”, deve ser realizada caso a caso, com base na razoabilidade e proporcionalidade na análise dos valores envolvidos, pois “não há uma resposta de uma vez para sempre estabelecida” (cf. Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, tradução da 20ª ed. alemã, por Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 330/331).

Em outras palavras, além do aspecto negativo do princípio, como vedação de tratamento desigual a situações e pessoas em condição similar, traz conotação positiva, para conceder ao legislador a missão de, pela elaboração normativa, com parâmetro nos obstáculos e nas desigualdades reais, equiparar, ou equilibrar situações, materializando efetivamente o conteúdo concreto da isonomia. Pela elaboração normativa, o legislador poderá afastar óbices de qualquer ordem que limitem a aproximação efetiva daqueles que se encontram sob a égide do ordenamento jurídico (cf. Paolo Biscaretti Di Ruffia, Diritto constituzionale, XV edizione, Napoli, Jovene, 1989, p. 832).

No caso em análise, o ato normativo que objetivou assegurar incorporação da gratificação prevista no art. 35 da Lei 1.751/91, declarada inconstitucional, não bastasse a violação aos princípios da impessoalidade e moralidade, estabeleceu  critério de diferenciação não amparado por fundamento sério e razoável e  sem qualquer sentido legítimo.

Correto concluir, assim, que, tendo o legislador tratado de forma diversa a possibilidade de incorporação de gratificação, buscando privilegiar determinados servidores,  violou o princípio da isonomia.

5.  DOS PEDIDOS

a. Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na percepção de remuneração à custa do erário.

À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto.

b. Do Pedido Principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Elias Fausto, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 03 de julho de 2017.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca

 

 


Protocolado nº 52.417/2017

Assunto: Apurar eventual inconstitucionalidade da      Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto que Dispõe sobre a incorporação de gratificação dos servidores efetivos e dá outras providências.

 

 

 

1.                Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar nº 080, de 04 de abril de 2016, do Município de Elias Fausto que Dispõe sobre a incorporação de gratificação dos servidores efetivos e dá outras providências.

2.                 Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 03 de julho de 2017.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca