Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 06.866/2017

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Lei nº 9.895, de 28 de dezembro de 2011, e Lei n° 11.318, de 04 de maio de 2016, ambas do Município de Sorocaba. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão. descrição de atribuições que não representam funções de assessoramento, chefia e direção, mas de natureza meramente técnica e profissional. Criação abusiva e superficial de cargos. 1. Expressões “Assessor de Imprensa”, “Assessor Técnico”, “Procurador Geral Autárquico”, “Oficial de Gabinete – N I”, “Oficial de Gabinete – N II” - previstas nos Anexos I e III da Lei n° 9.895, de 28 de dezembro de 2011, do Município de Sorocaba - cujas atribuições não evidenciam função de assessoramento, chefia e direção, mas técnica, burocrática, operacional e profissional a ser preenchida por servidor público investido em cargo de provimento efetivo (arts. 111, 115, II e V, CE/89). 2. Expressões “Procurador Geral Autárquico”, constante nos Anexos I e III da Lei n° 9.895/11, e “Assessor Jurídico”, constante no inc. II do art. 1° e no art. 2°, caput, e Anexos I e II, da Lei n° 11.318, de 04 de maio de 2016, ambas do Município de Sorocaba. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89).

 

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor de Imprensa”, “Assessor Técnico”, “Procurador Geral Autárquico”, “Oficial de Gabinete – N I”, “Oficial de Gabinete – N II” previstas nos Anexos I e III da Lei n° 9.895, de 28 de dezembro de 2011, do Município de Sorocaba, e da expressão “Assessor Jurídico” constante no inc. II do art. 1° e no art. 2°, caput, e Anexos I e II, da Lei n° 11.318, de 04 de maio de 2016, do Município de Sorocaba, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

 

I – O Ato Normativo Impugnado

A Lei n° 9.895, de 28 de dezembro de 2011, do Município de Sorocaba, que “reorganiza a estrutura administrativa do Serviço Autônomo de Água e Esgoto – SAAE, e dá outras providências”, possui, no que tem pertinência com o objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“Capítulo III

DOS CARGOS DE CONFIANÇA

Art. 9º Para dar suporte administrativo, técnico e operacional a esta reorganização administrativa, ficam criados cargos em comissão, com suas denominações, quantidades, jornadas e vencimentos previstos no Anexo II desta Lei.

Parágrafo Único. A súmula de atribuições, requisitos e forma de provimento, quanto à exclusividade ou não do preenchimento por funcionários públicos municipais, dos referidos cargos, estão previstos no Anexo III desta Lei.

(...)

ANEXO II

SAAE - SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE SOROCABA QUADRO PERMANENTE QUADRO DE CARGOS DE CONFIANÇA - PROVIMENTO EM COMISSÃO

 

      DENOMINAÇÃO     |   QUANTIDADE  |   JORNADA   |   CLASSESALARIAL   |
|                      |               |   SEMANAL   |                    |
|======================|===============|=============|====================|
| Assessor de Imprensa |             01|           40|        CS 5        |
|----------------------|---------------|-------------|--------------------|
|   Assessor Técnico   |             04|           40|        CS 7        |
|----------------------|---------------|-------------|--------------------|
(...)|
|----------------------|---------------|-------------|--------------------|
|   Procurador Geral   |             01|           40|        CS 8        |
|      Autárquico      |               |             |                    |
|----------------------|---------------|-------------|--------------------|
| Oficial de Gabinete -|             02|           40|        CS 2        |
|          N I         |               |             |                    |
|----------------------|---------------|-------------|--------------------|
| Oficial de Gabinete -|             02|           40|        CS3A        |
|         N II         |               |             |                    |
|______________________|_______________|_____________|____________________| (Redação dada pela Lei nº 11.421/2016)

 

ANEXO III

SÚMULAS DE ATRIBUIÇÃO E REQUISITOS PARA CARGOS COMISSIONADOS

ASSESSOR TÉCNICO: viabilizar as metas, programas e projetos desenvolvidos pelo Diretor Geral e servir de elo de coordenação com as Superintendências, Departamentos e Setores segundo as diretrizes da Autarquia. Executar outras funções inerentes ao seu cargo, de acordo com determinações do Diretor Geral. REQUISITOS: ensino superior. PROVIMENTO: não exclusivo.

(...)

ASSESSOR DE IMPRENSA: Assistir o Diretor Geral na divulgação dos projetos e realizações da Autarquia para conhecimento da sociedade, e outras tarefas relacionadas às veiculações jornalísticas; Preparar material jornalístico; Executar outras atividades de rotina, relacionadas com os serviços de sua área; Executar outras tarefas inerentes ao seu cargo, de acordo com o seu superior imediato. REQUISITOS: Ensino Superior: Jornalismo. PROVIMENTO: não exclusivo.

OFICIAL DE GABINETE - N I: Assessorar a respectiva Diretoria em todas as tarefas relacionadas com o Gabinete, ser responsável pela agenda de compromissos da Diretoria em que trabalha e executar outras funções inerentes ao seu cargo, de acordo com seu superior imediato. REQUISITOS: ensino médico completo. PROVIMENTO: não exclusivo.

OFICIAL DE GABINETE - N II: Assessorar e acompanhar a Diretoria em todas as tarefas relacionadas com o Gabinete e executar outras funções inerentes ao seu cargo, de acordo com seu superior imediato. REQUISITOS: ensino médio completo. PROVIMENTO: não exclusivo.

(...)

PROCURADOR GERAL AUTÁRQUICO: Assessorar a Diretoria Geral do SAAE em todas suas áreas; supervisionar, fiscalizar e recomendar procedimentos dos departamentos da Procuradoria Geral da autarquia; assessorar a Diretoria Geral junto à Administração Direta e demais Poderes e órgãos; coordenar a inscrição na Dívida Ativa, bem como a cobrança judicial e extrajudicial dos créditos tributários e não-tributários da autarquia; realizar atos, por delegação do Diretor Geral do SAAE; e executar outras funções inerentes ao seu cargo, de acordo com seu superior imediato. REQUISITOS: ensino superior. PROVIMENTO: não exclusivo. (Redação acrescida pela Lei nº 11.037/2014) (...)” (fls. 04/18).

         Por seu turno, a Lei n° 11.318, de 04 de maio de 2016, do Município de Sorocaba, que “dispõe sobre alteração na estrutura administrativa da Empresa Municipal Parque Tecnológico de Sorocaba e dá outras providências” possui, no que pertine ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“Art. 1º Ficam criados os seguintes empregos públicos no Quadro Geral da Empresa Municipal Parque Tecnológico de Sorocaba:

(...)

II - 1 (um) emprego público de Assessor Jurídico, subordinado à Presidência;

(...)

Art. 2º Os membros da Diretoria Executiva, o Assessor Jurídico e o Diretor de Tecnologia da Informação e Comunicação/Cidades Inteligentes serão indicados ao Conselho de Administração e nomeados por ato do Prefeito Municipal, sendo todos demissíveis ad nutum.

(...)

ANEXO I

QUADRO GERAL DE EMPREGOS, VENCIMENTOS, CARGA HORÁRIA E FORMA DE PROVIMENTO.

EMPREGO PÚBLICO

JORNADA SEMANAL

PROVIMENTO

CLASSE SALARIAL

(...)

(...)

(...)

(...)

ASSESSOR JURÍDICO

40 HORAS

Não exclusivo

cs7

(...)

(...)

(...)

(...)

(...)

ANEXO II

SÚMULAS DE ATRIBUIÇÕES

Emprego

Súmulas

Requisito

(...)

(...)

(...)

ASSESSOR

 JURÍDICO

- Sem prejuízo das atribuições a eles conferidas pelo Conselho de Administração, auxiliar o Presidente na direção e coordenação das atividades, principalmente na área jurídica.

- Elaborar pareceres jurídicos.

- Representar a EMPTS em juízo ou órgãos administrativos mediante procuração outorgada pelo Presidente da EMPTS.

- Assessorar, orientar, coordenar, desenvolver e fiscalizar a execução das atividades relacionadas a sua área de competência.

- Participar das reuniões da Diretoria, concorrendo para assegurar a definição de políticas a serem adotadas pela EMPTS e relatando os assuntos da respectiva área de responsabilidade.

- Desempenhar outras atribuições previstas nas normas da EMPTS.

- Supervisionar e coordenar as atividades administrativas, financeiras, contábeis e técnicas.

- Propor alterações no quadro de pessoal.

- Admitir, promover e demitir pessoal.

- Indicar ocupantes de empregos e funções de confiança.

- Propor planos estratégicos e projetos especiais, justificando os seus objetivos e metas.

- Aprovar planos operacionais e projetos a serem desenvolvidos.

- Propor orçamentos e programas anuais e plurianuais.

- Encaminhar ao Presidente e á Diretoria Executiva proposições que julgar de interesse da EMPTS.

- Cumprir e fazer cumprir os prazos fixados para a realização dos serviços.

- Praticar os demais atos administrativos necessários ao desempenho de suas atribuições.

Formado em Direito e estar inscrito no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB

(...)

(...)

(...)

 

(...)”. (fls. 28/37) – grifo nosso.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os dispositivos acima transcritos dos atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

III - DAS ATRIBUIÇÕES TÉCNICAS E BUROCRÁTICAS - CRIAÇÃO ABUSIVA E ARTIFICIAL DE CARGOS OU EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo, esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459), devendo, portanto, observância aos princípios constitucionais.

A autonomia municipal, entre outros aspectos, envolve a capacidade normativa própria, isto é, a aptidão para autolegislar, instituindo normas próprias sobre matéria de sua competência, bem como a capacidade de auto-administração.

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, se necessárias, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal, bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). O sistema de mérito, portanto, deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Nesse sentido, podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

Para verificar a natureza especial das atribuições dos cargos comissionados (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importa a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador, sendo imprescindível a análise do plexo de atribuições das funções públicas.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é o que ocorre, eis que a Lei Municipal nº 9.895/11, em relação aos cargos de “Assessor Técnico”, “Assessor de Imprensa”, “Oficial de Gabinete I e II” e “Procurador Geral Autárquico”, e a Lei Municipal n° 11.318/16, em relação ao cargo de “Assessor Jurídico”, ambas do Município de Sorocaba, não seguiram os citados parâmetros.

Percebe-se que os aludidos cargos estão distantes do comando da administração municipal, não justificando o provimento comissionado.

Na análise das atribuições dos referidos cargos não se antevê justificativa para a dispensa do concurso público, sobretudo porque não se extrai das descrições, constantes no Anexo III da Lei n° 9.895/11 e no Anexo II da Lei n° 11.318/16, qual seria a relação de confiança que os ocupantes dos cargos devem ter para o desempenho da função.

Não se pode desconsiderar, ainda, que as atribuições dos cargos ora impugnados contemplam atividades técnicas, operacionais e burocráticas, a saber: “viabilizar as metas, programas e projetos desenvolvidos pelo Diretor Geral e servir de elo de coordenação com as Superintendências, Departamentos e Setores segundo as diretrizes da Autarquia” (cargo de Assessor Técnico); “Assistir o Diretor Geral na divulgação dos projetos e realizações da autarquia para conhecimento da sociedade, e outras atividades relacionadas às veiculações jornalísticas” (cargo de Assessor de Imprensa); “Assessorar a respectiva Diretoria em todas as tarefas relacionadas ao Gabinete, ser responsável pela agenda de compromissos da Diretoria em que trabalha” (cargo de Oficial de Gabinete I); “coordenar a inscrição na Dívida Ativa, bem como a cobrança judicial e extrajudicial dos créditos tributários e não-tributários da autarquia” (cargo de Procurador Geral Autárquico), dentre outras descritas acima no Anexo III da Lei n° 9.895/11. Nem tampouco as atribuições do cargo de “Assessor Jurídico” previstas no Anexo II da Lei n° 11.318/16 de, dentre outras, “elaborar pareceres jurídicos” e “propor orçamentos e programas anuais e plurianuais” mostram-se de assessoramento, chefia ou direção.

Assim, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade dos cargos de “Assessor Técnico”, “Assessor de Imprensa”, “Oficial de Gabinete I e II”, “Procurador Geral Autárquico” e “Assessor Jurídico”.

IV- DOS CARGOS DE “PROCURADOR GERAL AUTÁRQUICO” E “ASSESSOR JURÍDICO”

Não bastasse, os cargos em comissão de “Procurador Geral Autárquico” e “Assessor Jurídico” não se harmonizam com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista - que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual -, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

        Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

        Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

V – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo às finanças públicas e à legitimidade do exercício de cargos ou empregos públicos.

À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Assessor de Imprensa”, “Assessor Técnico”, “Procurador Geral Autárquico”, “Oficial de Gabinete – N I”, “Oficial de Gabinete – N II” previstas nos Anexos I e III da Lei n° 9.895, de 28 de dezembro de 2011, do Município de Sorocaba, e da expressão “Assessor Jurídico” constante no inc. II do art. 1° e no art. 2°, caput, e Anexos I e II, da Lei n° 11.318, de 04 de maio de 2016, do Município de Sorocaba.

VI – PEDIDO

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Imprensa”, “Assessor Técnico”, “Procurador Geral Autárquico”, “Oficial de Gabinete – N I”, “Oficial de Gabinete – N II” previstas nos Anexos I e III da Lei n° 9.895, de 28 de dezembro de 2011, do Município de Sorocaba, e da expressão “Assessor Jurídico” constante no inc. II do art. 1° e no art. 2°, caput, e Anexos I e II, da Lei n° 11.318, de 04 de maio de 2016, do Município de Sorocaba.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Sorocaba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 

                            São Paulo, 13 de julho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/ts


Interessado: Gustavo Lemes

Protocolado nº 6.866/17

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pelas Leis nn. 9.895/11 e 11.318/16, do Município de Sorocaba

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face de cargos de provimentos em comissão criados pelas Leis nn. 9.895/11 e 11.318/16, do Município de Sorocaba.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, inclusive deste despacho, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 13 de julho de 2017.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/ts