Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo
Constitucional.
Processo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Resolução nº 54, de 18 de agosto
de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo. Contrariedade
ao princípio federativo. Competência privativa da União para legislar sobre
processo penal e estabelecer normas gerais sobre procedimento em matéria
processual. Ofensa ao Princípio da reserva legal e à separação dos poderes.
Matéria sujeita à lei formal. Direitos Humanos. Crimes dolosos contra a vida de
civis praticados por militares. Violação à competência da Justiça Comum para
investigação e processamento.
1. Resolução
que disciplina a realizações de diligências no curso de inquérito policial pela
prática de crimes dolosos contra a vida de civil - como apreensão de
instrumentos e objeto do crime e realização de perícias -, invade a competência
privativa da União, para legislar sobre processo e estabelecer normas gerais
sobre procedimentos em matéria processual (art. 22, I e 24, XI e § 1º, CF/88 c.c.
art. 1º, CE/89).
2. Resolução que inova acerca do tema, de
forma autônoma, genérica e abstrata, em violação à reserva legal e ao princípio
da separação dos poderes (art. 5º, caput e § 2º, CE/89; art. 5º, II, CF/88).
3. Violação da competência da Justiça
Comum para investigação e processamento dos crimes dolosos contra vida de civil
praticados por militares (art. 79-B, CE/89) bem como às atribuições previstas à
Polícia Militar e à Polícia Civil (arts. 140 e 141, CE/89).
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, vem,
respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Resolução nº 54, de
18 de agosto de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato
Normativo Impugnado
A
Resolução nº 54, de 18 de agosto de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do
Estado de São Paulo, que “dispõe sobre
apreensão de instrumentos ou objetos em Inquérito Policiais Militares”, tem
o seguinte teor:
O
Presidente do Tribunal de Justiça Militar, no uso de suas atribuições legais e
regimentais;
CONSIDERANDO
que o § 4º do artigo 125 da Constituição Federal dispõe que os crimes militares
definidos em lei, quando dolosos contra a vida de civil, são da competência do
júri;
CONSIDERANDO
que o § 2º do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar dispõe que nesses
casos a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à
Justiça Comum;
CONSIDERANDO
que os Títulos II e III do Livro I do Código de Processo Penal Militar tratam
detalhadamente do exercício da polícia judiciária militar e da elaboração do
inquérito policial militar;
CONSIDERANDO
que, ainda assim, quando da instauração de inquéritos policiais militares para
apuração de crimes dolosos contra a vida de civil, algumas dúvidas têm surgido
sobre o correto proceder em relação à apreensão de instrumentos ou objetos que
digam respeito ao fato;
CONSIDERANDO
a conveniência de se disciplinar o assunto, evitando que essas dúvidas resultem
no desatendimento do princípio constitucional da celeridade no trâmite desses feitos;
CONSIDERANDO
o decidido pelo E. Pleno na Sessão Administrativa Extraordinária de 18 de
agosto de 2017;
RESOLVE:
Art.
1º. Em obediência ao disposto no artigo 12, alínea “b” do Código de Processo
Penal Militar, a autoridade policial militar a que se refere o § 2º do artigo
10 do mesmo Código, deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que
tenham relação com a apuração dos crimes militares definidos em lei, quando
dolosos contra a vida de civil.
Art.
2º. Em observância ao previstos nos artigos 8º, alínea “g”, e 321 do Código de
Processo Penal Militar, a autoridade de polícia judiciária militar deverá
requisitar das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao
complemento da apuração dos crimes militares definidos em lei, quando dolosos
contra a vida de civil.
Art.
3º. Nos casos em que o órgão responsável pelo exame pericial proceder a
liberação imediata, o objeto ou instrumento deverá ser apensado aos autos
quando da remessa à Justiça Militar, nos termos do artigo 23 do Código de
Processo Penal Militar.
Art.
4º. Nas hipóteses em que o objeto ou instrumento permaneça no órgão responsável
pelo exame pericial e somente posteriormente venha a ser encaminhado à
autoridade de polícia judiciária militar, esta deverá também prontamente,
quando do recebimento, efetuar o envio desse material à Justiça Militar,
referenciando o procedimento ao qual se relaciona.
Parágrafo
único – O mesmo procedimento deverá ser adotado pela autoridade de polícia
judiciária militar quando do recebimento do laudo ou exame pericial.
Art.
5º. Esta Resolução entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
A Resolução nº 54/17 do TJMSP contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, bem como a Constituição
Federal, à qual está subordinada a produção normativa estadual, ante a previsão
do art. 25 da Constituição Federal, que assim estabelece:
Artigo 25 – Os Estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
A Resolução ora impugnada é
incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
Artigo
1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do
Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição
Federal.
(...)
Artigo
5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
(...)
§ 2º
- O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de
outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 79 - B – Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares do Estado, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ainda decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças
(...)
Artigo 140 - À Polícia Civil, órgão permanente, dirigida por delegados de polícia
de carreira, bacharéis em Direito, incumbem, ressalvada a competência da União,
as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
(...)
Artigo 141 - À Polícia Militar, órgão permanente, incumbem, além das atribuições
definidas em lei, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.
Com
efeito, a Resolução ora impugnada viola o princípio federativo, invadindo
competência privativa da União para legislar sobre processo e estabelecer
normas gerais sobre procedimentos em matéria processual.
Ofende,
ainda, a reserva legal imposta constitucionalmente para veiculação de matéria
que envolva processo e procedimento penal e a separação dos poderes.
Vulnera,
por fim, a competência da Justiça Comum para a investigação e processamento dos
crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares, subtraindo
competência própria da Polícia Civil para investigar, mediante inquérito
policial (e sem prejuízo do poder investigatório do Parquet), infrações penais comuns e exercer a atividade de polícia
judiciária, fornecendo competência à Polícia Militar e à Justiça Militar que
expressamente contrariam as reformas introduzidas pela Lei n. 9.299/96, pela
Emenda Constitucional n. 45/04 e pela Emenda n. 21/06 à Constituição Paulista.
III – A NATUREZA DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
Antes
de adentrar a análise das violações constitucionais promovidas pela Resolução
ora impugnada, é necessária breve análise de sua natureza jurídica, a ensejar a
instauração do contencioso direto de inconstitucionalidade.
A
Resolução impugnada ostenta evidente autonomia, generalidade e abstração, com
introdução de novidade normativa no ordenamento jurídico estadual, não sendo o
caso de mera crise de legalidade, na qual a Resolução, editada com o fim de
disciplinar assuntos de interesse interno, ultrapassa os limites estabelecidos
na lei ordinária.
No
caso em apreço, a Resolução assume caráter de regulamento autônomo, que desafia
o controle concentrado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A Resolução em questão sujeita-se ao controle de constitucionalidade
abstrato e concentrado por constituir ato normativo que, muito embora ostente
nome ou roupagem formal de ato secundário (resolução), inova autonomamente na
ordem jurídica, não se limitando a disciplinar questões interna corporis.
No ensinamento de Luís Roberto
Barroso, “os atos normativos
secundários, como decretos regulamentares, portarias, resoluções, por estarem
subordinados à lei, não são suscetíveis de controle em ação direta de
inconstitucionalidade. Não assim, porém, os atos normativos que, ostentando
embora o nome ou a roupagem formal de ato secundário, na verdade pretendem
inovar autonomamente na ordem jurídica, atuando com força de lei. Nesta caso,
poderão ser objeto de controle abstrato,
notadamente para aferir violação ao princípio da reserva legal. Situam-se nessa
rubrica os regimentos internos e atos
normativos elaborados pelos Tribunais, inclusive o de Contas” (Controle de Constitucionalidade no Direito
Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 7ª ed. p. 217).
Neste
contexto, a Resolução vergastada, ao inovar na disciplina concernente ao
procedimento relativo a atos de investigação e tramitação de inquérito policial
de crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares, assume caráter
autônomo, passível de objeto de controle concentrado de constitucionalidade.
Como já assentado, “o Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto” (RTJ 212/372; RTJ 206/232). Tal conclusão se esparge por identidade de razões à jurisdição constitucional estadual, instituída pelo § 2º do art. 125 da Constituição de 1988.
Em suma, se o ato normativo
impugnado ostenta autonomia, generalidade e abstração suficientes, com
introdução de novidade normativa, desafiando controle concentrado por meio de
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Neste sentido:
“1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ” (ADI n. 3664-RJ, Rel. Min. Cézar Peluso, Tribunal Pleno, Dje 21.09.2011)
Por outro lado, o deslocamento da competência do processamento e julgamento de crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares da Justiça Militar para a Justiça Comum, resultante da Lei n. 9.299/96, da Emenda Constitucional n. 45/04 e da Emenda n. 21/06 à Constituição Paulista, é signo da sensibilidade devotada ao relevante tema para a consolidação da efetiva tutela dos direitos humanos, e não pode ser obliterada por expedientes tendentes ao sentido oposto dessas normativas.
