EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 46.469/2017

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade da Lei nº 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava.

2)      Criação de cargos públicos sem descrição das respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direito, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Delegação de atribuições do Poder Legislativo.  Violação do Princípio da Reserva Legal.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 46.469/2017, que segue anexo), vem, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de Ação Direta de Inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação anônima (fls. 02).

A Lei nº 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava, dispõe o seguinte:

“Art. 1º Ficam criados no Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Caçapava, para atender necessidades da Secretaria Municipal de Administração e da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, os seguintes empregos públicos permanentes:”

 QUANTIDADE

DENOMINAÇÃO

REFERÊNCIA

LOTAÇÃO

02

Procurador Municipal

XXXIII

SJDH

01

Almoxarife

XVII

SMA

03

Auxiliar de Almoxarife

V

SMA

 

Art. 2º Os descritivos dos novos empregos públicos permanentes, contendo as atribuições e os pré-requisitos para ingresso, serão fixados por decreto do Poder Executivo.

 Art. 3º O Poder Executivo poderá realizar, por ato próprio, a relotação de servidores em quaisquer unidades administrativas, a fim de atender as necessidades específicas de cada órgão.

 Art. 4º As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de dotações próprias, suplementadas se necessário.

 Art. 5º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação”.

O ato normativo transcrito é inconstitucional, por violação dos arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

2.     DA FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS E DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES DO PODER LEGISLATIVO

Não consta na Lei 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava, descrição das atribuições dos cargos de provimento efetivo de Procurador Municipal, Almoxarife e Auxiliar de Almoxarife. Não obstante, o Poder legislativo delegou ao Poder Executivo a atribuição de fixá-las por Decreto, conforme se depreende do artigo 2º.

A legislação municipal, desse modo, quedou-se silente quanto às descrições das atribuições dos cargos, sendo que as competências, poderes, deveres, direitos, modo de investidura e condições do exercício das atividades do cargo, devem estar previstas em lei. Tal omissão vulnera o Princípio da Legalidade ou Reserva Legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

Com efeito, o Princípio da Legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos).

Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor.

 Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições.

A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições, porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

3. DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Caçapava, bem como, em seguida, seja citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 12 de julho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

aca/ns


Protocolado nº 46.469/2017

Assunto: inconstitucionalidade da Lei nº 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava

 

 

 

 

 

 

 

Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 4.742, de 25 de fevereiro de 2008, do Município de Caçapava, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 12 de julho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/ns