Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 3.405/17
Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Expressão “ou de comoção
interna” do inciso I e incisos II a V do art. 2º, art. 4º, expressão “ou, não
existindo paradigma, às condições do mercado de trabalho” do art. 7º, art. 8º e
§ 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, e inciso VI e §
3º do art. 71, da Lei Complementar n. 15, de 04 de fevereiro de 2005, do
Município de Castilho. Servidores Públicos. Contratação por tempo determinado
para atendimento de necessária temporária de excepcional interesse público.
Hipóteses: (a) comoção interna; (b) atendimento de serviços de engenharia,
obras e outras de natureza industrial, assim como para servidores braçais; (c)
servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento
econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, assim como de pessoal
auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais; (d)
implantação de serviços urgentes e inadiáveis; (e) execução de serviços
absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas (Lei n. 2.254/13, art.
2º). Inexistência de atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público. Duração. Prazo excessivo com admissão de prorrogação.
Ausência de razoabilidade (Lei n. 2.254/13, art. 4º). Remuneração. Mercado de
trabalho. Violação à reserva de lei e ao princípio da separação de poderes (Lei
n. 2.254/13, art. 7º). Regime jurídico. Consolidação das Leis do Trabalho.
Inadmissibilidade. Regime jurídico administrativo (Lei n. 2.254/13, art. 8º).
Extinção voluntária antecipada. Pagamento de indenização (Lei n. 2.254/13, art.
13, § 3º).
1. Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, que arrola no art. 2º como hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (a) comoção interna (parte final do inciso I), (b) atendimento de serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, assim como para servidores braçais (inciso II), (c) servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, assim como de pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais (inciso III), (d) implantação de serviços urgentes e inadiáveis (inciso IV), e (e) execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas (inciso V).
2. Incompatibilidade com o art. 115, X, CE/89, por não haver demonstração de efetiva excepcionalidade determinada e específica.
3. Duração excessiva das contratações agravada com a possibilidade de prorrogação (art. 4º, Lei n. 2.254/13), que não se conforma com a transitoriedade reclamada (art. 115, X, CE/89).
4. A expressão in fine do art. 7º da Lei n. 2.254/13 “ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” possibilita a fixação de remuneração de servidores temporários à margem da reserva de lei, violando a separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111, CE/89).
5. A adoção regime celetista na contratação de pessoal temporário (art. 8º, Lei n. 2.254/13) é incompatível com o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, CE/89.
6. O pagamento de indenização ao contratado por rescisão contratual antecipada, a seu pedido, como previsto no § 3º do art. 11 da Lei n. 2.254/13, não atende aos princípios de moralidade, razoabilidade e interesse público (art. 111, CE/89), porque imputa responsabilidade à Administração Pública por ato que independe de sua vontade.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício de suas atribuições (artigo 116, VI, da Lei
Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e 129, IV, da Constituição
Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo),
com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado n. 169.825/16, vem
perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face da expressão “ou de comoção
interna” do inciso I e dos incisos II a V do art. 2º, do art. 4º, da expressão
“ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º, do
art. 8º e do § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do
Município de Castilho, pelos fundamentos a seguir expostos:
I -
OS preceitoS normativoS impugnadoS
A Lei n. 2.254, de 27 de
fevereiro de 2013, do Município de Castilho, foi editada para disciplinar as
contratações por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária
de excepcional interesse público.
De particular interesse para
esta ação os seguintes preceitos dessa lei:
Art. 2º. As contratações na forma desta Lei ocorrerão nos seguintes casos:
I – Na ocorrência de calamidade pública, de assistência a emergências em saúde pública ou de comoção interna;
II – Para atender serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, assim como para servidores braçais;
III – Para os servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, assim como de pessoal auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais;
IV - Para implantação de serviços urgentes e inadiáveis;
V – Para execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas;
.................................................................................. Art. 4º. As contratações serão efetuadas por tempo determinado, observados os seguintes prazos:
I – Seis meses, no caso dos incisos I, IV e V do art. 2º;
II – Doze meses, no caso dos incisos II, III e VI.
Parágrafo Único – Os prazos previstos no artigo anterior poderão ser prorrogados por até igual período.
.................................................................................. Art. 7º. A remuneração do pessoal contratado nos termos desta Lei será fixada em importância não superior ao valor da remuneração fixada para os servidores em final de carreira das mesmas categorias ou nos planos de cargos e salários do órgão contratante, ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho.
.................................................................................. Art. 8º. O pessoal contratado nos termos desta Lei ficará veiculado ao Regime Geral de Previdência Social e a contratação se dará pela Consolidação das Leis do Trabalho.
.................................................................................. Art. 11. O contrato firmado de acordo com esta Lei extinguir-se-á sem direito a indenizações:
.................................................................................. II – Por iniciativa do contratado;
.................................................................................. § 3º. A extinção do contrato, no caso do inciso II, importará no pagamento de indenização correspondente à metade do que lhe caberia referente ao restante do contrato.
II – O PARÂMETRO DA
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
A
Constituição Federal assegura aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes
respeito aos princípios da própria Constituição Federal e da Constituição
Estadual (art. 29). A Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29
da Constituição da República assim dispõe:
Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por
lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e
nesta Constituição.
Destarte, as Constituições
Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.
Os preceitos legais acima
destacados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal, porque são incompatíveis com o disposto nos arts. 5º, 24, § 2º, 1,
111 e 115, II e X, da Constituição do Estado de São Paulo que assim preceituam:
Artigo 5º - São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um
dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta
Constituição.
..................................................................................
Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares
e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao
Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e
aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
..................................................................................
§ 2º - Compete,
exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham
sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva
remuneração;
..................................................................................
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
..................................................................................
Artigo 115
- Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
..................................................................................
II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei,
de livre nomeação e exoneração;
..................................................................................
X - a
lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público.
1. As hipóteses de
contratação temporária de pessoal
A expressão “ou de comoção interna” do
inciso I e os incisos II a V do art. 2º da Lei n. 2.254/13, arrolam hipóteses
de contratação por tempo determinado para atendimento de
necessidade temporária de excepcional interesse público, que contrariam o
inciso X do art. 115 da Constituição Federal.
Comoção interna, atendimento
de serviços de engenharia, obras e outras de natureza industrial, servidores
braçais, servidores considerados essenciais nos setores de saúde, obras,
desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação, pessoal
auxiliar estritamente necessário à execução de serviços municipais, implantação
de serviços urgentes e inadiáveis e execução de serviços absolutamente
transitórios e de necessidades esporádicas, não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade,
imprevisibilidade e excepcionalidade e constituem expressões amplas,
genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada
e específica, como exige o parâmetro constitucional.
A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de
necessidade administrativa em face de “circunstâncias que
compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para
atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo
constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a
contratação temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v.,
DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros
requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade
temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.
A
contratação por tempo determinado na ocorrência de comoção interna é expressão
ampla, ambígua, genérica, imprecisa, indeterminada, vaga, que não é indicativa a priori de situação transitória,
imprevisível, extraordinária, urgente, e excepcional se não for agregada à
insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão
da Administração Pública ou a circunstâncias especiais que demonstrem a
necessidade da medida.
A
amplitude, a indeterminação, e a vagueza permitem aninhar em seu pressuposto
qualquer comoção intestina sem indicação de seu caráter transitório e
extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos
humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional
a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de
educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância
e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente”
(STF,
ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux,
28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
Nas
demais situações descritas nos incisos II a V do art. 2º da Lei n. 2.254/13
também não se verificam os requisitos acima destacados.
Serviços
de engenharia, obras e de natureza industrial são absolutamente normais,
corriqueiros, previsíveis e ordinários no exercício das funções
administrativas, assim como a necessidade de trabalhadores braçais que,
ademais, é função de postos permanentes de qualquer esfera da Administração –
notadamente nos Municípios – o que patenteia, no particular, tentame de burla
ao provimento de cargos ou empregos permanentes por concurso público. Não há na
norma ligação com eventual insuficiência de recursos humanos
no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública nem com
parâmetros de urgência, transitoriedade ou excepcionalidade.
A
necessidade de servidores em áreas estratégicas e reputadas essenciais (saúde,
obras, desenvolvimento econômico, esporte, cultura, promoção social, educação)
além de ser vasta tampouco apresenta transitoriedade, urgência e
excepcionalidade e, muito menos, se baseia na eventual insuficiência
de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da
Administração Pública. O que se revela é expediente de burla ao
provimento de cargos ou empregos permanentes por concurso público. Idênticas
premissas se estabelecem à necessidade de pessoal auxiliar estritamente
necessário à execução de serviços municipais.
A implantação de serviços urgentes e inadiáveis e a execução de serviços transitórios e de necessidade esporádica desacompanhada de elemento de excepcionalidade, isto é, sem demonstração da insuficiência de meios ordinários da Administração, deturpa os requisitos excepcionais da contratação temporária.
Regra constitucional é a
admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante
prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II,
da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em
comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.
A
Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37,
IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e
excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de
necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público. Não é
qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que
constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que
veicula uma necessidade urgente do aparelho administrativo na prestação de seus
serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse
público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal,
notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a
impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e
ordinários de seu quadro de recursos humanos.
A
admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais,
urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades
administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou
empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas
constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos
que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade
temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público
(Manual de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp.
478-479).
A lei específica não poderá
utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar
conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na
excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO:
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do
Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F.,
deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis
impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação
temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação
de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação
estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta
de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL
EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE.
ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial,
jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão
à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para
exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei
complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta
Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a
execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse
social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe
23-10-2009).
“É inconstitucional a lei que, de
forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de
educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância
e à adolescência, sem que haja demonstração da
necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.469-RJ, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
“O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação
normativa criteriosa quanto aos casos de ‘necessidade temporária de excepcional
interesse público’ que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos
dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da
Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso,
os traços de emergencialidade que justificam a medida
atípica” (STF, ADI 3.721-CE, Rel. Min. Teori
Zavascki, 09-06-2016, m.v., DJe 15-08-2016).
A
admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de
pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e
presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo
atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto,
com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria
atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é
temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo
quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária,
mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar”
(Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso
de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp.
281-282).
Em
outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse
público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas
comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos
Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002, 9. ed., pp. 478-479).
Em síntese, como deliberou o
Supremo Tribunal Federal:
“3. À luz do conteúdo jurídico do
art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da jurisprudência firmada
por esta Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE 658.026, Relator Min.
Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 31.10.2014),
a contratação temporária reclama os seguintes requisitos para sua
validade: (i) os casos excepcionais devem estar previstos em lei; (ii)
o prazo de contratação precisa ser predeterminado; (iii) a
necessidade deve ser temporária; (iv) o
interesse público deve ser excepcional; (iv) a
necessidade de contratação há de ser indispensável, sendo vedada
a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e
que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração,
mormente na ausência de uma necessidade temporária” (STF, ADI 5.163-GO,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux. 08-04-2015, v.u.,
DJe 18-05-2015).
2. Duração excessiva dos
contratos
O
art. 4º da Lei n. 2.254/13 estabelece duração dos contratos conforme a hipótese
de situação de necessidade temporária adotada nos incisos do art. 2º.
Para
as situações de calamidade pública, assistência a emergências em saúde pública,
comoção interna, implantação de serviços urgentes e inadiáveis, execução de
serviços absolutamente transitórios e de necessidades esporádicas, o prazo é de
06 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, o que se afigura excessivo à
vista das próprias situações descritas na norma.
Quid iuris para as demais situações – serviços
de engenharia, obras e outras de natureza industrial, servidores braçais, servidores
considerados essenciais em setores específicos (saúde, obras, desenvolvimento
econômico, esporte, cultura, promoção social, educação), pessoal auxiliar
estritamente necessário à execução de serviços municipais – e cujo prazo é
maior - 12 (doze) meses, prorrogáveis por igual período?
É
nítido que essas hipóteses não podem ter larga duração no tempo por carecer
completamente a excepcionalidade e a transitoriedade. O art. 4º é excessivo e não se conforma com a
transitoriedade elementar à contratação por tempo determinado para atendimento
de necessidade temporária de excepcional interesse público e, portanto,
contrasta com o inciso X do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo.
Com
efeito, “para que se efetue a contratação temporária, é necessário
que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei,
mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da
temporariedade” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
3. Remuneração à margem da
reserva de lei
Se
a primeira parte do art. 7º da Lei n. 2.254/13 estabelece a identidade da
remuneração do servidor temporário com a dos servidores de carreira, a expressão
in fine “ou, não existindo paradigma
semelhança, as condições do mercado de trabalho”, é incompatível com os
princípios de separação dos poderes e da reserva absoluta de lei da remuneração
dos servidores públicos latu sensu.
É
da reserva absoluta de lei a fixação da remuneração devida aos ocupantes de
cargos, funções e empregos públicos - aí se incluindo os servidores contratados
por tempo determinado porque investidos em função pública temporária - não
podendo ser livre, flexível e variável às condições do mercado.
Além
disso, ao se exigir a reserva de lei o parâmetro constitucional aponta como
sede escorreita e exclusiva para tanto o Poder Legislativo – ainda que a
respectiva iniciativa legislativa pertença ao Chefe do Poder Executivo. Ora, a
fórmula legal municipal implica, na prática, a delegação para o Chefe do Poder
Executivo fixar, à míngua de lei e por ato próprio, o valor da remuneração, o
que tampouco se compatibiliza com a divisão funcional do poder.
Portanto,
a expressão in fine “ou, não
existindo paradigma semelhança, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º
da lei enfocada é incompatível com os arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111, da
Constituição Estadual.
4. Adoção do regime celetista
O
art. 8º da Lei n. 2.254/13 adota regime celetista na contratação de pessoal
temporário, o que é incompatível com o regime administrativo especial
resultante do art. 115, X, da Constituição Estadual.
O
regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como
deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores
temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica
Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem
determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de
nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís
Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao
contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma
hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE
573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:
“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR
NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO.
JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este
Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo
114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça
do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus
servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de
caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se
deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime
jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo
jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do
pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).
“Conflito de competência. 2.
Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a
instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da
Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato
é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime
administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica
demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da
Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de
competência procedente” (RTJ 193/543).
Esta é a opinião da doutrina:
“Ora, a Constituição de 1988 apesar
de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função
temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e
bilateral) que domina os empregos públicos.
O art. 37, IX, impõe um regime
administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta
adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com
sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando
superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor
temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.
Se ao agente público não se aplica
o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de
provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que
os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é
contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos
regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria
necessidade de referência à lei específica.
É essa menção à lei específica que
fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral
e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial,
porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí
decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a
essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime
celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de
expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se
interditada.
Como a União é detentora exclusiva
da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de
1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de
suas respectivas leis específicas para admissão de contratação temporária, o
que implicaria perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas,
inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a
apenas definir as hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à
primeira vista. A norma constitucional lhes franqueia a definição integral e
completa da contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime
jurídico. A menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma,
não de conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista
(contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por
prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015,
p. 55).
5. Indenização ao contratado pela ruptura antecipada
do contrato a pedido
A
Lei n. 2.254/13 prevê como regra no caput
a gratuidade da extinção do contrato. Entretanto, admite no § 3º que a rescisão
antecipada a pedido do próprio contratado empenha pagamento de indenização.
Ora,
tal exceção não atende aos princípios de moralidade, razoabilidade e interesse
público, dispostos no art. 111 da Constituição Estadual por imputar
responsabilidade à Administração Pública por ato que independe de sua vontade,
sendo exclusivamente do arbítrio do próprio contratado.
A
norma não se ajusta à lógica, ao bom senso e à racionalidade que deve possuir
qualquer ato estatal, cominando graves efeitos financeiros ao erário sem
ostentar relação de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito, pois, significa locupletamento ilícito em desfavor do poder público. A
medida não é adequada aos fins colimados, revela-se excessiva e destituída de
justa causa.
Tampouco
se associa ao interesse público primário que deve ser a meta de qualquer
atuação do poder público, servindo apenas para granjear benesses em prol de
interesses particulares não acolhidos pelo ordenamento jurídico.
E
nem se conforma à moralidade porque, além de curvar a atividade administrativa
a interesses particulares, desatende os cânones da vocação institucional do
poder público e da boa-fé abrindo oportunidades ao influxo de interesses outros,
atraídos pela indenização que obriga.
III – PEDIDO
Face ao exposto,
requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final
seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade da expressão “ou de comoção interna”
do inciso I e dos incisos II a V do art. 2º, do art. 4º, da expressão “ou, não
existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º, do art.
8º e do § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do Município
de Castilho.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura
Municipal de Castilho, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 11 de abril de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado nº 3.405/17
Interessada: Doutora Regislaine Topassi - 2º Promotor de Justiça de Andradina
Objeto: representação para controle de constitucionalidade de leis do Município de Andradina
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando a expressão “ou de comoção interna” do inciso I e os incisos II a V do art. 2º, o art. 4º, a expressão “ou, não existindo paradigma, as condições do mercado de trabalho” do art. 7º, ao art. 8º e o § 3º do art. 11, da Lei n. 2.254, de 27 de fevereiro de 2013, do Município de Castilho, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Promovo o parcial arquivamento em relação ao § 3º do inciso VI do art. 71 da Lei Complementar n. 15/05 por se tratar de contratação temporária para substituição na rede docente após a exaustão das possibilidades de aproveitamento de docentes do próprio quadro, segundo a ordem de preferência estabelecida, o que se mostra afinado à Constituição.
3. Oficie-se à interessada, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 11 de abril de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj