Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 3.210/17

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade cumulada com Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Art. 11 e § 1º e Anexos I e II da Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, e inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, do Município de São Carlos. Cargos públicos. Cargos de provimento em comissão. Descrição de atribuições. Inexistência de funções de assessoramento, chefia e direção e de reserva de percentual de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira no Poder Legislativo. Regime celetista. Remuneração diferenciada.

1. Normativa municipal criando cargos de provimento em comissão que não se acomoda aos parâmetros constitucionais porque (a) as funções descritas não substanciam assessoramento, chefia ou direção, mas, atribuições técnicas, profissionais, burocráticas, (b) é incompossível o regime celetista com a liberdade de exoneração, e (c) no tocante, aos Assessores Parlamentares contém organização em carreira com diferentes remunerações, inadmissível no comissionamento (arts. 111 e 115, II e V, CE/89).

2. Omissão inconstitucional na definição de percentual mínimo de cargos de provimento em comissão reservados a servidores de carreira (art. 115, V, CE/89).

 

 

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade em face do art. 11 e § 1º e os Anexos I e II da Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, e do inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, do Município de São Carlos, cumulada com Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão em face da Câmara Municipal de São Carlos, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os preceitos normativos impugnados e a omissão inconstitucional

                   A Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, que dispõe sobre a estrutura administrativa da Câmara Municipal de São Carlos, assim preceitua no art. 11 e § 1º:

Art. 11. Fica criado o Quadro de Empregos em Comissão da Câmara, com as denominações, quantidades, requisitos e vencimentos definidos no Anexo I desta Lei.

§ 1º. As atribuições dos empregos em comissão são definidos no Anexo II desta Lei, conforme competências definidas nesta Lei.

                   O Anexo I – denominado “QUADRO DE EMPREGOS EM COMISSÃO” tem a seguinte redação:

 

EMPREGO EM COMISSÃO

QUANTITATIVO

REQUISITO

VALOR

R$

VALOR

R$ (40%)

Assessor Parlamentar I

21

Nível Fundamental Incompleto

4.233,82

1.693,53

Assessor Parlamentar II

21

Nível Fundamental Incompleto

4.099,79

1.639,92

Assessor Parlamentar da Mesa Diretora

1

Nível Médio

5.129,14

2.051,65

Chefe de Gabinete da Presidência

1

Nível Médio

6.006,96

2.402,78

Secretário Geral

1

Nível Médio

8.298,95

3.319,58

Diretor

2

Nível Médio

7.575,85

3.030,34

 

                   Por sua vez, o Anexo II – intitulado “DESCRIÇÃO SUMÁRIA” – tem a seguinte redação:

 

EMPREGO EM

COMISSÃO

DESCRIÇÃO SUMÁRIA

Assessor Parlamentar I

Auxilia o Vereador nas matérias legislativas de seu interesse, podendo elaborar minutas de matérias legislativas, bem como os seus pronunciamentos. Recepciona e promove a interlocução com munícipes, entidades, associações de classe e demais visitantes, prestando esclarecimentos e encaminhando-os ao Vereador, bem como organizando audiências do parlamentar com sua base eleitoral e categorias de representados.

Assessor Parlamentar II

Auxilia o Vereador nas matérias legislativas de seu interesse, podendo elaborar minutas de matérias legislativas, bem como os seus pronunciamentos. Presta assessoria ao parlamentar em suas reuniões. Redige ofícios, cartas, requerimentos e documentos em geral. Organiza o atendimento, em Gabinete, pelo Edil, de munícipes e representantes da sociedade civil, controlando o protocolo do Gabinete. Controla a agenda do Vereador, dispondo horário de reuniões, visitas, entrevistas e solenidades. Coordena os assuntos administrativos do gabinete.

Chefe de Gabinete

da Presidência

Controla a agenda do Presidente da Câmara, organizando reuniões ordinárias e extraordinárias da Mesa da Câmara, bem como as rotinas de atendimento institucional do representante da Câmara.

Assessor

Parlamentar da Mesa

Diretora

Assessora a Mesa Diretora no planejamento, organização e coordenação das atividades legislativas da Câmara, mantendo-a informada sobre os prazos de processos legislativos. Auxilia a Mesa na elaboração de proposições legislativas e demais espécies normativas de competência da Mesa.

Secretário Geral

Assessora a Mesa Diretora a no planejamento, organização e coordenação das atividades administrativas da Câmara, mantendo-a informada sobre a atuação dos Departamentos da Câmara. Auxilia a Câmara na elaboração de projetos de resolução concernentes à organização da Câmara e seu funcionamento. Presta assessoria à Mesa em matérias envolvendo a fixação de salário e planos de carreira dos empregados da Câmara, em conjunto com demais Departamentos da Câmara.

Diretor

Supervisiona, coordena e planeja a execução de atividades correlatas à unidade sob sua direção. Estuda métodos de otimizar o funcionamento do departamento, se responsabilizando pela publicação de relatórios de desempenho. Participa da elaboração de políticas gerenciais quanto ao funcionamento da Câmara. Fornece informações sobre o desempenho de sua respectiva unidade, quando solicitado pelo Secretário-Geral ou pela Mesa da Câmara.

 

                   Instada a Câmara Municipal de São Carlos ao fornecimento de exemplares de leis ou atos normativos que adotaram o regime celetista para os servidores investidos em cargos de provimento em comissão, apresentou cópia das Leis n. 17.313/14 e n. 17.314/14 assinalando que a primeira instituiu regime jurídico administrativo não celetista para os cargos comissionados.

                  

                   Da leitura da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, que dispõe sobre o Plano de Carreiras e Salários da Câmara Municipal de São Carlos, colhe-se o disposto no inciso III de seu art. 2º:

Art. 2º. Para os fins desta Lei, considera-se:

..................................................................................................

III – Emprego em Comissão: unidade laborativa com denominação própria e número certo, que implica o desempenho, pelo seu titular, de conjunto de atribuições e responsabilidades de direção, chefia ou assessoramento, provido por livre nomeação;

                   Da análise dessas duas leis tampouco se verifica a existência de regra definindo o percentual mínimo de cargos de provimento em comissão reservados a servidores de carreira.

II - O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   A produção normativa municipal se subordina aos preceitos estabelecidos na Constituição Estadual como revela seu art. 144 em consonância com o art. 29 da Constituição Federal.

                   O art. 11 e § 1º e os Anexos I e II da Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, e do inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, do Município de São Carlos, e a omissão normativa apontada, são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição do Estado de São Paulo:

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

..................................................................................................

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

.................................................................................................

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

..................................................................................................

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

 

A – Criação de cargos de provimento em comissão

                   A leitura do Anexo II a que se refere o § 1º do art. 11 da Lei n. 17.313/14, está a revelar a incompatibilidade do art. 11 e § 1º e dos Anexos I e II desse diploma legal com os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição Paulista.

                   Cargos de provimento em comissão só podem ser criados se a lei contiver descrição efetiva, real e concreta de atribuições de assessoramento, chefia e direção, que torna necessário o vínculo de confiança para transmissão e controle de diretrizes de natureza política de governo, dada a sua característica excepcional em relação à regra da profissionalização do serviço público balizado pelo sistema de mérito.

                   A inexistência de descrição dessas atribuições ou a descrição de funções que não substanciam assessoramento, chefia e direção, mas, atribuições profissionais, técnicas, braçais, ordinárias, ou, ainda, a descrição insuficiente marcada por cláusulas amplas, genéricas, imprecisas ou indeterminadas, contraria os parâmetros constitucionais invocados por se tratar de abusiva, desarrazoada e artificial criação de postos de provimento em comissão.

                   A criação de cargos de provimento em comissão deve, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

                   Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção devida e suficientemente descritas no texto legal.

                   É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras ou descrições vagas, imprecisas, indeterminadas.

                   A jurisprudência consolidada corrobora estas assertivas enunciando que:

“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).

“É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

“É inconstitucional a criação de cargos em comissão que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico” (ADI 3.602, Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 7.6.11). No mesmo sentido: AI 656.666-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 5.3.2012 e ADI 3.233, Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe 14.9.2007” (STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012).

                   Não bastasse a incompatibilidade com os incisos II e V do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, é óbvio que tal criação abusiva e artificial de cargos comissionados ofende o princípio de razoabilidade inscrito no art. 111 da Constituição Estadual porque o legislador municipal não primou pela observância do substantive due process of law cometendo excesso, bem como os princípios de moralidade e impessoalidade constantes do mesmo preceito constitucional na medida em que a criação desmesurada e inconstitucional de postos comissionados na Administração configura vilipêndio à imprescindível ética que deve reinar nos assuntos públicos por facilitar o ingresso de pessoal em função pública à margem da regra do concurso público, prestigiando apaniguados e atendendo interesses outros que não o interesse público primário.

                   Julgados do Supremo Tribunal Federal são bem elucidativos a respeito:

“DOIS AGRAVOS REGIMENTAIS NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FUNÇÕES GRATIFICADAS OU DE CONFIANÇA. NOMEAÇÃO DE SERVIDORES SEM VÍNCULO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. AGRAVOS REGIMENTAIS NÃO PROVIDOS. 1. Funções públicas ou de confiança são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a ser serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche. Ditas limitações ao preenchimento de cargos e funções na Administração Pública visam conferir efetividade aos princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e da eficiência administrativa. 2. A Constituição Federal, no inciso V do artigo 37, preceitua as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo inconcebível que a exigência constitucional do concurso público não possa ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza, bem assim que, a título de preenchimento provisório de vaga ou substituição do titular do cargo – que deve ser de provimento efetivo, mediante concurso público -, se proceda à livre designação de servidores ou ao credenciamento de estranhos ao serviço público. 3. In casu, a Lei nº 8.221/91 criou o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, tendo sido proposta ação civil pública por suposta prática de atos de improbidade administrativa, visando a anulação dos atos de nomeações para exercício das funções gratificadas, as quais somente poderiam ser preenchidas por servidores do Quadro do referido Tribunal. Precedentes: ADI nº 1.141/GO-MC, Tribunal Pleno, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 4.11.94; RE nº 557.642/SP, relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 17.12.2010; RE nº 510.605/SP, relator Ministro Celso de Mello, DJe de 4.08.2010; RE nº 376.440/DF, relator Ministro Dias Toffoli, DJe de 05.08.2010. 4. Agravos regimentais não providos” (STF, AgR-segundo-RE 503.436-PI, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 16-04-2013, v.u.,DJe 06-05-2013).

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOMEAÇÃO DE APADRINHADOS EM CARGOS DE CONFIANÇA. DESVIO DE FINALIDADE. VIOLAÇÃO À MORALIDADEADMINISTRATIVA. PROVIMENTO MOTIVADO PARA ATINGIR INTERESSES PESSOAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 279 DO STF. 1. O provimento de cargos de livre nomeação e exoneração devem obedecer aos requisitos encartados na Constituição Federal, vale dizer a) devem ser destinados às funções de direção, chefia e assessoramento; b) devem ser observados os princípios que regem a Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, entre outros. 2. In casu, o Tribunal a quo entendeu que a criação e o provimento de 27 (vinte e sete) cargos em comissão se deu exclusivamente para atender a interesses particulares dos ora agravantes, servindo de ‘recompensa’ política aos contemplados, de forma que restaria configurado a improbidade administrativa no termos da Lei infraconstitucional de regência – Lei 8.429/92 - desvio de finalidade e violação ao princípio da moralidade administrativa. 3. Dissentir desse entendimento implicaria no reexame de fatos e provas, o que é vedado nesta instância face o teor da Súmula 279 do STF, verbis: ‘Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’. 4. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-AI 842.925-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 23-08-2011, v.u., DJe 14-09-2011).

“A obrigatoriedade de concurso público, com as exceções constitucionais, é instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, garantidores do acesso aos cargos públicos aos cidadãos” (STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011).

“AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I - Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II - Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. III - Agravo improvido” (RTJ 204/385).

                   A atenta leitura do Anexo II da Lei n. 17.313/14 denota que as atribuições ali discriminadas não concretizam a excepcionalidade exigível na criação de postos comissionados de livre provimento e exoneração porque não revelam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, profissionais, ordinárias.

                   Conquanto o requisito de escolaridade dos cargos de provimento em comissão de Assessor Parlamentar I e Assessor Parlamentar II seja o nível fundamental incompleto curiosamente lhe são atribuídas, em comum, tarefas de natureza técnica, profissional e ordinária relativamente ao auxílio ao Edil nas matérias legislativas de seu interesse mediante elaboração de minutas e de seus pronunciamentos. Redigir minutas de projetos de lei, resolução, decreto legislativo, moções, pedidos de informação, votos etc. e discursos reflete atribuições que não justificam a excepcionalidade do provimento em comissão.

                   A recepção e promoção de interlocução com pessoas físicas ou jurídicas, a prestação de esclarecimentos, o encaminhamento ao agente público, e a organização de audiências, previstas para o Assessor Parlamentar I, consistem em funções profissionais e ordinárias.

                   Da mesma maneira, e quanto ao Assessor Parlamentar II, a assessoria em reuniões, a redação de ofícios, cartas, requerimentos e documentos, a organização do atendimento no gabinete, o controle do protocolo e da agenda, constituem funções profissionais e ordinárias.

                   O controle da agenda do Presidente da Câmara, a organização de reuniões, e as rotinas de atendimento institucional, prescritas ao Chefe de Gabinete, são atribuições profissionais e ordinárias.

                   No tocante aos empregos de Assessor Parlamentar da Mesa Diretora, Secretário Geral e Diretor em comum são descritas atividades de assessoramento no planejamento, organização e coordenação de atividades e de supervisão, coordenação e planejamento de atividades, a título de logomaquia por não especificarem seu conteúdo.

                   Ademais, soa paradoxal a série de atribuições discriminadas, de natureza técnico-profissional, e o requisito de escolaridade para o provimento do nível médio.

                   Ao Assessor Parlamentar da Mesa Diretoria foram previstas atribuições de assessoramento no planejamento, organização e coordenação das atividades legislativas, a prestação de informações sobre prazos nos processos legislativos, e o auxílio na elaboração de proposições e demais espécies normativas de competência do órgão, o que reflete atribuições simples, profissionais e comuns.

                   Ao Secretário Geral foram previstas atribuições de assessoramento no planejamento, organização e coordenação das atividades administrativas, a prestação de informações sobre a atuação de órgãos administrativos, e a assessoria na fixação de salários e planos de carreira, o que espelha funções de natureza profissional e ordinária.

                   Por fim, ao Diretor o estudo de métodos de otimização do Departamento, a responsabilização pela publicação de relatórios de desempenho, a participação na elaboração de políticas gerenciais do funcionamento e o fornecimento de informações aos órgãos superiores, tarefas que não carecem de relação de especial confiança por consistirem funções profissionais e ordinárias.

                   Em suma, não há nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, os diplomas legais impugnados ofensivos aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

B – Adoção de regime celetista

                   Embora a legislação municipal não seja explícita a respeito, ao instituir empregos públicos de provimento em comissão e criar o respectivo quadro, adota implicitamente o regime celetista dado que conceitualmente o emprego público é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

                   Assim sendo, o art. 11 e § 1º da Lei n. 17.313/14 e o inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314/14 não se compatibilizam com os arts. 111 e 115, II, da Constituição Bandeirante.

                   A adoção do regime celetista limita a liberdade de provimento e exoneração do cargo à dispensa imotivada onerosa porque fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo.

                   O regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

                   O desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público no inciso II do art. 115 da Constituição Paulista, o que demonstra, ainda, sua incompatibilidade com os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público insertos no art. 111 da Constituição Estadual.

                   A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

                   A discrepância com os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público é visível. Além da onerosidade da restrição de exoneração imotivada ser lesiva ao erário, ela abre oportunidades a toda sorte de mazelas, distanciados do interesse público primário e, ademais, é opção inadequada (por não atingir nenhum fim público, somente interesses particulares), desnecessária (por ser indevidamente onerosa) e desproporcional (porque o ônus imposto é incompatível com o resultado), ofensiva à lógica, ao bom senso e à racionalidade que não se conforma com as finalidades normais e regulares da Administração Pública no tocante às posições de natureza comissionada.

C – Organização em carreira

                   Como visto, há 02 (duas) espécies de empregos públicos de provimento em comissão - Assessor Parlamentar I e Assessor Parlamentar II – com remunerações distintas. Em comum suas atribuições compreendem o auxílio nas matérias legislativas com a prerrogativa de elaboração de minutas e de pronunciamentos e o atendimento à população.

                   A estruturação desses postos em classes diferentes com níveis distintos de remuneração não oferece qualquer conotação lógica, e fornece ideia de carreira que não se coaduna com sua natureza comissionada.

                   Constitui “figura estranha ao Direito Administrativo brasileiro, qual seja, a de carreira formada de cargos em comissão, por natureza, isolados”, porquanto “a própria organização, em carreira, dos cargos em apreço (ressaltada no parecer), pela ideia de permanência que traduz não se mostra compatível com a índole da comissão” (STF, Rp 1.282-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 12-12-1985, v.u., DJ 28-02-1986, p. 2.345, RTJ 116/887).

                   Além disso, proporciona ao administrador público uma grande margem de liberdade, inspirada por motivos secretos, subjetivos e pessoais, na medida em que lhe faculta a escolha casuística do nível do assessor na admissão para efeito remuneratório, distanciando-se dos princípios de moralidade e de impessoalidade.

                   Destarte, os Anexos I e II da Lei n. 17.313/14 no tocante às expressões “Assessor Parlamentar I” e “Assessor Parlamentar II” são incompatíveis com os arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

D – Reserva de percentual mínimo a servidores de carreira

                   O exame da legislação municipal proporciona a captação da ausência de norma específica estabelecendo o percentual mínimo de cargos de provimento em comissão reservados a servidores de carreira, como determina o inciso V do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo.

                   Trata-se de omissão inconstitucional caracterizada pela mora no dever de legislar contido na norma not self executing do inciso V do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, cabendo à Câmara Municipal de São Carlos a edição do competente ato normativo.

                   Nessas situações, segundo a orientação dominante além da ciência da mora legislatoris impõe-se a fixação de prazo razoável para colmatá-la e, persistindo a omissão, o estabelecimento de percentual mínimo até a edição do competente ato normativo, como já deliberado por este colendo Órgão Especial no seguinte aresto:

“ACÃO DE DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Alegação de ofensa ao Art. 115, inciso V, da Constituição Estadual, que dispõe que os cargos em comissão (destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento) devem ser preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei. Reconhecimento de inconstitucionalidade em razão da inexistência de norma disciplinando a questão no âmbito do município de Nova Campina. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida. Estabelecimento, ainda, do percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento) para preenchimento dos cargos em comissão por servidores públicos efetivos, na hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo fixado.” (TJSP, ADO 0140894-75.2013.8.26.0000, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, 20-08- 2014).

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico na investidura de pessoal em posições indevidamente comissionadas com forte impacto no erário seja no tocante à remuneração seja no que se refere ao ônus para sua exoneração.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 11 e § 1º e os Anexos I e II da Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, e do inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, do Município de São Carlos.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação para que ao final seja julgada procedente declarando a:

(1) inconstitucionalidade do art. 11 e § 1º e os Anexos I e II da Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, e do inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, do Município de São Carlos;

(2) inconstitucionalidade por omissão consistente na existência de mora legislativa referente à edição de ato normativo específico fixando percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa da Câmara Municipal de São Carlos a serem preenchidos por servidores públicos de carreira, bem como seja (a) dada ciência à Câmara Municipal fixando-se prazo para edição de ato normativo em relação aos servidores do Poder Legislativo, e (b) fixado percentual mínimo dos cargos em comissão para preenchimento por servidores públicos efetivos a ser observado pela Câmara Municipal na hipótese de persistência da omissão normativa além do prazo estabelecido no item anterior.

                   Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de São Paulo, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 02 de maio de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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Protocolado n. 3.210/17

Interessado: Ouvidoria do Ministério Público

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei n. 17.313/14 do Município de São Carlos e da omissão da Câmara Municipal de São Carlos referente ao art. 115, V, da Constituição Estadual

 

 

 

 

1.     Promova-se a distribuição no egrégio Tribunal de Justiça, instruída com o protocolado em epígrafe referido, da petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 11 e § 1º e os Anexos I e II da Lei n. 17.313, de 26 de novembro de 2014, e do inciso III do art. 2º da Lei n. 17.314, de 26 de novembro de 2014, do Município de São Carlos, cumulada com ação direta de inconstitucionalidade por omissão em face da Câmara Municipal de São Carlos.

2.     Dê-se ciência ao douto Ouvidor do Ministério Público, encaminhando-lhe cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 02 de maio de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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