EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 6.993/2017

 

                                              

 

 

Ementa:

1.      Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, do Município de Santa Bárbara d´Oeste, responsável por incluir o parágrafo único ao art. 438 da Lei nº 2.402 de 07 de janeiro de 1999, daquela localidade, que dispensa os templos religiosos da apresentação de projeto específico para fins de obtenção de Alvará de Funcionamento.  

2.      Norma que não submete às regras do ordenamento urbanístico os templos religiosos. Discriminação alheia aos parâmetros de razoabilidade e interesse público. Violação ao princípio da razoabilidade e do ordenamento urbanístico (arts 111, 144 e 180, I e V da Constituição Estadual).

3.      Violação ao princípio da impessoalidade. Atividade legislativa teve por escopo beneficiar estabelecimentos e atividades religiosas plenamente identificáveis. Tratamento diferenciado em detrimento do interesse público. Ausência de justificativa razoável.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 6.993/2017), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, do Município de Santa Bárbara d´Oeste, que “Dispõe sobre a dispensa de apresentação de projeto específico para a expedição de alvará de funcionamento de templos religiosos de qualquer culto, acrescentando parágrafo único ao artigo 438 da Lei 2.402 de 7 de janeiro de 1999, que dispõe sobre o Código de Obras e Urbanismo do Município de Santa Bárbara d´Oeste”, assim estabelece (fl. 71):

 Art. 1 - O art. 438 da Lei 2.402 de 7 de janeiro de 1999 passa a vigorar com acréscimo do seguinte parágrafo único:

Art. 438 - (...)

Parágrafo Único - Para fins de obtenção de alvará de funcionamento, os templos religiosos de qualquer culto ficam dispensados da apresentação do projeto específico de que trata o caput deste artigo, desde que se trate de imóvel alugado e mediante a apresentação do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, sem prejuízo de outros requisitos previstos nas legislações federal e estadual.

Art. 2º - As despesas para execução desta lei correrão por conta de dotações específicas, consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Art. 3º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”. (sic)

         A propósito, o art. 438 da Lei nº 2.402, de 07 de janeiro de 1999, que “Dispõe sobre o Código de Obras e Urbanismo do Município de Santa Bárbara d´Oeste”, dispõe (http://consulta.siscam.com.br/camarasantabarbara/arquivo?Id=50651 - fls. 76):

Art. 438 - As construções que abriguem com probabilidade de ocorrência de:

- periculosidade = risco de impacto ambiental; nocividade = vibração, ruído e exalação de odores fora dos limites da construção; incomodidade = movimentação de pessoas e tráfego de veículos, deverão adequar-se com aprovação de projeto específico, bem como a execução dos mesmos.

(...)”. (sic - grifo nosso)

A Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste, que, ao incluir o parágrafo único ao art. 438 da Lei nº 2.402, de 07 de janeiro de 1999, daquela localidade, dispensou os templos religiosos do cumprimento de requisitos necessários à expedição de Alvará de Licença e Funcionamento, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.                O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade.

A lei impugnada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;  

(...)”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo” (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Importante ressaltar que a autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

Assim, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, os arts. 111 e 180, I e V, da Constituição Estadual, importante ressalvar os seguintes dispositivos da Constituição Federal que devem ser observados na atividade legislativa municipal, em decorrência da possibilidade de seu contraste com o art. 144 da Constituição Estadual:

Art. 30. Compete aos Municípios:

(...)

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

(...)

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

(...)”

 

3.     DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO ORDENAMENTO URBANÍSTICO.

De proêmio, cumpre ressaltar que o Alvará a que alude a lei impugnada é uma licença concedida pelo Município permitindo a localização e o funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais, agrícolas, prestadores de serviços, bem como de sociedades, instituições e associações de qualquer natureza, vinculadas a pessoas físicas ou jurídicas.

Todo e qualquer imóvel que tenha uso Não-Residencial deverá ser licenciado mediante Auto de Licença de Funcionamento. É da natureza deste ato administrativo a observância das regras do ordenamento urbanístico.

No que é relevante à presente ação, a lei impugnada dispensou os templos religiosos da apresentação de projetos específicos capazes de embasar tecnicamente a expedição dos respectivos Alvarás de Funcionamento, sem planejamento técnico e fundamentação razoável no processo legislativo, de modo contrário ao ordenamento constitucional vigente.

Para o adequado ordenamento territorial, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes, é imprescindível que as normas urbanísticas sejam observadas integralmente por todos.

Não é aceitável que, apenas pela natureza da atividade desenvolvida, possam os estabelecimentos religiosos ser instalados em qualquer lugar do Município sem controle adequado e suficiente do uso do solo urbano.

Assim, a Lei nº 3.875/2016, de Santa Barbara d´Oeste, editada em afronta ao pleno desenvolvimento urbano, especialmente quanto à ordenação das funções sociais da cidade e à garantia do bem-estar de seus habitantes, desrespeitou os princípios do ordenamento urbanístico traçados na Constituição Estadual e Federal.

Basta lembrar que a realização de cultos religiosos produz ruídos, acarreta o aumento do tráfego na região e enseja a reunião de pessoas nos espaços que lhes forem destinados, os quais devem apresentar condições apropriadas de segurança, salubridade e conforto, apreciadas no bojo da competente licença de funcionamento e dos projetos específicos que devem fundamentá-la. De modo algum, tais exigências importam em violação ao art. 5º, VI, da Constituição Federal.

 No mais, a necessidade de planejamento urbanístico, que se extrai das normas existentes na Constituição Federal e Estadual, deve ser observada na edição de leis relacionadas ao uso do solo, o que notadamente não ocorreu no processo legislativo que culminou na elaboração da lei em análise.

Nos termos dos art. 180, II, e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada o uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.) deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, razão pela qual a dispensa de apresentação de projetos específicos para a expedição de Alvará de Licença e Funcionamento, facilitando a sua expedição, sem maiores rigores e em detrimento dos demais estabelecimentos locais, viola o princípio do ordenamento urbanístico.

Em decorrência dos dispositivos constitucionais apontados pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (art. 48, IV, 182 CF e art. 180, II, da CE). Tornou imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo. (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).”

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que têm por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o zoneamento seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

O zoneamento, como atividade urbanística, busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que a delimitação das zonas, sua localização e área com definição dos usos e restrições urbanísticas, dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

Como instrumento legal urbanístico, o zoneamento deve ser estruturado, sistematizado, para que possa proporcionar o adequado e sustentável crescimento da cidade tendo sempre em vista o bem-estar da comunidade.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo nessa matéria, como se verifica na lei objeto desta ação, não é em hipótese alguma admissível.

Não se permite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampada no mapa de zoneamento e nas demais normas urbanísticas municipais. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, através da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, para fins de elaboração e aprovação da Lei do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano, pois qualquer iniciativa parlamentar poderia redundar na completa alteração de tudo o quanto planejado e decidido até então.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29). (grifo nosso)

No caso em tela, a dispensa de apresentação de projeto específico para obtenção do Alvará de Licença e Funcionamento conferida aos templos religiosos viola os princípios constitucionais do ordenamento urbanístico, uma vez que a novel legislação foi destituída de planejamento abalizado e de qualquer subsídio técnico que a justificasse, como se depreende do respectivo processo legislativo (fls. 49/65).

O referido diploma legal traz inegável e direta interferência no zoneamento e no planejamento urbano do município, comprometendo o crescimento e ocupação organizados da cidade e de seus espaços.

Não é demais repetir que a possibilidade da instalação de templos religiosos pode trazer consequências danosas ao ordenamento urbanístico, tais como problemas para o tráfego e aumento de ruído na região, com a consequente diminuição da qualidade de vida que se busca evitar, sem contar na necessidade de preservar a segurança das pessoas que frequentarão os aludidos locais.

Com a dispensa do projeto específico destinado a analisar pormenorizadamente tais fatores, a expedição de Alvará de Licença e Funcionamento resta comprometida e se torna requisito meramente formal.

Daí porque é insuficiente a singela apresentação do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros para fundamentar a expedição de Alvará de Licença e Funcionamento, sendo indiferente, outrossim, o fato do imóvel ser alugado, tal como previsto na nova redação conferida ao art. 438 da Lei nº 2.402/1999 pela Lei nº 3.875/2016, de Santa Bárbara d´Oeste.

Inclusive, a licença de ocupação, conhecida como habite-se, está nitidamente vinculada ao Alvará de Licença e Funcionamento, na medida em que a mudança da ocupação ou uso exige o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, documento emitido pelo Corpo de Bombeiros, certificando sobre uma licença que, durante a vistoria, a edificação possuía as condições de segurança contra incêndio previsto pela legislação e constantes no processo, estabelecendo um período de revalidação.

Em suma, a transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso que devem ser observados por todos.

Assim, os princípios constitucionais do ordenamento urbanístico não foram observados pelo legislador municipal, sendo, portanto, a lei impugnada inconstitucional por violação aos artigos 180, “caput” e inciso II, e 181, “caput” e § 1º, ambos da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, aos princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, “caput” e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

4. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

Além das razões de inconstitucionalidade mencionadas alhures, o ato normativo impugnado contraria o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

A dispensa conferida aos templos religiosos quanto à apresentação de projetos específicos para obtenção do alvará de Licença e Funcionamento não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos estabelecimentos beneficiados; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público, pois as normas urbanísticas devem ser de observância geral, em atenção ao ordenamento territorial e à garantia de bem estar dos habitantes da urbe; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois não traz, sob a ótica do interesse público, qualquer benesse à Administração.

Inexiste, de fato, fundamento ponderável para dispensar os estabelecimentos religiosos de observarem regras que buscam o controle do uso do solo urbano e normas de segurança e qualidade de vida, e imponíveis a todos - em nítida violação ao princípio da razoabilidade.

5. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE.

O fundamento das normas urbanísticas há de ser sempre o de atender às necessidades prioritárias da comunidade, por este motivo, não deverá nem poderá ter outros fundamentos, isto é, visar a satisfação pessoal ou política dos membros do Legislativo.

O ato normativo questionado deliberadamente privilegiou as atividades religiosas, violando o princípio da impessoalidade, adotado expressamente no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37, “caput”, da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Bandeirante.

Na justificativa do projeto de originou a Lei nº 3.875/2016, de Santa Bárbara d´Oeste, constou expressamente (fls. 50):

“O presente projeto tem por finalidade desburocratizar a expedição de alvará de funcionamento aos templos religiosos de qualquer culto no Município de Santa Bárbara d´oeste, dispensado a elaboração de projeto específico de que trata o artigo 438 do Código Municipal de Obras e Urbanismo, desde que haja a apresentação exclusivamente, do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros.

O Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros supre as exigências previstas no caput do artigo 438 do Código Municipal de Obras e Urbanismo, e, exigir este projeto específico apenas trata de providencia em duplicidade desprovido de qualquer sentido ou necessidade, que acarreta a demora na expedição de alvará e geram custos desnecessários aos interessados, o que inviabiliza o direito constitucional de crença dos munícipes previsto no inciso VI, do artigo 5º da Constituição Federal.”. (grifo nosso)

De fato, a modificação teve por escopo beneficiar determinados estabelecimentos e atividades religiosas, cujos interessados, embora aqui não tenham sido identificados (até por que a investigação de fatos extrapola os limites do processo objetivo de controle de normas), são identificáveis.

Destarte, o dispositivo normativo impugnado violou o princípio da impessoalidade, que não é senão manifestação típica do princípio da  igualdade (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, "O conteúdo Jurídico  do  Princípio da Igualdade",  p. 68). Olvidou-se o legislador que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, Malheiros, São Paulo, 1995, 3.ª ed., p. 10).

Em artigo sobre o princípio da igualdade, Fábio Konder Comparato anota que “a força desse princípio impõe-se não só ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio legislador. Em outras palavras, quando a Constituição consagra a igualdade, ela está proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado, pois, de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei, o que é muito mais grave.” (Cf. “Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica”, Editora Revista dos Tribunais, ano 87, v. 750, abril de 1998, pp. 11/19).

Esclarece o indigitado jurista que esse vício de inconstitucionalidade pode ocorrer de duas formas. Haverá, de modo absoluto, uma infração ao princípio de igualdade quando a lei for editada, explícita ou implicitamente, para regular um só caso individual. Diversamente, a desigualdade será relativa, quando a lei determinar, de modo arbitrário, a diferenciação ou a identificação de situações jurídicas, vale dizer, quando tratar desigualmente os iguais ou igualmente os desiguais (ob. e loc. cits.).

A propósito, recorda Celso Antônio Bandeira de Mello, que “a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis (...) O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia” (Curso de direito administrativo, 12ªed., 2ªtir., São Paulo, Malheiros, 2000, p.84).

Em outras palavras, as normas urbanísticas não se prestam à satisfação pessoal ou política dos membros do Legislativo, devem sempre visar atender as necessidades prioritárias da comunidade.

Daí também advém o vício do ato normativo impugnado, sendo imperiosa a declaração de sua inconstitucionalidade.

6. DO PEDIDO LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da lei em exame.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que as alterações promovidas por meio da Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste, na Lei que dispõe sobre o Plano Diretor local, padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia da lei questionada, subsistirá a sua aplicação, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem-estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já eventualmente se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste.

4.     DO PEDIDO.

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste.  

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Santa Bárbara d´Oeste, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 18 de julho de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

ef/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Protocolado nº 6.993/2017

Interessado: Sr. Eduardo Banks dos Santos Pinheiro

Assunto: análise de eventual inconstitucionalidade da Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste.

 

 

         1. Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face da Lei nº 3.875, de 14 de outubro de 2016, de Santa Bárbara d´Oeste.

         2.  Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da         ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 18 de julho de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

ef/mjap