Colocadas essas premissas, passemos à
análise das violações aos dispositivos da Constituição Bandeirante.
IV – VIOLAÇÃO
AO PRINCÍPIO FEDERATIVO: COMPETÊNCIA
NORMATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO SOBRE PROCESSO
A
ordem constitucional vigente adotou o princípio da predominância do interesse
para definir a repartição de competências na federação brasileira. Nessa toada,
a competência para dispor sobre assuntos de interesse nacional ou
predominantemente geral foi atribuída à União, ao passo que o tratamento das
matérias de interesse predominantemente local ficou a cargo do Município,
restando aos Estados a competência residual.
Dessa
forma, é pertinente assentar que diante do sistema federativo e da repartição
constitucional de competências, quando se contraria uma regra de competência
estabelecida pela Lei Maior, mais que se descumprir uma simples norma, o que se
está a fazer, verdadeiramente, é desrespeitar uma das mais evidentes
manifestações do princípio federativo – e, assim, a violar frontalmente a Constituição
Estadual.
Pois
bem.
O traçado de competências normativas
acerca de direito processual
aponta a União como privativa detentora dessa capacidade, como consta do art.
22, I, da Constituição Federal.
Tal dispositivo, aliás, é reforçado
pelo art. 25, § 1º, da Constituição de 1988, que só comete aos Estados
competências residuais, de tal sorte que não lhes assiste dispor sobre aquilo
que foi privativamente outorgado à esfera normativa federal.
No
exercício da competência privativa que lhe é assegurada (art. 22, I, Constituição
Federal), a União editou o Código Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.001/69) e o
Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), que disciplinam a
investigação e processamento das infrações
penais militares.
O
art. 9º, parágrafo único, do Código Penal Militar, exclui do rol de crimes
militares aqueles dolosos contra a vida
e cometidos contra civil, estabelecendo que eles serão da competência da justiça comum.
A
investigação e processamento das infrações
penais comuns, dentre elas aquelas tipificadas como crimes dolosos contra a
vida, são disciplinadas pelo Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº
3.689/41), também editado pela União, no exercício de sua competência
legislativa privativa.
No
entanto, a Resolução n. 54/17, ora questionada, inova indevidamente no
ordenamento jurídico, ao disciplinar sobre (a) a apreensão de instrumentos ou
objetos em inquéritos policiais que envolvam infração penal dolosa contra a
vida de civil, e (b) a requisição de diligências investigativas e apensamento
de exames periciais.
Desse
modo, a resolução enfocada ao estabelecer que a autoridade policial militar
deve: (a) apreender instrumentos e objetos que tenham relação com apuração dos
crimes dolosos contra a vida de civil; (b) requisitar pesquisas e exames
necessários à apuração dessas infrações e que os objetos, instrumentos e exames
periciais; e que essas provas devem ser apensados aos autos da investigação
quando da remessa à Justiça Militar, afrontou
a competência legislativa da União
para editar normas sobre processo penal (arts. 22, I, Constituição Federal),
patenteando ofensa à competência normativa alheia e, em essência, ao princípio federativo.
Isso possibilita o contraste da
resolução objurgada em face do art. 1º da Constituição Estadual que delimita a
competência normativa do Estado de São Paulo, em especial dos agentes, órgãos e
entidades de quaisquer de seus Poderes.
A disciplina da investigação e
persecução penal constitui matéria de processo penal, não sendo lícito ao
Tribunal de Justiça Militar disciplinar o assunto autonomamente em resolução.
V – VIOLAÇÃO
AO PRINCÍPIO FEDERATIVO: COMPETÊNCIA
NORMATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO SOBRE NORMAS GERAIS EM PROCEDIMENTOS EM MATÉRIA
PROCESSUAL
Ainda dentro da repartição
constitucional de competências entre as diversas esferas da federação
brasileira como corolário sensível do princípio federativo, o artigo 24, XI da
Constituição Federal estabelece competir concorrentemente à União, Estados e Distrito
Federal, legislar sobre procedimentos em
matéria processual.
E no âmbito da legislação
concorrente, o artigo 24, § 1º estabelece competir à União estabelecer normas gerais.
Dispor sobre diligências
investigativas relacionadas a infrações penais, e sua remessa à autoridade
judiciária, é matéria relacionada a procedimento
em matéria processual.
