Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 25.214/17

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos II a VI e VIII a XI do art. 2º, e art. 4º, da Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2006, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo. Servidores Públicos. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessária temporária de excepcional interesse público. Hipóteses: combate a surtos endêmicos; existência de cargos vagos; situações de risco à saúde pública, à vida ou ao patrimônio público; situações de risco ao patrimônio privado por ação ou omissão do poder público; antecedência de seis meses de concurso público; docentes para substituição do titular; docentes para reduzida quantidade de alunos ou de disciplina transitória específica; docentes para classes de reforço; monitores para cursos profissionalizantes. Inexistência de atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Duração. Prazo excessivo.

1. Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2006, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que arrola no art. 2º como hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que são incompatíveis com o arts. 111 e 115, X, CE/89, por não haver demonstração de efetiva excepcionalidade determinada e específica, violando, ainda, moralidade e impessoalidade. 

2. Duração excessiva das contratações que não se conforma com a transitoriedade reclamada e a observância da razoabilidade (arts. 111 e 115, X, CE/89).

 

 

 

 

 

 

 

                  O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e 129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado n. 169.825/16, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos II a VI e VIII a XI do art. 2º e do art. 4º, caput, e a expressão “às contratações necessárias para a consecução de objetivos estabelecido em convênio com órgãos federais, estaduais ou de outros Municípios, e para os casos de contratações para aulas de cursos técnicos profissionalizantes e de música para o ensino médio e fundamental do Município e” do inciso II do § 1º da Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2006, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, pelos fundamentos a seguir expostos:

I - OS preceitoS normativoS impugnadoS

                   A Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2006, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, foi editada para disciplinar as contratações por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.

                   De particular interesse para esta ação os seguintes preceitos dessa lei:

Artigo 2º - Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:

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II – combate a surtos endêmicos;

III – existência de cargos vagos nos quadros de pessoal da Prefeitura que não possam ser preenchidos de forma imediata;

IV – situações que possam gerar risco à saúde pública ou a vida humana, ou ao patrimônio público;

V – situações causadas pela ação ou omissão da Administração que possam gerar risco ao patrimônio privado, sem prejuízo do direito de regresso;

VI – contratações que antecedem 06 (seis) meses do concurso público;

.................................................................................

VIII – contratação de docentes para regência de classes em decorrência da substituição dos respectivos titulares, afastados por prazo igual ou superior a 30 (trinta) dias;

IX – contratação de docentes para regência de classes cujo número reduzido de alunos, ou especificidade, transitoriedade da disciplina, não recomende a contratação de pessoal permanente;

X – contratação de docentes para classes de reforço supletivo;

XI – contratação de monitores para a realização de cursos profissionalizantes pela Prefeitura.

..................................................................................

Artigo 4º - As contratações serão feitas por prazo determinado, pelo prazo de até 02 (dois) anos.

§ 1º - O prazo previsto no caput deste artigo não se aplica:

I – aos casos previstos nos incisos VIII a XI do Artigo 2º desta lei, para os quais o evento previsto para o término da relação contratual será o tempo que durar a substituição ou o final do ano letivo em curso;

II – às contratações necessárias para a consecução de objetivos estabelecido em convênio com órgãos federais, estaduais ou de outros Municípios, e para os casos de contratações para aulas de cursos técnicos profissionalizantes e de música para o ensino médio e fundamental do Município e à professora gestante;

III – às contratações de substitutos às servidoras gestantes.

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

                   A Constituição Federal assegura aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes respeito aos princípios da própria Constituição Federal e da Constituição Estadual (art. 29). A Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29 da Constituição da República assim dispõe:

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

                   Destarte, as Constituições Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.

                   Os preceitos legais acima destacados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal, porque são incompatíveis com o disposto nos arts. 111 e 115, II e X, da Constituição do Estado de São Paulo que assim preceituam:

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

..................................................................................

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

..................................................................................

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

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X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

1. As hipóteses de contratação temporária de pessoal

                   O art. 2º, II a VI, e VIII a XI, da Lei Complementar n. 321/06arrolam hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.

                   Combate a surtos endêmicos; existência de cargos vagos; situações de risco à saúde pública, à vida ou ao patrimônio público; situações de risco ao patrimônio privado por ação ou omissão do poder público; antecedência de seis meses de concurso público; docentes para substituição do titular; docentes para reduzida quantidade de alunos ou de disciplina transitória específica; docentes para classes de reforço; monitores para cursos profissionalizantes, não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade, imprevisibilidade e excepcionalidade e constituem expressões amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.

                   A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.

                   O combate a surtos endêmicos e o enfrentamento de situações de risco, tal como se contém nos incisos II a IV do art. 2º da Lei Complementar n. 321/06, traduzem expressões amplas, genéricas, imprecisas, indeterminadas, vagas, que não são indicativa a priori de situação transitória, imprevisível, extraordinária, urgente, e excepcional se não for agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública ou a circunstâncias especiais que demonstrem a necessidade da medida.

                   A amplitude, a indeterminação, e a vagueza permitem aninhar em seu pressuposto qualquer fato sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

                   A existência de cargos vagos que não possam ser providos imediatamente padece de idênticos vícios e não ostenta os requisitos constitucionais exigidos seja porque (a) a vacância é algo comum e previsível no serviço público, (b) não há indicação da insuficiência do emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração, e (c) dissociada do prejuízo efetivo ao serviço público na persistência da vaga. Ademais, a jurisprudência estima que:

“A ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, para o exercício das mesmas atribuições do cargo para o qual promovera o concurso público, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade, caracterizando verdadeira burla à exigência constitucional do artigo 37, II, da Constituição Federal” (STF, AgR-ARE 649.046-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 28-08-2012, v.u., DJe 13-09-2012)

                   Idêntica premissa se dedica a contratações antecedentes a 06 (seis) meses do concurso público. Além de ser confusa a redação, ela parece indicar se tratar de vaga a ser suprida no semestre à nomeação e posse de aprovados em concurso público, o que não denota circunstância imprevisível e extraordinária.

                   Tampouco são situações emergenciais, excepcionais e imprevisíveis a contratação de docentes para regência de classes com reduzida quantidade de alunos ou por específica disciplina transitória, para regência de classes de reforço supletivo e de monitores para a realização de cursos profissionalizantes. Além de não se requerer a insuficiência do quadro de pessoal, a jurisprudência sublinha que projetos educacionais “correspondem a objetivos corriqueiros das políticas públicas de educação praticadas no território nacional. Diante da continuada imprescindibilidade de ações desse tipo, não podem elas ficar à mercê de projetos de governo casuísticos, implementados por meio de contratos episódicos, sobretudo quando a lei não tratou de designar qualquer contingência especial a ser atendida” (STF, ADI 3.721-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 09-06-2016, m.v., DJe 15-08-2016). E também:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 1.120/2003 DO MUNICÍPIO DE CONGONHAL/MG. 1) NECESSIDADE TEMPORÁRIA E EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO NÃO CONFIGURADOS. 2) CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE MÉDICOS, DENTISTAS, ENFERMEIROS, TÉCNICOS EM ENFERMAGEM, BIOQUÍMICO, TÉCNICOS EM RX, AUXILIARES DE ENFERMAGEM E AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE, AUXILIARES ADMINISTRATIVOS, PROFESSORES, OPERÁRIOS DE OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS; OPERADORES DE MÁQUINAS, PEDREIROS, PINTORES, ELETRICISTAS, ENCANADORES, AUXILIARES DE PEDREIROS, TÉCNICO AGRIMENSOR E MESTRE DE OBRAS, MERENDEIRAS E SERVIÇAIS, MAGAREFE E MONITOR DE ESPORTES. 3) CONTRARIEDADE AO ART. 37, INC. II E IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. PRECEDENTES. 4) RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 2º, 3º E 4º DA LEI COMPLEMENTAR N. 1.120/2003 DO MUNICÍPIO DE CONGONHAL/MG” (STF, RE 527.109-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 09-04-2014, v.u., DJe 30-10-2014).

         E no caso do inciso VIII do art. 2º da legislação local idênticas amplitude, indeterminação, imprecisão e generalidade o tisnam. Com efeito, a regra em sua formulação permite a contratação temporária para substituição de docente por qualquer motivo de afastamento, o que não atende aos pressupostos de excepcionalidade, transitoriedade, extraordinariedade. Ora, como decidido, “é inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

         Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

                   A Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público. Não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade urgente do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.

                   A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

                   A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

“É inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.469-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

“O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação normativa criteriosa quanto aos casos de ‘necessidade temporária de excepcional interesse público’ que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso, os traços de emergencialidade que justificam a medida atípica” (STF, ADI 3.721-CE, Rel. Min. Teori Zavascki, 09-06-2016, m.v., DJe 15-08-2016).

                   A admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

                   Em outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

                   Em síntese, como deliberou o Supremo Tribunal Federal:

“3. À luz do conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE 658.026, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 31.10.2014), a contratação temporária reclama os seguintes requisitos para sua validade: (i) os casos excepcionais devem estar previstos em lei; (ii) o prazo de contratação precisa ser predeterminado; (iii) a necessidade deve ser temporária; (iv) o interesse público deve ser excepcional; (iv) a necessidade de contratação há de ser indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração, mormente na ausência de uma necessidade temporária” (STF, ADI 5.163-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux. 08-04-2015, v.u., DJe 18-05-2015).

                   A previsão de hipóteses de contratação temporária à margem dos requisitos constitucionais revela, de outro lado, agravo a princípios caros e sensíveis que balizam as atividades estatais como os de moralidade e impessoalidade, constantes do art. 111 da Constituição Estadual que, não bastassem iluminarem a excepcionalidade do próprio art. 115, X, da Constituição Estadual, restam contrariados ao se facilitar a admissão de pessoal ao serviço público à míngua do concurso público.

2. Duração excessiva dos contratos

                   O art. 4º da Lei Complementar n. 321/06 estabelece a duração dos contratos adotando prazo máximo bienal no caput e tece exceções nos incisos do § 1º.

                   Ora, o prazo geral de 02 (dois) anos se afigura excessivo à vista das próprias situações descritas no art. 2º da citada lei complementar, desfigurando a transitoriedade.

                   Por outro lado, a vinculação do prazo na exceção do inciso II do § 1º do art. 4º à consecução de objetivos estabelecidos em convênio com outros órgãos públicos, e a aulas de cursos profissionalizantes e de música para o ensino médio e fundamental, carrega em si a potencialidade de exceder a regra do caput.

                   É nítido que essas hipóteses não podem ter larga duração no tempo por carecer completamente a excepcionalidade e a transitoriedade.

Com efeito, “para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

                   Além disso, “a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).                   O art. 4º, caput, e a expressão “às contratações necessárias para a consecução de objetivos estabelecido em convênio com órgãos federais, estaduais ou de outros Municípios, e para os casos de contratações para aulas de cursos técnicos profissionalizantes e de música para o ensino médio e fundamental do Município e” do inciso II do § 1º, são excessivos e não se conformam com a transitoriedade elementar à contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, contrastando com o inciso X do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo.

                   Além disso, colidem com o princípio de razoabilidade constante do art. 111 da Constituição Estadual por conterem medida inadequada, desnecessária e desproporcional.

III – PEDIDO

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade dos incisos II a VI e VIII a XI do art. 2º, e do art. 4º, caput, e a expressão “às contratações necessárias para a consecução de objetivos estabelecido em convênio com órgãos federais, estaduais ou de outros Municípios, e para os casos de contratações para aulas de cursos técnicos profissionalizantes e de música para o ensino médio e fundamental do Município e” do inciso II do § 1º da Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2006, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

                   Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

                  Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 18 de maio de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 25.214/17

Interessado: Doutor Reginaldo Garcia (Promotor de Justiça)

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2016, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

 

        

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando os incisos II a VI e VIII a XI do art. 2º e o art. 4º, caput, e a expressão “às contratações necessárias para a consecução de objetivos estabelecido em convênio com órgãos federais, estaduais ou de outros Municípios, e para os casos de contratações para aulas de cursos técnicos profissionalizantes e de música para o ensino médio e fundamental do Município e” do inciso II do § 1º, da Lei Complementar n. 321, de 15 de dezembro de 2006, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, instruída com o protocolado em epígrafe referido.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 18 de maio de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj