EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado n. 38.447/2017

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos da Lei Complementar n° 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Sujeição ao regime jurídico celetista. Ausência de excepcionalidade. 1. Sujeição dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação aos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89). 2. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. Lei local que genericamente “disciplina as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89). 4. A par da excepcionalidade da medida a contratação temporária deverá ser feita sempre por processo seletivo (art. 115, II, da CE/89).

 

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “pelo regime celetista” constante no caput do art. 42, dos incisos II, III e IV do art. 42, do inciso I do art. 43 e do § 2° do art. 46, todos da Lei Complementar n° 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS DISPOSITIVOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar n° 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga, que “reorganiza a estrutura administrativa da Prefeitura do Município de Bertioga, descreve as atribuições das unidades administrativas de primeiro nível e dá providências correlatas”, possui, no que interessa ao desfecho desta ação, a seguinte redação, verbis:

“(...)

SEÇÃO III

Da Contratação Temporária de Servidores

Art. 42. Poderão ser contratados funcionários por tempo determinado, pelo regime celetista, por decisão fundamentada do Prefeito, em situações de relevante e excepcional interesse público nos termos do inciso IX, do art. 37, da Constituição Federal, para:

(...)

II - assistência a emergências de saúde pública;

III - atender evento incerto e imprevisível que implique na possibilidade de descontinuidade de serviço público de natureza essencial;

IV - reforço nos serviços públicos de natureza essencial durante o período de temporada de verão.

(...)

Art. 43. O Poder Executivo poderá contratar:

I-                   Na hipótese do inciso IV, do art. 42, até 30 % (trinta por cento) de funcionários do total previsto para os cargos de:

a)     Médico, enfermeiro, técnico de enfermagem;

b)     Guarda civil e salva-vidas;

c)      Motorista, pedreiro, eletricista e ajudante geral.

(...)

Art. 46. O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos do art. 42 desta lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito à ampla divulgação, prescindindo de concurso público.

(...)

§ 2°. A contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública e de emergência em saúde pública prescindirá de processo seletivo.

(...)” – grifo nosso.  

         Os dispositivos normativos acima destacados são inconstitucionais por violação aos arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         Os dispositivos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

         Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, II e X da Constituição Estadual.

         A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

         Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

         Os atos normativos em questão são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

                                      (...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

III. a) ADOÇÃO DO REGIME CELETISTA

 Verifica-se que a expressão “pelo regime celetista” constante no caput do art. 42 da LC n° 93/2012, do Município de Bertioga, submete os contratados por prazo determinado ao regime celetista.

 Ocorre que a contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público é incompatível com o regime celetista na Administração Pública, ante a transitoriedade inerente à contratação temporária (art. 115, X, Constituição Estadual).

          Isso porque, o regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:

“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).

“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).

No mesmo sentido discorre a doutrina:

“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.

O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.

Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei específica.

É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.

Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).

Desta forma, a sujeição dos ocupantes de funções temporárias para atender à necessidade transitória de excepcional interesse público à CLT não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com qualquer regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

A contratação por tempo determinado serve à necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista, ainda que por meio de contratação temporária previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

Assim, a expressão contida no art. 42, ora impugnado, importa em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc, interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, há violação a ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória. Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente excepcionais de necessidade e interesse público.

Desta forma, necessária a declaração de inconstitucionalidade da expressão “pelo regime celetista” constante no caput do art. 42 do citado ato normativo do Município de Bertioga.

III. b) DESCRIÇÃO DE HIPÓTESES DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA QUE NÃO CARACTERIZAM EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

Os incisos II, III e IV do art. 42 e o inc. I do art. 43 da Lei Complementar nº 93/2012, do Município de Bertioga, descrevem hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.

         Com efeito, a contratação temporária de profissionais de saúde para assistência de emergências de saúde pública (art. 42, inciso II) não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade e excepcionalidade, além de constituir expressão ampla, genérica e indeterminada, que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.

         A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.

O mesmo pode ser afirmado em relação à contratação de profissionais para atender evento incerto e imprevisível que implique na possibilidade de descontinuidade de serviço público de natureza essencial e para o reforço nos serviços públicos de natureza essencial durante o período de temporada de verão (médico, enfermeiro, técnico de enfermagem; Guarda civil e salva-vidas; Motorista, pedreiro, eletricista e ajudante geral) (art. 42, II e IV e 43, I).

         A amplitude das expressões legais permite aninhar em seu pressuposto qualquer situação sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração.

Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente(STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

Destaque-se que a adoção de cláusulas abertas para contratação temporária de servidores, permitindo todo e qualquer preenchimento, não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição Estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação temporária.

Ressalte-se, ainda, que a temporada de verão é previsível, permitindo à Administração planejamento para a contratação de servidores que porventura sejam necessários a garantir a prestação de serviços essenciais.

Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

A Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.

Não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.

A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

Repita-se, por relevante, que a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade.

Em outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

         A admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REx n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)    

Dessa forma, necessária a declaração de inconstitucionalidade dos incisos II, III e IV do art. 42 e do inc. I do art. 43 da Lei Complementar n° 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga.

III. c) NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO

Por fim, o § 2° do art. 46 dispõe que “a contratação para atender às necessidades de calamidade pública e de emergência em saúde pública prescindirá de processo seletivo”.

Resta evidente a inconstitucionalidade do aludido dispositivo legal, uma vez que a contratação deverá ser feita sempre através de processo seletivo. A provisoriedade das contratações não pode ser fundamento para se excluir a realização do processo seletivo, mesmo que simplificado.

         É necessário que haja um processo seletivo, transparente e objetivo, em função da necessidade temporária de excepcional interesse público, de modo que a possibilidade de sua exclusão constitui violação aos princípios de impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade e eficiência, constantes do art. 111 da Constituição Estadual.

IV – Pedido

         Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “pelo regime celetista” constante no caput do art. 42, dos incisos II, III e IV do art. 42, do inciso I do art. 43 e do § 2° do art. 46, todos da Lei Complementar n° 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga.

         Requer, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Bertioga, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 38.447/17

Interessado:  Glauber Silveira de Oliveira

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão “pelo regime celetista” constante no caput do art. 42, dos incisos II, III e IV do art. 42, do inciso I do art. 43 e do § 2° do art. 46, todos da Lei Complementar n° 93, de 19 de dezembro de 2012, do Município de Bertioga, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado informando sobre a propositura desta ação.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

 

 

 

                            Gianpaolo Poggio Smanio

                           Procurador-Geral de Justiça

 

blo/ts