Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 71.023/17
Constitucional. Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Inciso II e expressão “aposentadoria, falecimento,
exoneração, demissão” do inciso III, ambos do art. 3°, assim como art. 10, da Lei
Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005, do Município de Laranjal
Paulista. Incisos I e II e expressão “comoção interna” do inciso III, todos do
art. 123 e Expressão “podendo ser prorrogado por igual período”, do art. 124, todos
da Lei Complementar 85, de 12 de dezembro de 2007. Leis do Município Laranjal
Paulista. Servidores Públicos. Contratação por tempo determinado para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Hipótese
que não retratam a inexistência de atendimento de necessidade temporária de
excepcional interesse público. Duração. Prazo excessivo com admissão de
prorrogação. Remuneração. Regime jurídico. Consolidação das Leis do Trabalho.
Inadmissibilidade.
1. Lei Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005, que
define em seu art. 3º as hipóteses em que se considera necessidade de
excepcional interesse público, dentre as quais: 1) situação gerada, de um lado,
por imperativo de convênio com os Poderes Estadual ou Federal, ou por campanhas
de excepcional interesse público promovidas pelo Poder Público Federal ou
Estadual, e, de outro lado, a Prefeitura Municipal (inc. II), 2) substituição
de servidores públicos municipais na manutenção dos serviços essenciais ou dos
serviços que não podem sofrer solução de continuidade, em virtude de
aposentadoria, falecimento, exoneração e demissão (inc. III).
2. Lei
Complementar n° 85, de 12 de dezembro de 2007, que arrola no art. 123 como
hipóteses de contratação por tempo determinado, dentre outras: 1) execução de
obras e serviços absolutamente transitórios (inc. I); 2) atendimento a termos
de convênio, para a execução de obras ou prestação de serviços durante o
período de vigência do mesmo (inc. II); 3) comoção interna (inc. III).
3.
Incompatibilidade com o art. 115, X, CE/89, por não haver demonstração de
efetiva excepcionalidade determinada e específica.
4. Duração
excessiva das contratações agravada com a possibilidade de prorrogação (art.
124, da LC nº 85/2007), que não se conforma com a transitoriedade reclamada
(art. 115, X, CE/89).
5. A adoção de
regime celetista na contratação de pessoal temporário (art. 10, da Lei
Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005) é incompatível com o regime
administrativo especial resultante do art. 115, X, CE/89.
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (art. 116, VI,
da Lei Complementar Estadual nº 734/93; arts. 125,
§2º, e 129, IV, da Constituição Federal; arts. 74,
VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas
informações colhidas no incluso Protocolado nº 71.023/17, vem, perante esse
egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face: a) do inciso II e da expressão “aposentadoria,
falecimento, exoneração, demissão” do inciso III, ambos do art. 3º, assim como
do art. 10, todos da Lei
Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005; b) dos incisos I e II e
da expressão “comoção interna” do inciso III, todos do art. 123, e da expressão
“podendo ser prorrogado por igual período”, do art. 124, todos da Lei
Complementar n° 85, de 12 de dezembro de 2007, ambas as leis do Município de Laranjal Paulista, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I -
OS preceitoS normativoS impugnadoS
A Lei Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005,
foi editada para regulamentar “as
contratações por tempo determinado e para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público, pelo Poder Público Municipal, prevista no art.
37, IX da Constituição Federal”.
De
particular interesse para esta ação, são os seguintes preceitos dessa lei:
“Art. 3º. Considera-se necessidade de
excepcional interesse público, definida no artigo anterior:
I
- Assistência à situação de emergência ou estado de calamidade pública;
II - A gerada, de um lado, por
imperativo de convênio com os Poderes Estadual ou Federal, ou por campanhas de
excepcional interesse público promovidas pelo Poder Público Federal ou
Estadual, e, de outro lado, a Prefeitura Municipal;
III
– A substituição de servidores municipais na manutenção dos serviços essenciais
ou dos serviços que não podem sofrer solução de continuidade, em virtude de aposentadoria, falecimento, exoneração,
demissão ou o não preenchimento da vaga por concurso, consoante o artigo
anterior.
(...)
Art. 10. Os admitidos contratados em
caráter temporário, por esta lei, serão regidos, no que couber, pela CLT.
(...)”
g.n
Já
a Lei
Complementar n° 85, de 12 de dezembro de 2007, “dispõe sobre a Reorganização da Estrutura Administrativa, do Quadro de
Pessoal e Salários, das Carreiras, da Avaliação de Desempenho, do Regulamento
da Guarda Civil Municipal e Estatuto do Magistério da Prefeitura de Laranjal
Paulista-SP e dá outras providências”. No que interessa, assim prevê:
“(...)
Art. 123 A Prefeitura poderá
contratar pessoal por tempo determinado para:
I. execução de
obras e serviços absolutamente transitórios;
II. atender a
termos de convênio, para a execução de obras ou prestação de serviços durante o
período de vigência do mesmo;
III. atender estado de calamidade pública e comoção interna.
Art. 124 As contratações com base no
artigo anterior serão feitas na forma prevista no art. 37, inciso IX, da
Constituição Federal, mediante autorização por lei específica, dependerão da
existência de recursos orçamentários e não poderá ter prazo superior a 12
(doze) meses, podendo ser prorrogado por
igual período.
(...)” g.n
II – O PARÂMETRO DA
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
A
Constituição Federal assegura aos Municípios autonomia, mas determina-lhes
respeito aos princípios da própria Constituição Federal e da Constituição
Estadual (art. 29). A Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29
da Constituição da República assim dispõe:
“Art.
144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Destarte,
as Constituições Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia
municipal.
Os
preceitos legais acima destacados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal, porque são incompatíveis com o disposto nos arts.
111 e 115, II e X, da Constituição do Estado de São Paulo que assim preceituam:
“Artigo
111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Artigo
115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei,
de livre nomeação e exoneração;
(...)
X
- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.”
III – FUNDAMENTAÇÃO
III - 1. As hipóteses de
contratação temporária de pessoal
Inspirado pelos princípios de
impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual
(que reproduz o art. 37, caput, da
Constituição Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o
art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada
ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para
atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.
Sendo assim e segundo José dos Santos Carvalho Filho,
há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: 1) a determinabilidade temporal; 2) a temporariedade da função;
3) a excepcionalidade do interesse público (Manual
de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A obra legislativa não poderá olvidar a determinação
do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como
hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que
for predicada na excepcionalidade do interesse público.
Todavia, o
inciso II e a expressão “aposentadoria, falecimento, exoneração, demissão” do
inciso III, ambos do art. 3º da Lei
Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005, bem como os incisos I e
II e da expressão “comoção interna” do inciso III, todos do art. 123, da Lei
Complementar n° 85, de 12 de dezembro de 2007, contemplam hipóteses de contratações por tempo determinado sem
respaldo nos parâmetros delineados pela Constituição Federal, consoante melhor
exposto a seguir.
Com efeito, a literatura
esclarece que:
“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o
interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações
administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores.
Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde
à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho.
Manual de Direito Administrativo, Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante
contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões
apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama
satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal
de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser
desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária,
eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não
haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o
excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar”
(Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
As
hipóteses legais impugnadas não espelham extraordinariedade,
imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão
temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações
da rotina administrativa e cuja execução compete, de ordinário, a servidores
públicos titulares de cargos de provimento efetivo.
Explicando
melhor, por um lado, é flagrante que não registram situações excepcionais, e
sim cotidianas da Administração Pública Municipal, as seguintes hipóteses: “a
gerada, de um lado, por imperativo de convênio com os Poderes Estadual ou
Federal, ou por campanhas de excepcional interesse público promovidas pelo
Poder Público Federal, ou por campanhas de excepcional interesse público
promovidas pelo Poder Público Federal ou Estadual, e, de outro lado, a
Prefeitura Municipal” (inc. II do art. 3º da LC 51/05); “aposentadoria,
falecimento, exoneração, demissão” (inc. III do art. 3º da LC 51/05); “execução
de obras e serviços absolutamente transitórios” (inc. I do art. 123 da LC
85/07) e “atender a termos de convênio, para a execução de obras ou prestação
de serviços durante o período de vigência do mesmo” (inc. II do art. 123 da LC
85/07).
Neste
passo, enfatize-se que não é somente a temporariedade de uma atividade que
justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada
por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente.
Com relação ao caso de
contratação temporária, em razão de aposentadoria, falecimento, exoneração e
demissão, cumpre lembrar que não se justifica, pois, a existência de vaga não
pode ser suprida senão por concurso público para provimento efetivo.