No exercício da atividade legiferante
para editar normas gerais, a União editou tanto o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002/69) como o Código
de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41).
Desse modo, ainda que não se entenda
que a resolução ora objurgada não disciplina sobe processo, mas sim sobre
procedimento, é certo que ao disciplinar sobre inquérito policial, penetrou a
competência privativa da União prevista no artigo 24, XI e § 1º da Carta
Federal, para editar normas
gerais sobre procedimentos em matéria processual.
De fato, a resolução excede os limites da
competência normativa estadual e invade a competência normativa federal, sendo
incompatível com o art. 1º da Carta Estadual, norma que delimita a competência
estadual.
VI – OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E
À SEPARAÇÃO DOS PODERES
A Resolução nº 54/17 contraria frontalmente a
Constituição do Estado de São Paulo, bem como a Constituição Federal, à qual
está subordinada a produção normativa estadual, ante a previsão do art. 25 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal são aplicáveis aos
Estados por força de seu art. 25, que assim estabelece:
Artigo 25 –
Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,
observados os princípios desta Constituição.
De fato.
A Resolução ora impugnada mantêm
incompatibilidade vertical com o princípio da legalidade, porque a reserva
legal exige lei em sentido formal para a disciplina de regras sobre processo e
procedimentos em matéria processual.
Desse modo, seu tratamento por meio
de resolução implica de per si invasão do espaço reservado à
lei e violação contundente à cláusula da separação de poderes.
Com efeito, o art. 5º da Constituição
Estadual consagra a independência entre os Poderes, estabelecendo em seu § 2º
que:
O
cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro,
salvo as exceções previstas nesta Constituição.
Não bastasse matéria processual (e,
subsidiariamente, procedimental) empenhar lei em sentido estrito por força da
competência constitucional para legislar, é ponto elementar relacionado à
disciplina de regras relativas a processo e procedimento em matéria processual
a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em
sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita,
como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e
respectivo processo – estabelecer regras relativas a realização de diligências em inquéritos policiais e
requisição de exames periciais em crimes dolosos contra a vida de civis.
Nem se alegue que ao Tribunal de
Justiça Militar Estadual remanesce competência para organizar a administração
da justiça e da corporação castrenses, sob pena de convalidar a invasão de
matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.
A possibilidade de edição de
resolução para disciplina da organização administrativa interna não significa a
outorga de competência para fixar regras relativas ao inquérito policial, em
especial a diligências em geral e o seu trâmite.
A alegação cede à vista do art. 22, I
e 24, XII, da Constituição de 1988 que, em coro, exigem lei em sentido formal.
Desse
modo, o ato normativo ora impugnado ignorou a reserva legal constitucionalmente
estabelecida ao estabelecer regras relativas a processo penal e procedimento em
matéria processual, matérias que são de exclusiva iniciativa legislativa, sendo
interditado seu tratamento por resolução.
Os
temas disciplinados na resolução são de indispensável lei formal, a ser votada
pelo Poder Legislativo. Em última análise, desprezou-se a atuação do poder
competente para disciplinar a matéria, ou seja, o Poder Legislativo, em
manifesta afronta ao princípio da separação dos poderes.
VII - COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA COMUM PARA INVESTIGAÇÃO E PROCESSAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A
VIDA DE CIVIS PRATICADOS POR MILITARES
A Resolução nº 54/17 também viola os artigos
79-B, 140 e 141 da Carta Estadual, que assim dispõem:
Artigo 79 - B – Compete à Justiça
Militar estadual processar e julgar os militares do Estado, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo
ainda decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação
das praças.
(...)
Artigo 140 - À Polícia Civil, órgão
permanente, dirigida por delegados de polícia de carreira, bacharéis em
Direito, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
(...)
Artigo 141 - À Polícia Militar,
órgão permanente, incumbem, além das atribuições definidas em lei, a polícia
ostensiva e a preservação da ordem pública.
A competência jurisdicional da Justiça
Militar Estadual para os crimes militares praticados contra civis não abrange
os dolosos contra a vida quando a vítima for civil, nos termos do § 4º do art.
125 na redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/04, reproduzido pelo
artigo 79-B da Constituição Estadual, na redação dada pela Emenda
Constitucional n. 21/06.
No mesmo sentido o parágrafo único do art.
9º do Código Penal Militar, na redação dada pela Lei n. 9.299/96 e mantida pela
Lei n. 12.432/11, ao preceituar que:
Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra
a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo
quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da
Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica.
Nem se alegue que o § 2º do art. 82 do
Código de Processo Penal Militar, na redação dada pela Lei nº 9.299/96, serve
como fundamento hábil e proficiente da resolução combatida, porquanto a Emenda
Constitucional nº 45/04, que alterou o §4º do art. 125 da Constituição Federal
e a Emenda nº 21/06, que acrescentou o artigo 79-B à Constituição Estadual,
estabelecem a competência para processamento e julgamento de
crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militar, por força da
ressalva nela constantes.
A interpretação sistêmica da Constituição
está a demonstrar que quando se trata de processamento e julgamento, no seio da
repartição jurisdicional de competências – como por exemplo a originária dos
Tribunais – isto envolve a preliminar apuração mediante o inquérito policial.
Portanto, o §2º do art. 82 do Código de
Processo Penal Militar não foi recepcionado por essas Emendas Constitucionais.
Patente que se
compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crimes dolosos contra a
vida de civil praticados por militar, a ela compete também, e privativamente, pronunciar-se,
em sede de promoção de arquivamento do inquérito policial, recebimento de
denúncia, decisão de pronúncia ou plenária, assim como o controle do inquérito.
E se compete à
Justiça Comum o processamento
dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militar porque não
constituem infrações militares, por certo não
cabe à Polícia Judiciária Militar sua investigação, sendo reservada a essa
tão somente a investigação das infrações militares.
Assim entendeu o
Superior Tribunal de Justiça:
“(...)
3. Diante de tais modificações, esta Corte Superior de
Justiça adotou o entendimento de que, diante da incidência instantânea das
normas processuais penais disposta no artigo 2º do Código de Processo Penal, a
Lei 9.299/1996 possui aplicabilidade a partir da sua vigência, de modo que todas as investigações criminais
e processos em curso relativos à
crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil devem ser
encaminhados à Justiça Comum.
(STJ, RHC 25.384-ES, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi,
07-12-2010, v.u., DJe 14-02-2011)”.
“PROCESSUAL
PENAL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA.
INQUÉRITO POLICIAL.
ADMISSIBILIDADE DE CONFLITO
EM FASE PRÉ-PROCESSUAL. COMPETÊNCIA JUÍZO DA CAUSA.
TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS.
(...)
IV - Aplicada a
teoria dos poderes implícitos, emerge da competência de processar e julgar, o poder/dever de conduzir
administrativamente inquéritos policiais.
Conflito de
competência conhecido para declarar competente o Juiz de Direito da Vara
do Júri e das Execuções Criminais da Comarca de
Osasco/SP”.
(STJ- CC 144919-SP, Rel. Min. Felix Fischer, j.
220.6.2016).
Como bem destacado
na r. decisão acima colacionada, emerge da competência de processar e julgar,
o poder/dever de conduzir
administrativamente inquéritos
policiais.
Desse modo, a Resolução n. 54/17, ao disciplinar sobre medidas próprias
de inquéritos policiais de infrações penais que não se inserem dentro de sua
esfera de competência ou atribuição, viola o disposto no art. 79-B da
Constituição Estadual, bem como os arts. 140 e 141 desta, pois, subtrai da
Justiça Comum competência e da Polícia Civil o inquérito policial - que, como
visto, é função que lhe é própria, sem prejuízo da atividade investigatória
própria do Ministério Público.
VIII - PEDIDO
LIMINAR
Presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum
in mora, bastantes para autorizar a suspensão liminar da vigência e
eficácia do ato normativo impugnado.
A
aparência do bom direito se mostra inquestionável pela apreciação de todos os
motivos acima elencados, a demonstrar a inconstitucionalidade da Resolução n.
54/17.
O
perigo da demora decorre da periclitação à ordem pública e à segurança jurídica,
pois, investigações policiais poderão ser paralisadas ou dificultadas,
comprometendo-se a eficiência do sistema de Justiça, notadamente em tema tão
agudo e sensível.
Diante do exposto, requer-se a
concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Resolução
n. 54, de 18 de agosto de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São
Paulo.
IX – PEDIDO
Diante
do exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que
ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade Resolução n.
54, de 18 de agosto de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São
Paulo.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações ao Presidente do Tribunal de Justiça
Militar Estadual, bem como, em seguida, citado o
Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado,
aguardando-se, posteriormente, vista para fins de manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 28 de agosto de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Resolução
nº 54, de 18 de agosto de 2017, do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São
Paulo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 28 de agosto de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo