EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 12.383/2017

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.821, de 27 de maio de 2010 (com alterações dadas pela Lei nº 2.829, de 24 de junho de 2010), que instituiu a “Gratificação Assiduidade”, e, por arrastamento, Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, do Município de Pederneiras. Servidor Público. Remuneração. Vantagem Pecuniária. Gratificação por assiduidade. Instituição desvinculada do atendimento ao interesse público e às exigências do serviço. Ofensa aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. Procedência da ação. 1. A concessão de bonificação, de forma genérica, mediante o cumprimento de deveres inerentes à função, como é o caso da gratificação de assiduidade, não se compatibiliza com os Princípios da Moralidade, Razoabilidade, Finalidade e Interesse Público. Trata-se, ainda, de vantagem pecuniária que não atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, tendo em vista que a assiduidade constitui dever funcional elementar que não demanda recompensa, além da contraprestação pecuniária pelo vencimento. 3. Constituição Estadual: violação dos artigos 111 e 128.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Municipal nº 2.821, de 27 de maio de 2010 (com alterações dadas pela Lei nº 2.829, de 24 de junho de 2010), que instituiu a “Gratificação Assiduidade”, e, por arrastamento, da Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, ambas do Município de Pederneiras, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I - DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Municipal nº 2.821, de 27 de maio de 2010 (com alterações das pela Lei nº 2.829, de 24 de junho de 2010), que instituiu a “Gratificação Assiduidade”, revogou artigos da Lei Complementar nº 2.250/01 e deu outras providências, dispõe:

“Art. 1º. Fica criada a “Gratificação Assiduidade” a ser atribuída aos servidores municipais com frequência comprovada, sem nenhuma ausência no decurso de cada ano, a contar de 18 de dezembro de um exercício até 17 de novembro do exercício seguinte.

Art. 2º. A “Gratificação Assiduidade” constará de:

a)                1/3 (um terço) do valor do Padrão H da tabela salarial do Quadro de Empregos Permanentes do município, a ser pago no mês do aniversário natalício do servidor;

b)                Um vale-compra especial, de valor definido anualmente por decreto do Executivo e nunca inferior a 50% (cinqüenta por cento) do vale-compra mensal, a ser entregue no mês de dezembro;

c)                 O valor correspondente a 01 (um) salário mínimo nacional, a ser pago no mês de dezembro.

Art. 3º. Para os efeitos desta Lei não serão consideradas ausências, os afastamentos:

a)                para gozo de férias;

b)                para viagem comprovadamente a serviço do município;

c)                 para participação em cursos, eventos e treinamentos, com autorização expressa do Prefeito e apresentação de comprovante de comparecimento;

d)                previstos no Artigo 473 da CLT e Artigo 7º, Incisos XVIII e XIX da Constituição Federal;

e)                uma falta justificada no mês, no máximo de 06 (seis) no ano.

§ 1º – Para licença para tratamento de doença e justificativa de faltas, somente serão aceitos atestados certificados pelo médico perito da rede municipal.

§ 2º – Caberá à chefia imediata de cada servidor a responsabilidade da exata comprovação de frequência, respondendo por eventuais omissões e irregularidades.

§ 3º – O servidor que tiver afastamento do serviço público junto ao INSS, os afastados sem remuneração, e os condenados em processos administrativos, não farão jus a gratificação assiduidade.

§ 4º – O benefício será concedido uma única vez em caso de acúmulo regular de cargos, empregos ou funções, inclusive nas classes do magistério municipal.

§ 5º – A gratificação assiduidade não se incorporará à remuneração dos servidores para quaisquer efeitos e sobre ela não incidirão contribuições trabalhistas e previdenciárias.

§ 6º – Aos servidores que vierem a ser admitidos no período de 18 de dezembro à 17 de novembro do exercício seguinte, terá direito apenas a gratificação assiduidade constante da letra “c” proporcionalmente aos meses trabalhados naquele período.

§ 7º - Em caso de demissão por justa causa, o servidor não fará jus ao benefício da gratificação assiduidade.

Art. 4º. O servidor poderá optar pela Licença-Prêmio de 90 (noventa) dias em gozo, em decorrência do artigo 4º da Lei Complementar nº 2.250/01, tendo o prazo de 60 dias a partir da publicação dessa Lei, para manifestar seu interesse.

§ 1º – O servidor que optar pela continuidade na Licença Prêmio não fará jus à gratificação do Artigo 2º, letra “c” da presente Lei.

§ 2º – Findo o prazo de 60 dias, o servidor não poderá retroceder do seu pedido manifestado.

§ 3º – Esse artigo não se estende aos servidores contratados a partir da publicação dessa Lei.

§ 4º – A falta de manifestação expressa do servidor subentender-se-á sua opção por esta Lei.

§ 5º – Em caso de aposentadoria e/ou pedido de exoneração por parte do servidor, o Município de Pederneiras efetuará o pagamento em dinheiro da Licença Prêmio correspondente a um salário no valor do Padrão D da tabela salarial do Quadro de Empregos Permanentes do Município, a cada 30 (trinta) dias a que tiver direito do referido benefício.

§ 6º - A Licença Prêmio Assiduidade não poderá ser cumulativa.

Art. 5º. Em caso de mais de uma falta, justificada ou não, no período mensal, assim considerado do dia 18 de um mês até o dia 17 do mês seguinte, além da perda da Gratificação Assiduidade no ano, o servidor perderá o direito de receber o vale-compra mensal do mês seguinte.

Art. 6º. Excluem-se dos benefícios ora criados os ocupantes exclusivos de Emprego em Comissão, os contratados por prazo determinado, os estagiários, os menores aprendizes e os servidores cedidos ao Município pelo Governo Estadual ou Federal.

Art. 7º. Caberá ao Departamento de Administração implementar todas as medidas necessárias para viabilizar a execução desta lei.

Parágrafo único – O Poder Executivo Municipal poderá regulamentar a presente Lei através de Decreto acaso necessário.

Art. 8º. As despesas decorrentes desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 9º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogada a Lei Complementar nº 2.250/2001, com exceção de seu art. 4º apenas em relação aos servidores que optarem pela Licença Prêmio”.

 

II - O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

A Lei nº 2.821, de 27 de maio de 2010 (com alterações dadas pela Lei nº 2.829, de 24 de junho de 2010), do Município de Pederneiras, que instituiu a “Gratificação Assiduidade”, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A regra jurídica contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO - DA INCONSTITUCIONALIDADE DA GRATIFICAÇÃO POR ASSIDUIDADE INSTITUÍDA PELA Lei nº 2.821, de 27 de maio de 2010

Como é cediço, a instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

A gratificação ora impugnada, concedida aos servidores públicos do Município de Pederneiras, não atende a nenhum interesse público, tampouco, às exigências do serviço, porquanto os requisitos para o seu recebimento representam meros deveres funcionais inerentes ao exercício de qualquer função pública.

Retrata simplesmente dispêndio público sem causa, o que desperta preocupação, como observa Wellington Pacheco Barros, verbis:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

A crítica à excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público, emerge no escólio de Hely Lopes Meirelles:

“Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2008, 34ª ed., p. 495).

Vale, a propósito, a clássica admoestação no sentido de que, verbis:

“a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 1991, p. 111).

Não se vislumbra interesse público, nem atendimento às exigências do serviço a título de remuneração ou indenização, na outorga de vantagem pecuniária que não tem qualquer causa jurídica hígida, significando autêntica liberalidade com o dinheiro público.

O art. 128 da Constituição Estadual, norma que descende diretamente dos princípios de seu art. 111, condiciona a concessão de vantagens aos servidores aos motivos nele indicados (interesse público e exigências do serviço).

Não há, na vantagem outorgada pela lei impugnada, qualquer causa razoável a justificar sua instituição; antes, configura tratamento desigual em detrimento dos trabalhadores em geral, e, nesse particular, fere a isonomia.

Além de vulnerar a isonomia, assim como os princípios de moralidade, interesse público e finalidade, a lei objurgada também ofende a razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa, tendo, como aqueles, assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

A lei municipal abordada sucumbe ao denominado “teste” de razoabilidade, segundo o qual a norma deve ser: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

A gratificação ora impugnada não se adequa a nenhum desses critérios de razoabilidade. Não atende aos interesses da Administração Pública, convergindo em benefício exclusivamente dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público, inclusive o primário; é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis.

Não é ocioso iluminar o induvidoso caráter cogente da razoabilidade como critério de aferição da constitucionalidade de leis e atos normativos, conforme entendimento jurisprudencial:

“(...) TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (...)” (STF, ADI-MC 2.667-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, v.u., DJ 12-03-2004, p. 36).

“(...) SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas normas legais impugnadas, da cláusula constitucional do substantive due processo of law. (...)” (RTJ 178/22).

A gratificação em comento, em ordem de premiação à assiduidade dos servidores é manifestamente imoral. É dever funcional geral, elementar ao exercício de qualquer função pública, a assiduidade, não podendo ser eleita como critério para a concessão de vantagem dessa natureza. Ao atribuir ao servidor público municipal prêmio pecuniário pela assiduidade a lei o está remunerando pelo estrito cumprimento de seu dever funcional.

Aliás, sendo a assiduidade dever inerente ao exercício da função pública, é o seu descumprimento – e não o cumprimento – que deve gerar consequências, e, nesse caso, tais consequências são negativas em relação ao agente no âmbito disciplinar.

Se não há razão peculiar para além do assíduo exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de bônus, gratificação ou de qualquer outro nomen iuris que se lhe atribua. Na prática, tal corresponde à fixação de benefício sem indicação de fundamento lógico e racional, o que contraria o art. 128 da Constituição do Estado e os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

Neste sentido, esse colendo Órgão Especial julgou inconstitucional lei que instituiu adicional de assiduidade:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Adicional de assiduidade. Município de Chavantes. Artigos 43, 44 e 45 da Lei Complementar 127/2012 (Dispõe sobre o Plano de Cargos, Vencimentos e Evolução Funcional dos Profissionais do Magistério Público e dá outras providências). Inconstitucionalidade. Ausência de critério, pois não se foi além da assiduidade, dever e obrigação do servidor. Dispositivos que em nada asseguram valorização dos profissionais do magistério. Ação procedente” (ADI 2140689-75.2014.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, v.u., 28-01-2015 – g.n.).

A gratificação de assiduidade caracteriza, em última análise, indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, alheio aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço, que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos, como, aliás, revela de forma indisfarçada a Mensagem nº 48/2010, da então Prefeita Municipal ao Presidente da Câmara Municipal de Pederneiras por ocasião da remessa do projeto de lei (fl. 54):

“Na qualidade de Prefeita do Município de Pederneiras, tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência o Projeto de Lei Complementar que institui a “Gratificação Assiduidade” correspondente ao pagamento de um salário mínimo vigente no mês de dezembro de cada ano, a todos os servidores municipais que cumprirem as exigências constantes no bojo da Lei ora encaminhada.

(...)

O salário ora instituído corresponde hoje a R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), o que equivale, a bem da verdade, à criação do pagamento do décimo quarto salário aos servidores municipais.”

Não há qualquer motivo juridicamente válido a justificar a vantagem pecuniária instituída, pois, como dito, a assiduidade não pode se converter em parâmetro para o acréscimo dos vencimentos.

Tampouco a vantagem em foco é válida se cotejada com o instituto comum e tradicional às normas estatutárias da licença prêmio, simplesmente porque esta não consubstancia prêmio pecuniário à assiduidade, sendo, antes, benefício que confere o licenciamento do servidor durante certo período, cujo indeferimento de gozo pela necessidade do serviço gera direito à indenização com base na responsabilidade civil do Estado por ato lícito, assim como no caso de férias indeferidas.

IV – Fundamentação. Da necessidade de declarar, por arrastamento, a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001

A Lei nº 2.821, de 27 maio de 2010, do Município de Pederneiras, revogou expressamente, em parte, por meio de seu artigo 9º, a Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, que tem a seguinte redação:

Percebe-se que a Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, trata da mesma matéria versada na Lei nº 2.821, de 27 maio de 2010, e mais, cuida do tema de forma praticamente idêntica, sendo, portanto, assim como esta, em razão dos mesmos fundamentos acima expostos, inconstitucional.

O fato de ter sido a Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001 revogada pela Lei nº 2.821, de 27 maio de 2010, não constitui óbice à obtenção de declaração da sua invalidade por esta via; ao revés, torna premente a necessidade de declaração da inconstitucionalidade também da norma revogada, cujos efeitos serão reestabelecidos caso se confirme a invalidade da revogadora.

Em outras palavras, uma vez declarada inconstitucional a Lei nº 2.821, de 27 maio de 2010, como se pretende por esta via, a norma que foi por ela revogada, a Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, voltará a viger.

Nesses termos, é necessário que seja também reconhecida a invalidade do dispositivo ora sob lume, mediante utilização da chamada técnica de inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, “que, em resumo, permite arrastar a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo especificamente impugnado até os contaminados pela inconstitucionalidade.”[1]

Segundo precedentes do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Minº Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16; ADI-3.645-R, Rel. Minº Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Minº Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Minº Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Minº Celso de Mello, DJU 09-06-2005, p. 4).

A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torne despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vício; c) quando há na lei dispositivos que guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

In casu, verifica-se a hipótese do item b, supra, já que a declaração de invalidade da Lei nº 2.821, de 27 de maio de 2010 automaticamente trará de volta ao ordenamento jurídico a eficácia do preceito normativo que foi por ela expressamente revogado, o que é de todo indesejável nos termos da linha argumentativa já revelada.

Trata-se de impedir a produção do efeito repristinatório que decorre da invalidade da lei revogadora, conforme o escólio de Alexandre de Moraes:[2]

“a declaração de inconstitucionalidade de uma norma acarreta a repristinação da norma anterior que por ela havia sido revogada, uma vez que norma inconstitucional é norma nula, não subsistindo nenhum de seus efeitos.”

Pretende-se impedir, com a utilização da técnica do arrastamento, que a Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, volte a produzir efeitos, como ocorrerá caso não se acolha o pedido ora formulado, pois o STF já reconheceu a existência de efeito repristinatório nas decisões proferidas pela Corte em sede de controle de constitucionalidade:[3] 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – NATUREZA DO ATO INCONSTITUCIONAL – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – EFICÁCIA RETROATIVA – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO LEGISLADOR NEGATIVO – REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO – PRERROGATIVA INSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE EFEITOS RESIDUAIS CONCRETOS – PREJUDICIALIDADE

– O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio de que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade.

Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica.

– A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito.

– A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse poder excepcional – que extrai a sua autoridade da própria Carta Política – converte o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo [...]”

IV - DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta de inconstitucionalidade, para que, ao final, seja ela julgada procedente, a fim de declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.821, de 27 de maio de 2010 (com alterações dadas pela Lei nº 2.829, de 24 de junho de 2010), e, por arrastamento, da Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, ambas do Município de Pederneiras.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Pederneiras, bem como, posteriormente, citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

grcp/ns


 

Protocolado n. 12.383/2017

 

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face Lei Municipal nº 2.821, de 27 de maio de 2010 (com alterações dadas pela Lei nº 2.829, de 24 de junho de 2010), que instituiu a “Gratificação Assiduidade”, e, por arrastamento, da Lei Complementar nº 2.250, de 30 de novembro de 2001, do Município de Pederneiras, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.      Oficie-se à douta Promotoria de Justiça de Pederneiras informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

grcp/ns



[1] Marinoni, Luiz Guilherme, Curso de Direito Constitucional, pág. 1203, Saraiva, 4ª edição

[2] Moraes, Alexandre de, Direito Constitucional, p. 626

[3] STF, ADI 652/MA (QO), Plenário, relator: Ministro Celso de Mello, DJU 2/4/1993.