Não é o fato de haver
cargo vago na estrutura administrativa que torna possível a contratação
temporária. Havendo vaga, o Poder Público deve tomar imediatamente as
providências necessárias para seu suprimento, legitimando-se a partir daí o
recurso à contratação temporária desde que haja imprescindibilidade na continuidade do serviço
e insuficiência dos meios ordinários para enfrentá-la.
Por
outro lado, outras hipóteses impugnadas padecem de manifesta generalidade. É o
caso evidente da hipótese de “comoção interna” (inc. III do art.
123 da LC 85/07).
A expressão “comoção
interna” é ampla, ambígua, genérica, imprecisa, indeterminada, vaga, que não é
indicativa a priori de situação
transitória, imprevisível, extraordinária, urgente, e excepcional se não for
agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade
ou do órgão da Administração Pública ou a circunstâncias especiais que
demonstrem a necessidade da medida.
A amplitude, a indeterminação
e a vagueza permitem aninhar em seu pressuposto qualquer comoção intestina sem
indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de
sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da
Administração.
Acrescente-se que tais
considerações são ainda pertinentes com relação às já mencionadas e abertas hipóteses
de: “a gerada, de um lado, por imperativo de convênio com os Poderes Estadual
ou Federal, ou por campanhas de excepcional interesse público promovidas pelo
Poder Público Federal, ou por campanhas de excepcional interesse público
promovidas pelo Poder Público Federal ou Estadual, e, de outro lado, a Prefeitura
Municipal” (inc. II do art. 3º da LC 51/05); “execução de obras e serviços
absolutamente transitórios” (inc. I do art. 123 da LC 85/07) e “atender a
termos de convênio, para a execução de obras ou prestação de serviços durante o
período de vigência do mesmo” (inc. II do art. 123 da LC 85/07).
Para
reforçar o entendimento, confiram-se:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO:
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do
Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F.,
deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis
impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação
temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação
de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação
estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta
de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
Por outras palavras, os
citados dispositivos das leis autorizam a contratação temporária para a
prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração
Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo
determinado.
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada
encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e
parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de
dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.
Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam
imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação razoável. Próximo
do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115,
II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Procedente, em parte, a
ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º
(redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de
março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para
‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade.
Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse
público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por
lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a
partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº
2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09
de dezembro de 2015, v.u)
Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo
Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 658.026-MG (Tema
nº 612), oportunidade em que se estabeleceu que “nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal,
para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é
preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de
contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o
interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo
vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o
espectro das contingências normais da Administração”.
A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:
“Recurso
extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do
Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso
processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por
tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional
interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e
regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da
Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso
provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos
efeitos.
1. O assunto
corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal
do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da
Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre
as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.
2. Prevalência da
regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As
regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na
Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.
3. O conteúdo jurídico
do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido,
ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que
se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos
excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja
predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja
excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a
contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam
estar sob o espectro das contingências normais da Administração.
4.
É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a
Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso
público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de
princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e
da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da
existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a
fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel.
Min. Dias Toffoli, dje
31/10/2014).
Desse modo, necessária a declaração de
inconstitucionalidade das mencionadas hipóteses de contratação temporária.
III - 2. Duração excessiva
dos contratos
O
art. 124 da Lei Complementar nº 85/2007 estabelece a duração dos contratos
temporários, prevendo que, nos casos do já citado art. 123, o prazo é de 12
(doze) meses, prorrogáveis por igual período, o que se afigura excessivo à
vista das próprias situações descritas na norma.
É
nítido que essas hipóteses não podem ter larga duração no tempo por carecer
completamente a excepcionalidade e a transitoriedade. A prorrogação por até mais 12 (doze) meses é excessiva
e não se conforma com a transitoriedade elementar à contratação por tempo
determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público e, portanto, contrasta com o inciso X do art. 115 da
Constituição do Estado de São Paulo.
Com
efeito, “para que se efetue a contratação temporária, é necessário
que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei,
mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da
temporariedade” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
III - 3. Adoção do
regime celetista
O
art. 10 da Lei Complementar nº 51/2005 adota regime celetista na contratação de
pessoal temporário, o que é incompatível com o regime administrativo especial
resultante do art. 115, X, da Constituição Estadual.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de
funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional.
Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal,
reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários
são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime
a dispensa imotivada.
Com efeito, a contratação por tempo determinado serve
a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar
enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.
A inserção dessas funções no regime celetista,
portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque,
para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a
natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a
dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de
serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de
similar natureza).
De fato, o desprovimento da função temporária é medida
discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da
Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade
de exoneração reservada ao administrador público.
A subordinação dos servidores públicos
temporários ao regime celetista importa em franca violação aos princípios
jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da
Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.
Enquanto a razoabilidade serve como
parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos,
requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom
senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e,
por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do
ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa
administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por
móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja,
censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos
atos normativos.
Na espécie, o ato normativo infringe ambos
os princípios. Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à
regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura
por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do
vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a
outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo
em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória
(e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente
imprópria a uma relação jurídica precária e instável.
O padrão ordinário, normal e regular,
advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o
custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional
que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada
por força de ingredientes puramente excepcional de necessidade e interesse
público.
Em suma, a sujeição dos servidores
temporários ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de
vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza da
contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e temporariedade ditada por
necessidade e interesse público.
Todavia, a contratação de
natureza administrativa, cujo regime jurídico é próprio e diferenciado, não
garante aos servidores temporários os direitos delineados pela Consolidação das
Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores temporários não estão sujeitos
ao regime jurídico dos servidores públicos efetivos, contratados por meio de
concurso público e detentores de estabilidade.
O regime de vínculo das funções temporárias é
administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ
207/611), pois, “os servidores
temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica
Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem
determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de
nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís
Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao
contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma
hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE
573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
21-08-2008, m.v., DJe
04-12-2008). Neste sentido:
“CONSTITUCIONAL.
RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES
PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No
julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer
interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que
inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas
instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por
típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei
amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes
figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre
contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental
prejudicado” (RTJ 209/1084).
“Conflito de competência.
2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a
instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da
Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato
é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime
administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica
demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da
Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de
competência procedente” (RTJ 193/543).
No mesmo sentido discorre a doutrina:
“Ora, a Constituição
de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu
que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista
(contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.
O art. 37, IX, impõe
um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não
que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se
confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal),
estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor
temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.
Se ao agente público
não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em
cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer
dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista,
que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos
regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria
necessidade de referência à lei específica.
É essa menção à lei
específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito
estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico
administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações
jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o
vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a
adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a
existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica
interpretar-se interditada.
Como a União é
detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22,
I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam
impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de
contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias
constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna.
Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação
temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes
franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que
abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a
impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção
do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva
Martins Junior. Contratação por prazo determinado: comentários à Lei nº
8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).
Desta forma, é necessária a declaração de
inconstitucionalidade da expressão “podendo ser prorrogado por igual período”
do art. 124 da Lei Complementar nº 85/2007, do Município de Laranjal Paulista.
IV – PEDIDO
Face ao exposto, requer-se o
recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada
procedente, declarando a inconstitucionalidade do inciso II e da expressão “aposentadoria, falecimento, exoneração,
demissão” do inciso III, ambos do art. 3º e do art. 10, todos da Lei
Complementar n° 51, de 15 de fevereiro de 2005, bem como dos incisos I e II e da expressão “comoção interna” do inciso
III, do art. 123 e da expressão “podendo ser prorrogado por igual período” do
art. 124, ambos da Lei Complementar n° 85, de 12 de dezembro de 2007, todas
do Município de Laranjal Paulista.
Requer-se, ainda, sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Laranjal
Paulista, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para
manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 16 de agosto de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss/smd
Protocolado nº 71.023/17
Interessada: Sociedade de Laranjal
Paulista
Objeto: representação para
controle de constitucionalidade de dispositivos de leis do Município de Laranjal
Paulista
1.
Distribua-se a petição inicial da ação direta de
inconstitucionalidade impugnando o
inciso II e a expressão “aposentadoria, falecimento, exoneração, demissão” do
inciso III, ambos do art. 3º, e o art. 10, todos da Lei Complementar n° 51, de 15 de
fevereiro de 2005, bem como os incisos I e II e a expressão “comoção interna”
do inciso III, todos do art. 123 e a expressão “podendo ser prorrogado por
igual período”, do art. 124, todos da Lei Complementar n° 85, de 12 de dezembro
de 2007, do Município de
Laranjal Paulista, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
São Paulo, 16 de agosto de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss/smd