Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 30.359/2017

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.717, de 17 de outubro de 2014, com redação dada pelas Leis nº 5.785, de 17 de junho de 2015, e nº 5.945, de 20 de julho de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba.

2)      Empregos públicos de provimento em comissão de Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação, Chefe de Divisão de Recursos Humanos, Chefe de Divisão de Comunicação, Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria e Tesoureiro que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança (arts. 111, 115, I, II e V, e art. 144, CE/89).

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face das expressões “Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Divisão de Comunicação”, “Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria” e “Tesoureiro” contidas no Anexo III, da Lei nº 5.717, de 17 de outubro de 2014, com redação dada pelas Leis nº 5.785, de 17 de junho de 2015, e nº 5.945, de 20 de julho de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba, pelos fundamentos a seguir expostos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei nº 5.717, de 17 de outubro de 2014, do Município de Pindamonhangaba, “Dispõe sobre a Estrutura Administrativa da Câmara Municipal de Pindamonhangaba” (na redação dada pelas Leis nº 5.785, de 17 de junho de 2015, e nº 5.945, de 20 de julho de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba), assim dispõe na parte que interessa:

“(...)

Art. 12 - Fica criado o Quadro de Empregos em Comissão da Câmara, com as denominações, quantidades, exigências e salários definidos no Anexo II desta Lei.

(...)

(...)”

O ato normativo transcrito, na parte em que criou os cargos de provimento em comissão de Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação, Chefe de Divisão de Recursos Humanos, Chefe de Divisão de Comunicação, Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria e Tesoureiro, é inconstitucional por violação dos arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

2. DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS EM COMISSÃO

A Lei nº 5.717, de 17 de outubro de 2014, do Município de Pindamonhangaba, “na redação dada pelas Leis nº 5.785, de 17 de junho de 2015, e nº 5.945, de 20 de julho de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba, assim descreveu as atribuições dos cargos ora mencionados:

“(...)

 

 

 

(...)”

3. DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS

As atribuições previstas para os empregos de provimento em comissão de Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação, Chefe de Divisão de Recursos Humanos, Chefe de Divisão de Comunicação, Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria e Tesoureiro têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, senão vejamos.

O Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação desempenha atividades técnicas burocráticas relacionadas ao gerenciamento e apoio das competências da Divisão, como a própria lei diz, por exemplo, zelar pela segurança das informações ou providenciar reparos e consertos de equipamentos.

O Chefe de Divisão de Recursos Humanos desempenha atividade meramente burocrática voltadas à administração, formação, capacitação e treinamento de pessoal.

Já o Chefe de Divisão de Comunicação desempenha atividade técnica burocrática no que diz respeito à divulgação e planejamento do site da Câmara Municipal.

Por sua vez, o Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria desempenha serviços relacionados ao orçamento e contabilidade, atividades tipicamente técnica e burocrática.

Por fim, o Tesoureiro desempenha atividade subalterna de serviços relacionados ao controle de movimentação bancária, realização de depósitos e pagamentos.

Da simples leitura de suas atribuições, percebe-se que as atividades desempenhadas pelos referidos empregos são destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Além destes aspectos indicativos de que os empregos impugnados desempenham funções subalternas, de pouca complexidade, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, o exercício de “atividades funcionais determinadas pela autoridade superior” evidenciam a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.

Dessa forma, os empregos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso. Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público. A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo. Pela análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).       

4. DO Pedido

         Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Divisão de Comunicação”, “Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria” e “Tesoureiro” contidas no Anexo III, da Lei nº 5.717, de 17 de outubro de 2014, com redação dada pelas Leis nº 5.785, de 17 de junho de 2015, e nº 5.945, de 20 de julho de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Pindamonhangaba, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 18 de julho de 2017.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/dcm

 

 

 

 

 

Protocolado n. 30.359/2017

Assunto: Ação de Constitucionalidade

 

 

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade das expressões “Chefe de Divisão de Tecnologia e Informação”, “Chefe de Divisão de Recursos Humanos”, “Chefe de Divisão de Comunicação”, “Chefe de Divisão de Contabilidade e Tesouraria” e “Tesoureiro” contidas no Anexo III, da Lei nº 5.717, de 17 de outubro de 2014, com redação dada pelas Leis nº 5.785, de 17 de junho de 2015, e nº 5.945, de 20 de julho de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 18 de julho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/dcm