Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 51.892/17
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso IX, do art. 20, da Lei nº 9.940, de 28 de abril de 2017, do Município de Santo André. Violação aos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual. Procuradoria do Município. Função essencial à atividade jurisdicional. 1. É inconstitucional conferir a Secretaria de Inovação e Administração funções próprias da Procuradoria Municipal. A advocacia pública é instituição estatal predicada como permanente e essencial à administração da Justiça e à Administração Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e representação judicial do poder público; 2. Violação os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da
atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26
de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art.
129, IV, da Constituição da República, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado em epígrafe referido, vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso IX do art. 20 da Lei nº 9.940,
de 28 de abril de 2017, do Município de Santo André, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I - ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei nº 9.940, de 28 de abril de 2017, do Município de Santo André, que “Dispõe sobre a reorganização da administrativa da Prefeitura Municipal de Santo André, define atribuições e competências dos órgãos da Administração Direta, cria, reclassifica e extingue cargos e funções, e dá outras providências”, no que interessa, tem a seguinte disposição (fls. 25/27):
“Art. 20 - A Secretaria de Inovação e Administração tem por atribuições:
(...)
IX – instaurar, atuar e orientar juridicamente inquéritos, sindicâncias e processos administrativos e disciplinares; (...)”
O dispositivo transcrito é inconstitucional por violação aos arts. 98 a 100 e 144 da Constituição Estadual, conforme será exposto.
II - PARÂMETRO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE
O dispositivo impugnado no ato normativo citado acima contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.
A norma contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:
“Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.
§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
III - representar
a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;
IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;
V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;
VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;
VII - propor ação civil pública representando o Estado;
VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;
IX - realizar procedimentos administrativos,
inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;
X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.
Art. 100 - A direção superior da Procuradoria
Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela
orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da
Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da
respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo
único - O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão,
entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas
e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública
de bens, no ato da posse e de sua exoneração. (...)” (grifos nossos)
III – INCONSTITUCIONALIDADE DO
DISPOSITIVO QUE CONFERE A SECRETARIA MUNICIPAL ATRIBUIÇÃO A SER DESEMPENHADA
PELA PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ
O inc. IX do art. 20 da Lei nº 9.940,
de 28 de abril de 2017, ao atribuir a instauração e orientação jurídica de
inquéritos, sindicância e procedimentos administrativos disciplinares à
Secretaria de Inovação e Administração, confere a esta última atividade que há
de ser exercida pelos Procuradores Municipais que integram, por seu turno, a Procuradoria
Municipal, o que afronta os arts. 98 e 99 da Constituição do Estado, e, em especial, o inciso IX do citado art.
99.
Desta forma, o dispositivo anteriormente
destacado é incompatível com a ordem constitucional vigente, em especial com os
arts. 98 a 100, da Constituição do
Estado de São Paulo.
O art. 144 da
Constituição Estadual reproduz o quanto disposto no caput do art. 29 da Constituição Federal que limita e condiciona a
autonomia municipal.
Embora o Município seja dotado de autonomia
política e administrativa no sistema federativo (arts. 1º e 18, Constituição
Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito
prefixado pela Constituição Federal (José Afonso da Silva. Direito constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459) e deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição
Federal e na Constituição Estadual.
A Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem
observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição
Estadual.
Ademais, eventual ressalva à
aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm
remissão expressa ao direito estadual.
Esse traçado,
aliás, se amolda ao que consta na Constituição Federal em relação à Advocacia
Pública, também qualificada função essencial à Justiça nos arts. 131 e 132, não
sendo ocioso registrar que a Constituição do Estado de São Paulo dedica-lhe
expressivos preceitos como as reservas de lei complementar para sua instituição
(art. 23, parágrafo único, 3) e de correlata iniciativa legislativa do Chefe do
Poder Executivo (art. 24, § 2º, 3).
E embora os preceitos dos arts. 98, 99 e 100 da Carta
Política bandeirante se refiram à Procuradoria-Geral do Estado, eles balizam a
atividade normativa municipal em virtude do art. 29 da Constituição da
República e do art. 144 da Constituição do Estado relativamente ao perfil do
órgão local de Advocacia Pública.
Trata-se de modelo de observância
obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como julgado, “a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25,
caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas
constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).
Ora,
se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública
como função essencial à Justiça, essa prescrição é vinculante para os
Municípios na medida em que também eles carecem de organismo de representação,
consultoria e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração
Pública na defesa de seus direitos e interesses.
É importante gizar que a latere do Ministério Público e da Defensoria Pública, a Advocacia
Pública é um dos atores que compõem as funções essenciais à Justiça.
Trata-se
de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular
funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais
amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando
ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele” (Carlos Henrique Maciel.
Curso Objetivo de Direito Constitucional,
São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).
É
o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções
estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de
1988 “um bloco de funções públicas autônomas,
independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do Estado, que são
aquelas denominadas, funções essenciais à
justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:
“Esta essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção e de representação judicial necessárias à zeladoria, provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo ordenamento jurídico” (Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).
Ou
seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os
Municípios a criarem e organizarem tais organismos para o exercício de suas
funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo
tempo, impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenham
essas missões, pois lhes foram expressamente reservadas em favor de
maior profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através
da representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria,
como sujeito de direitos e obrigações.
Bem
por isso, a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia
Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes
arestos:
“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE –
ARTS. 35 E 36 E ANEXO III DA LEI 1.751/91 E ART. 3º DA LEI 1.982/95, AMBAS DO
MUNICÍPIO DE ELIAS FAUSTO – INADMISSIBILIDADE DE PREVISÃO DE EMPREGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO SEM DESCRIÇÃO DAS RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES – CARGO DE
“CONSULTOR JURÍDICO” QUE DEVE SER PROVIDO NA FORMA DE SISTEMA DE MÉRITO, POR SE
TRATAR DE ADVOCACIA PÚBLICA – PREVISÃO DE GRATIFICAÇÃO DE ATÉ 100% DE ACRÉSCIMO
SALARIAL QUE CONFIGURA AUMENTO INDIRETO E DISSIMULADO DE REMUNERAÇÃO – VIOLAÇÃO
AOS ARTS. 5º, 98, 99, 100, 115, 128 E 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – AÇÃO
JULGADA PROCEDENTE PELO MÉRITO COM MODULAÇÃO DE EFEITOS”. (TJSP,
II nº 2145442-41.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. João Negrini Filho,
julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Arts. 1º, §1º, II e III, e 8º, da Lei nº
1.585/2009, e art. 1º, parágrafo único, II, da Lei nº 1.568/2009, todas do
município de Salesópolis – Criação dos cargos de “Diretor técnico Jurídico do
departamento de Contenciosos Judiciais e Execução Fiscal” e “Diretor Técnico
Jurídico do departamento de Assuntos Administrativos, Licitações, Contratos e
Convênios” e “Advogado” – Descrição que caracteriza atividade exclusiva
funcional dos integrantes da Advocacia Pública, cuja investidura no cargo
depende de prévia aprovação em concurso público – Violação dos artigos 98 a
100, da Constituição Paulista – Ação procedente, modulados os efeitos desta
decisão para terem início em cento e vinte dias contados a partir deste
julgamento”. (TJSP,
ADI nº 2163849-95.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Luiz Antonio de Godoy,
julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)
“Ação direta de inconstitucionalidade. Cargo de
Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Novo Horizonte. Cargo em comissão.
Hipótese de que não configura função de chefia, assessoramento e direção.
Função técnica. Atividade de advocacia pública. Inobservância aos arts. 98 a
100, 111, 115, incisos I, II e V, e 144, todos da Constituição Estadual.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do Tribunal de
Justiça. Ação procedente.” (TJSP, ADI nº
2114733-23.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Márcio Bartoli, julgado em 9 de
dezembro de 2015, v.u)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Questionamento
do artigo 11 da Lei nº 10, de 26 de março de 2014, do município de Palestina,
na parte em que criou o cargo de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”.
Alegação de inconstitucionalidade. Reconhecimento. Cargo que – a par de não
corresponder a funções de direção, chefia e assessoramento superior – tem as
mesmas atribuições da Advocacia Pública e, pela ausência de situação de
emergência e excepcionalidade, deve ser reservado a profissional recrutado por
sistema de mérito e aprovação em certame público, nos termos do art. 98 a 100, da
Constituição Estadual. Inconstitucionalidade manifesta. Ação julgada
procedente.” (TJSP, ADI nº 2155538-52.2014.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Ferreira Rodrigues, julgado em 13 de maio de 2015, v.u)
Por fim, nem se alegue que o Município não estaria vinculado
ao referido modelo constitucional e, com base no interesse local (artigo 30 da
CF), poderia tolher a autonomia e independência da Procuradoria do Município e
de seus agentes, pois se admitir tal postura seria aceitar que a advocacia
pública municipal pudesse ter menos autonomia ou independência se comparada aos
demais entes federativos, o que, em última análise, arrefeceria a tutela da
moralidade administrativa na esfera municipal, além de obstar a plena aplicação
do princípio da eficiência.
IV – PEDIDO LIMINAR
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma municipal apontada
como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação à
boa organização dos serviços públicos locais de advocacia pública.
À
luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia,
até final e definitivo julgamento desta ação do do inc. IX do art. 20 da Lei nº 9.940, de 28 de abril
de 2017, do Município de Santo André.
VI - PEDIDO
Face
ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para
que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade inc. IX do art. 20 da Lei nº
9.940, de 28 de abril de 2017, do Município de Santo André.
Requer-se ainda sejam
requisitadas informações ao Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Santo
André, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 31 de julho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss
Protocolado nº 51.892/17
Interessado: Anônimo
1. Promova-se a distribuição de
ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face do inc. IX do art. 20 da Lei nº 9.940, de 28
de abril de 2017, do Município de Santo André.
2. Provienciem-se as anotações e comunicações de praxe ao interessado e à douta Promotoria de Justiça de Santo André.
São Paulo, 31 de julho de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss