Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 3.405/17

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Expressão “ou de comoção interna” do inciso I e incisos II a V do art. 2º, art. 4º, expressão “ou, não existindo paradigma, às condições do mercado de trabalho” do art. 7º, art. 8º e § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, e inciso VI e § 3º do art. 71, da Lei Complementar n. 15, de 04 de fevereiro de 2005, do Município de Castilho. Servidores Públicos. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessária temporária de excepcional interesse público. Hipóteses: (a) comoção interna; (b) atendimento de serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, assim como para servidores braçais; (c) servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, assim como de pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais; (d) implantação de serviços urgentes e inadiáveis; (e) execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas (Lei n. 2.254/13, art. 2º). Inexistência de atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Duração. Prazo excessivo com admissão de prorrogação. Ausência de razoabilidade (Lei n. 2.254/13, art. 4º). Remuneração. Mercado de trabalho. Violação à reserva de lei e ao princípio da separação de poderes (Lei n. 2.254/13, art. 7º). Regime jurídico. Consolidação das Leis do Trabalho. Inadmissibilidade. Regime jurídico administrativo (Lei n. 2.254/13, art. 8º). Extinção voluntária antecipada. Pagamento de indenização (Lei n. 2.254/13, art. 13, § 3º).

1. Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, que arrola no art. 2º como hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (a) comoção interna (parte final do inciso I), (b) atendimento de serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, assim como para servidores braçais (inciso II), (c) servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, assim como de pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais (inciso III), (d) implantação de serviços urgentes e inadiáveis (inciso IV), e (e) execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas (inciso V).

2. Incompatibilidade com o art. 115, X, CE/89, por não haver demonstração de efetiva excepcionalidade determinada e específica.  

3. Duração excessiva das contratações agravada com a possibilidade de prorrogação (art. 4º, Lei n. 2.254/13), que não se conforma com a transitoriedade reclamada (art. 115, X, CE/89).

4. A expressão in fine do art. 7º da Lei n. 2.254/13 “ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” possibilita a fixação de remuneração de servidores temporários à margem da reserva de lei, violando a separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111, CE/89).

5. A adoção regime celetista na contratação de pessoal temporário (art. 8º, Lei n. 2.254/13) é incompatível com o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, CE/89.

6. O pagamento de indenização ao contratado por rescisão contratual antecipada, a seu pedido, como previsto no § 3º do art. 11 da Lei n. 2.254/13, não atende aos princípios de moralidade, razoabilidade e interesse público (art. 111, CE/89), porque imputa responsabilidade à Administração Pública por ato que independe de sua vontade.

 

 

 

 

 

                  O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e 129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado n. 169.825/16, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “ou de comoção interna” do inciso I e dos incisos II a V do art. 2º, do art. 4º, da expressão “ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º, do art. 8º e do § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do Município de Castilho, pelos fundamentos a seguir expostos:

I - OS preceitoS normativoS impugnadoS

                   A Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do Município de Castilho, foi editada para disciplinar as contratações por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.

                   De particular interesse para esta ação os seguintes preceitos dessa lei:

Art. 2º. As contratações na forma desta Lei ocorrerão nos seguintes casos:

I – Na ocorrência de calamidade pública, de assistência a emergências em saúde pública ou de comoção interna;

II – Para atender serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, assim como para servidores braçais;

III – Para os servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, assim como de pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais;

IV - Para implantação de serviços urgentes e inadiáveis;

V – Para execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas;

.................................................................................. Art. 4º. As contratações serão efetuadas por tempo determinado, observados os seguintes prazos:

I – Seis meses, no caso dos incisos I, IV e V do art. 2º;

II – Doze meses, no caso dos incisos II, III e VI.

Parágrafo Único – Os prazos previstos no artigo anterior poderão ser prorrogados por até igual período.

.................................................................................. Art. 7º. A remuneração do pessoal contratado nos termos desta Lei será fixada em importância não superior ao valor da remuneração fixada para os servidores em final de carreira das mesmas categorias ou nos planos de cargos e salários do órgão contratante, ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho.

.................................................................................. Art. 8º. O pessoal contratado nos termos desta Lei ficará veiculado ao Regime Geral de Previdência Social e a contratação se dará pela Consolidação das Leis do Trabalho.

.................................................................................. Art. 11. O contrato firmado de acordo com esta Lei extinguir-se-á sem direito a indenizações:

.................................................................................. II – Por iniciativa do contratado;

.................................................................................. § 3º. A extinção do contrato, no caso do inciso II, importará no pagamento de indenização correspondente à metade do que lhe caberia referente ao restante do contrato.

 

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

                   A Constituição Federal assegura aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes respeito aos princípios da própria Constituição Federal e da Constituição Estadual (art. 29). A Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29 da Constituição da República assim dispõe:

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

                   Destarte, as Constituições Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.

                   Os preceitos legais acima destacados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal, porque são incompatíveis com o disposto nos arts. 5º, 24, § 2º, 1, 111 e 115, II e X, da Constituição do Estado de São Paulo que assim preceituam:

Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

..................................................................................

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

..................................................................................

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

..................................................................................

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

..................................................................................

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

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II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

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X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

 

1. As hipóteses de contratação temporária de pessoal

                  A expressão “ou de comoção interna” do inciso I e os incisos II a V do art. 2º da Lei n. 2.254/13, arrolam hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.

                   Comoção interna, atendimento de serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, servidores braçais, servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais, implantação de serviços urgentes e inadiáveis e execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas, não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade, imprevisibilidade e excepcionalidade e constituem expressões amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.

                   A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.

                   A contratação por tempo determinado na ocorrência de comoção interna é expressão ampla, ambígua, genérica, imprecisa, indeterminada, vaga, que não é indicativa a priori de situação transitória, imprevisível, extraordinária, urgente, e excepcional se não for agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública ou a circunstâncias especiais que demonstrem a necessidade da medida.

                   A amplitude, a indeterminação, e a vagueza permitem aninhar em seu pressuposto qualquer comoção intestina sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

         Nas demais situações descritas nos incisos II a V do art. 2º da Lei n. 2.254/13 também não se verificam os requisitos acima destacados.

         Serviços de engenharia, obras e de natureza industrial são absolutamente normais, corriqueiros, previsíveis e ordinários no exercício das funções administrativas, assim como a necessidade de trabalhadores braçais que, ademais, é função de postos permanentes de qualquer esfera da Administração – notadamente nos Municípios – o que patenteia, no particular, tentame de burla ao provimento de cargos ou empregos permanentes por concurso público. Não há na norma ligação com eventual insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública nem com parâmetros de urgência, transitoriedade ou excepcionalidade.

         A necessidade de servidores em áreas estratégicas e reputadas essenciais (saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação) além de ser vasta tampouco apresenta transitoriedade, urgência e excepcionalidade e, muito menos, se baseia na eventual insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública. O que se revela é expediente de burla ao provimento de cargos ou empregos permanentes por concurso público. Idênticas premissas se estabelecem à necessidade de pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais.

                   A implantação de serviços urgentes e inadiáveis e a execução de serviços transitórios e de necessidade esporádica desacompanhada de elemento de excepcionalidade, isto é, sem demonstração da insuficiência de meios ordinários da Administração, deturpa os requisitos excepcionais da contratação temporária.

         Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

                   A Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público. Não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade urgente do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.

                   A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

                   A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

“É inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.469-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

“O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação normativa criteriosa quanto aos casos de ‘necessidade temporária de excepcional interesse público’ que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso, os traços de emergencialidade que justificam a medida atípica” (STF, ADI 3.721-CE, Rel. Min. Teori Zavascki, 09-06-2016, m.v., DJe 15-08-2016).

                   A admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

                   Em outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

                   Em síntese, como deliberou o Supremo Tribunal Federal:

“3. À luz do conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE 658.026, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 31.10.2014), a contratação temporária reclama os seguintes requisitos para sua validade: (i) os casos excepcionais devem estar previstos em lei; (ii) o prazo de contratação precisa ser predeterminado; (iii) a necessidade deve ser temporária; (iv) o interesse público deve ser excepcional; (iv) a necessidade de contratação há de ser indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração, mormente na ausência de uma necessidade temporária” (STF, ADI 5.163-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux. 08-04-2015, v.u., DJe 18-05-2015).

2. Duração excessiva dos contratos

                   O art. 4º da Lei n. 2.254/13 estabelece duração dos contratos conforme a hipótese de situação de necessidade temporária adotada nos incisos do art. 2º.

                   Para as situações de calamidade pública, assistência a emergências em saúde pública, comoção interna, implantação de serviços urgentes e inadiáveis, execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas, o prazo é de 06 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, o que se afigura excessivo à vista das próprias situações descritas na norma.

                   Quid iuris para as demais situações – serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, servidores braçais, servidores considerados essenciais em setores específicos (saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação), pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais – e cujo prazo é maior - 12 (doze) meses, prorrogáveis por igual período?

                   É nítido que essas hipóteses não podem ter larga duração no tempo por carecer completamente a excepcionalidade e a transitoriedade.                O art. 4º é excessivo e não se conforma com a transitoriedade elementar à contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público e, portanto, contrasta com o inciso X do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo.

                   Com efeito, “para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

3. Remuneração à margem da reserva de lei

                   Se a primeira parte do art. 7º da Lei n. 2.254/13 estabelece a identidade da remuneração do servidor temporário com a dos servidores de carreira, a expressão in fine “ou, não existindo paradigma semelhança, as condições do mercado de trabalho”, é incompatível com os princípios de separação dos poderes e da reserva absoluta de lei da remuneração dos servidores públicos latu sensu.

                   É da reserva absoluta de lei a fixação da remuneração devida aos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos - aí se incluindo os servidores contratados por tempo determinado porque investidos em função pública temporária - não podendo ser livre, flexível e variável às condições do mercado.

                   Além disso, ao se exigir a reserva de lei o parâmetro constitucional aponta como sede escorreita e exclusiva para tanto o Poder Legislativo – ainda que a respectiva iniciativa legislativa pertença ao Chefe do Poder Executivo. Ora, a fórmula legal municipal implica, na prática, a delegação para o Chefe do Poder Executivo fixar, à míngua de lei e por ato próprio, o valor da remuneração, o que tampouco se compatibiliza com a divisão funcional do poder.

                   Portanto, a expressão in fine “ou, não existindo paradigma semelhança, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º da lei enfocada é incompatível com os arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111, da Constituição Estadual.

4. Adoção do regime celetista

                   O art. 8º da Lei n. 2.254/13 adota regime celetista na contratação de pessoal temporário, o que é incompatível com o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, da Constituição Estadual.

                   O regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:

“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).

“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).

Esta é a opinião da doutrina:

“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.

O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.

Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei específica.

É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.

Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).

5. Indenização ao contratado pela ruptura antecipada do contrato a pedido

                   A Lei n. 2.254/13 prevê como regra no caput a gratuidade da extinção do contrato. Entretanto, admite no § 3º que a rescisão antecipada a pedido do próprio contratado empenha pagamento de indenização.

                   Ora, tal exceção não atende aos princípios de moralidade, razoabilidade e interesse público, dispostos no art. 111 da Constituição Estadual por imputar responsabilidade à Administração Pública por ato que independe de sua vontade, sendo exclusivamente do arbítrio do próprio contratado.

                   A norma não se ajusta à lógica, ao bom senso e à racionalidade que deve possuir qualquer ato estatal, cominando graves efeitos financeiros ao erário sem ostentar relação de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, pois, significa locupletamento ilícito em desfavor do poder público. A medida não é adequada aos fins colimados, revela-se excessiva e destituída de justa causa.

                   Tampouco se associa ao interesse público primário que deve ser a meta de qualquer atuação do poder público, servindo apenas para granjear benesses em prol de interesses particulares não acolhidos pelo ordenamento jurídico.

                   E nem se conforma à moralidade porque, além de curvar a atividade administrativa a interesses particulares, desatende os cânones da vocação institucional do poder público e da boa-fé abrindo oportunidades ao influxo de interesses outros, atraídos pela indenização que obriga.

III – PEDIDO

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade da expressão “ou de comoção interna” do inciso I e dos incisos II a V do art. 2º, do art. 4º, da expressão “ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º, do art. 8º e do § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do Município de Castilho.

                   Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Castilho, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 11 de abril de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj

 

 

 

 

 

Protocolado nº 3.405/17

Interessada: Doutora Regislaine Topassi - 2º Promotor de Justiça de Andradina

Objeto: representação para controle de constitucionalidade de leis do Município de Andradina

 

        

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando a expressão “ou de comoção interna” do inciso I e os incisos II a V do art. 2º, o art. 4º, a expressão “ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º, ao art. 8º e o § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do Município de Castilho, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Promovo o parcial arquivamento em relação ao § 3º do inciso VI do art. 71 da Lei Complementar n. 15/05 por se tratar de contratação temporária para substituição na rede docente após a exaustão das possibilidades de aproveitamento de docentes do próprio quadro, segundo a ordem de preferência estabelecida, o que se mostra afinado à Constituição.

3.     Oficie-se à interessada, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 11 de abril de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj