Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Emenda n. 43, de 10 de novembro de 2016, à Constituição do Estado de São Paulo. Acréscimo de § 6º ao art. 24 da Constituição Estadual. Atribuição de denominação de próprios públicos. Separação de poderes. Processo legislativo. Iniciativa legislativa concorrente. Incompatibilidade com a reserva da Administração. Incompetência normativa estadual.

1. Emenda n. 43, de 10 de novembro de 2016, à Constituição do Estado de São Paulo, que acrescenta o § 6º ao art. 24 estabelecendo que “a atribuição de denominação de próprio público dar-se-á concorrentemente pela Assembleia Legislativa e Governador do Estado, na forma da legislação competente a cada um, atendidas as regras da legislação específica”.

2. Norma que ao instituir iniciativa legislativa concorrente penetra no espaço da reserva da Administração, reduzindo as prerrogativas constitucionais do Chefe do Poder Executivo para o exercício da direção superior da Administração Pública e a prática de atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo, dispostos no art. 47, II e XIV, da Constituição Estadual, e que descendem do arranjo basilar e intangível do princípio da separação de poderes (ou divisão funcional do poder) constante do art. 5º da Constituição Paulista.

3. Sendo extensíveis, de reprodução e observância obrigatória e de incidência simétrica, as normas básicas que regulam o processo legislativo na órbita federal, não é lícito ao Estado de São Paulo dilatar o âmbito da iniciativa legislativa concorrente e suprimir a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para a prática de atos de administração, sob pena de contrariedade ao art. 1º da Constituição Estadual.

 

        

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Emenda n. 43, de 10 de novembro de 2016, à Constituição do Estado de São Paulo, pelos fundamentos a seguir expostos:

I - O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

                   A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo promulgou em 10 de novembro de 2016 a Emenda n. 43 à Constituição do Estado de São Paulo que acrescenta § 6º ao seu art. 24 (doc. 01). Eis sua redação:

Artigo 1º - O artigo 24 da Constituição do Estado fica acrescido do seguinte parágrafo:

“Artigo 24 - (...)

(...)

§ 6º - A atribuição de denominação de próprio público dar--se-á concorrentemente pela Assembleia Legislativa e Governador do Estado, na forma de legislação competente a cada um, atendidas as regras da legislação específica.” (NR)

Artigo 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

                  Referida emenda constitucional é fruto da Proposta de Emenda n. 04, de 17 de agosto de 2016, cuja justificativa evidencia seu propósito de superação da jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por meio de seu colendo Órgão Especial, acolhe pretensões – inclusive do requerente – formuladas em ação direta de inconstitucionalidade ajuizadas em face de leis de iniciativa parlamentar que denominam próprios públicos, como se verifica de reprodução do processo legislativo da Proposta de Emenda à Constituição n. 04, de 2016 (doc. 02).

                  Transcrevo da justificativa os seguintes excertos:

         “Recentemente, o Procurador Geral de Justiça, chefe do Ministério Público do Estado, ingressou perante o Tribunal de Justiça com pedido de declaração de inconstitucionalidade em face da expressão... ‘ou com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade’ constante da alínea ‘b’ do inciso I do artigo 1º da Lei Estadual nº 14.707, de 08 de março de 2012, que trata das regras para denominação de prédios, rodovias e repartições públicas estaduais, e da Lei Estadual nº 15.531, de 22 de julho de 2014, que atribui denominação à Escola Pública, de pessoa com mais de sessenta e cinco anos, argumentando, em seu libelo inaugural, que as medidas afrontam os princípios da moralidade e da impessoalidade, e da separação dos poderes.

           O Judiciário, através de Acórdão prolatado pelo seu Órgão Especial, julgou procedente a ação, declarando as normas, acima referidas, inconstitucionais, e, indo além, conforme voto do Desembargador Relator, Dr. João Carlos Saletti, declarando ‘que o ato de atribuir nomes a próprios públicos, é da competência privativa do Executivo, restando concorrente apenas a competência para edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de próprios públicos.

            Transcrevemos abaixo, na íntegra, para ciência dos nobres pares, o teor do acórdão e do voto do relator da matéria, objeto da ADIN nº 2220776-81.2015.8.26.0000, Comarca de São Paulo.

(...)

            Ora, com todo o respeito que deve receber o nosso Poder Judiciário, essa decisão foi equivocada, pois não há, nem na Constituição Federal, nem na Constituição Estadual, nenhum dispositivo expresso que discipline a exclusividade do Poder Executivo na atribuição de nomes a próprios públicos.

             Tal fato é tanto verdade que, desde a edição da Carta Magna paulista, em 1989, todas as proposituras de denominação apresentadas por membros do Poder Legislativo, são sancionadas pelo Governador do Estado, e, quando vetadas, o embasamento para a negativa de sanção recai exclusivamente pelas ponderações de que tal imóvel já possui denominação, ou que a homenagem a ser prestada contraria o interesse público.

               Fato é que, após a publicação do Acórdão aqui esposado, todos os projetos de lei de denominação, aprovados conclusivamente nas Comissões Técnicas da Assembleia Legislativa, em cumprimento às normas do Regimento Interno, e encaminhadas ao Executivo para sanção, estão sendo invariavelmente vetadas, sob o argumento da ADIN nº 2220776-81.2015.8.26.0000

                Nesse sentido, não só por se tratar de inexistência de medida que expresse a competência exclusiva do Executivo no assunto aqui referenciado, mas, e principalmente, por ferir as legítimas prerrogativas conferidas ao Poder Legislativa, pelo seus integrantes, é que formulamos a presente Proposta de Emenda Constitucional, contando com a aprovação dos ilustres pares nessa propositura”.

                   A Comissão de Constituição, Justiça e Redação emitiu parecer favorável do qual destaco os seguintes trechos:

“O nobre Deputado Campos Machado e outros 34 (trinta e quatro) membros desta Assembleia Legislativa apresentaram a Proposta de Emenda nº 0004, de 2016, à Constituição do Estado, no sentido de incluir o § 6º no artigo 24 da Constituição do Estado de São Paulo, com objetivo de atribuir a denominação de próprio público concorrentemente à Assembleia Legislativa e ao Governador do Estado.

(...)

         No plano meritório, pretendem os autores, conforme linhas anteriores, atribuir ao Poder Legislativo de modo concorrente a iniciativa de projetos que tratam de denominação de próprios públicos, visando corrigir o equivoco cometido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que atribuiu em sede de ações direta de inconstitucionalidade a competência exclusiva do Poder Executivo de denominar próprios públicos, em flagrante dissonância com a Constituição Federal e Estadual, pois não há nenhum dispositivo expresso que discipline a exclusividade do Poder Executivo em matérias dessa natureza.

         De fato, desde a edição da Carta Paulista, de 1989, as proposituras de denominação apresentadas pelos membros do Poder Legislativo, desde que atendidas as exigências previstas na legislação pertinente, têm sido sancionadas pelo Governador do Estado.

         Nessa linha fazemos eco à tese sobre a qual se repousa o entendimento de que as proposituras, cujo conteúdo trata de denominação de próprio público, devem merecer um caráter concorrente, porquanto, repisa-se, esta a embalar-se nos precisos termos da tradição jurídica nacional.

         Nesse diapasão, revela-se primordial, no nosso entendimento, o aditamento constitucional ora oportunamente apresentado”.

II - O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

                   A Emenda Constitucional n. 43/16 é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição do Estado de São Paulo:

Artigo 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

..................................................................................................

Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

..................................................................................................

Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

.................................................................................................

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

..................................................................................................

XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

..................................................................................................

Artigo 297 - São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado.

1. Violação da separação de poderes e reserva da Administração

                   Em pauta se encontra norma que ao instituir iniciativa legislativa concorrente penetra no espaço da reserva da Administração, reduzindo as prerrogativas constitucionais do Chefe do Poder Executivo para o exercício da direção superior da Administração Pública e a prática de atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo, dispostos no art. 47, II e XIV, da Constituição Estadual, e que descendem do arranjo basilar e intangível do princípio da separação de poderes (ou divisão funcional do poder) constante do art. 5º da Constituição Paulista.

                   Tal norma implicou a submissão da matéria – denominação de próprios públicos – à reserva absoluta de lei, subtraindo-a do domínio dos atos ordinários de administração de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, imunes à interferência do Poder Legislativo.

                   Trata-se de abalo sensível à divisão funcional do poder: por força da norma combatida além de o Poder Legislativo invadir seara alheia se investiu no compartilhamento da conveniência e oportunidade da denominação de próprios públicos pelo Governador do Estado (e, inclusive, o substitui) mediante (a) projetos de lei de iniciativa parlamentar, (b) rejeição de projetos de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo e de veto aposto por este a projetos de lei de iniciativa parlamentar, e (c) sustação de atos do Governador por exorbitância de seus poderes atinentes à matéria.

                   A separação de poderes é pedra angular da organização política nacional. Não bastasse dela se projetarem obstáculos na atividade normativa - ao se erigir como cláusula pétrea de modo a impedir emenda tendente à sua abolição (art. 60, § 4º, III) ou como princípio sensível a habilitar a intervenção federal nos Estados para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes (art. 34, IV) - assevera a doutrina que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

                   Como consequência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro, como, por exemplo, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa.

                   Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

                   É defeso à emenda constitucional eliminar, subverter ou desequilibrar o desenho fundamental da divisão funcional do poder.

                   É sabido que a reserva de administração constitui limite material à intervenção normativa do Poder Legislativo, pois, enquanto princípio fundado na separação orgânica e na especialização funcional das instituições do Estado, caracterizando-se em “núcleo funcional (...) reservado à administração contra as ingerências do parlamento”, por envolver matérias, que, diretamente atribuídas à instância executiva de poder, revelam-se insuscetíveis de deliberações concretas por parte do Legislativo (J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1991, 5ª ed., pp. 810-811). Este entendimento é reverberado pelo Supremo Tribunal Federal ao timbrar que “o princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo” (RT 922/736).

                   Conquanto a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo seja excepcional e taxativa e prevaleça a regra geral da iniciativa concorrente quanto à deflagração do processo de produção das leis, há assuntos que não podem ser inseridos no domínio da lei e assinalados à iniciativa legislativa concorrente se afrontam a reserva da Administração e, consequentemente, molestam a separação de poderes – e que tem a dignidade normativa de princípio sensível (STF, ADI 3.920-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 05-02-2015, v.u., DJe 16-03-2015). Neste sentido, decisões pontuam que:

“as regras de atribuição de iniciativa no processo legislativo previstas na Constituição Federal formam cláusulas elementares do arranjo de distribuição de poder no contexto da Federação, razão pela qual devem ser necessariamente reproduzidas no ordenamento constitucional dos Estados-membros” (STF, ADI 2.300-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 21-08-2014, v.u., DJe 17-09-2014).

“1. A experiência jurisprudencial dessa Suprema Corte consolidou ao longo do tempo o entendimento de que as regras básicas do processo legislativo presentes na Constituição Federal incorporam noções elementares do modelo de separação (e interação) dos poderes públicos constituídos, o que as torna de observância mandatória no âmbito das ordens jurídicas locais, por imposição do art. 25 da CF. 2. Desde que (a) respeitadas as linhas básicas que regem a relação entre poderes na Federação - no que se incluem as regras de reserva de iniciativa - e desde que (b) o parlamento local não suprima do Governador de Estado a possibilidade de exercício de uma opção política legítima dentre aquelas contidas na sua faixa de competências típicas, pode a Constituição Estadual dispor de modo singular a respeito do funcionamento da respectiva Administração Pública” (STF, ADI 232-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 05-08-2015, m.v., DJe 01-02-2016).

                   Igualmente não é válido incluir-se na Constituição de Estado-membro de matéria cuja competência seja privativa do Chefe do Poder Executivo. Neste sentido, enuncia a jurisprudência que:

“A inserção, no texto constitucional estadual, de matéria cuja veiculação por lei se submeteria à iniciativa privativa do Poder Executivo subtrai a este último a possibilidade de manifestação, uma vez que o rito de aprovação das Constituições de Estado e de suas emendas, a exemplo do que se dá no modelo federal, não contempla sanção ou veto da chefia do Executivo” (STF, ADI 3.777-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 19-11-2014, v.u., DJe 09-02-2015).

                   Destarte, ofende a reserva da Administração “ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do Chefe do Poder Executivo Distrital na condução da Administração Pública”, como já decidido (STF, ADI 3.343-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 01-09-2011, m.v., DJe 22-11-2011).

                   Desta maneira, assuntos de natureza eminentemente administrativa são da competência privativa do Poder Executivo, como a denominação de próprios públicos, que é matéria que respeita à gestão administrativa.

                   Se, de um lado, ao Poder Legislativo é consentida a edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros públicos (ou alterações na nomenclatura já existente) - caso em que a iniciativa é concorrente -, de outro, o ato de atribuir nomes a logradouros públicos, segundo as regras legais que disciplinam essa atividade, é da competência privativa do Poder Executivo.

                   O Parlamento em sua função normal e predominante sobre as outras, elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos concretos de administração. No exercício da função legislativa, o Parlamento está autorizado a editar normas gerais, abstratas e coativas a serem observadas pelo Chefe do Poder Executivo para a denominação das vias e logradouros públicos - por exemplo, a salutar proibição de atribuição de nome de pessoa viva, a exigência do uso de vocábulos da língua portuguesa etc. como sugere Adilson de Abreu Dallari (Boletim do Interior, Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, 02/103).

                   A nomenclatura de próprios públicos, que constitui elemento de sinalização e de localização urbanas, tem por finalidade precípua a orientação da população, conforme explica José Afonso da Silva (Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2.ª ed., p. 285).

                   O Poder Legislativo não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de administração. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese.

                   Rendendo preito à separação de poderes em hipótese similar, o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça assim decidiu:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal que impõe ao Chefe do Poder Executivo nome de rua – Vício de iniciativa – Invasão de esfera privativa deste – Ação procedente” (ADI 115.877.0/5, Rel. Des. Laerte Nordi, 20-07-2005).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS Nº 10.222/2012, 10.296/2012 E 10.367/2012, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE ATRIBUEM NOME A LOGRADOUROS E ESCOLA DO MUNICÍPIO DE SOROCABA. VÍCIO DE INICIATIVA. AFRONTA AO PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. ATRIBUIÇÃO DE NOMES AOS BENS, PRÉDIOS, LOGRADOUROS E VIAS QUE É ATO DE ORGANIZAÇÃO DE SINALIZAÇÃO MUNICIPAL, DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, 47, II E XIV E 144 DA CARTA BANDEIRANTE. AÇÃO PROCEDENTE.” (ADI 2032984-81.2015.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, v.u., 29-07-2015, v.u.).

                   Em síntese, a Emenda Constitucional n. 43/16 é incompatível com os arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição Estadual.

2. Incompetência normativa estadual

                   O Estado de São Paulo em sua atividade normativa deve fiel obediência a esses postulados estruturantes da divisão funcional do poder.

                   Como assinala o Supremo Tribunal Federal é imprescindível a “observância ao modelo federal pelos estados-membros, que têm autonomia para se auto-organizarem nos limites impostos pela Constituição Federal” (STF, ADI 2.721-ES, Tribunal Pleno,
Rel.  Min. Maurício Corrêa, 06-08-2003, v.u., DJ 05-12-2003, p. 18). No plano da separação de poderes e de sua conexão com as competências dos Poderes Executivo e Legislativo, a jurisprudência giza que:

“A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a observância compulsória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo” (RTJ 195/119).

“As regras previstas na Constituição Federal para o processo legislativo aplicam-se aos Estados-membros” (STF, ADI 2646-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 23-05-2003, p. 30).

                   Corolário é que são extensíveis, de reprodução e observância obrigatória e de incidência simétrica, as normas básicas que regulam o processo legislativo na órbita federal, como decidido amiúde (RTJ 193/832; RT 850/180).

                   Ancorado no art. 1º da Constituição Estadual conclui-se que não é lícito ao Estado de São Paulo dilatar o âmbito da iniciativa legislativa concorrente e suprimir a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para a prática de atos de administração.

                   O art. 1º da Constituição Paulista franqueia ao Estado competência residual, consistente no exercício de competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal. A norma, por sinal, é corroborada pelo art. 297 da Constituição Estadual que determina a incidência das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado. Em outras palavras, a atividade normativa estadual se subordina à Constituição Federal, já que a Constituição Estadual pressupõe a incorporação daquela.

                   Ora, as normas básicas de processo legislativo têm sede exclusivamente na Constituição Federal. Portanto, falece competência normativa ao Estado de São Paulo para, mediante emenda constitucional, modificar esse perfil basilar suprimindo competência privativa do Governador do Estado e convolá-la em assunto de iniciativa legislativa concorrente.

                   Não é ocioso reiterar preciosa admoestação doutrinária explicando que:

“as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

                   Destarte, a Emenda Constitucional n. 43/16 é incompatível com os arts. 1º e 297 da Constituição Estadual.

 

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da lei apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico com forte impacto na separação de poderes.

                   A título de amostragem, anota-se que o Governador do Estado de São Paulo tem exercido sua competência para denominação de próprios públicos, como se verifica dos Decretos n. 62.412, de 04 de janeiro de 2017, n. 62.407, de 30 de dezembro de 2016, n. 62.343, de 21 de dezembro de 2016, n. 62.298, de 07 de dezembro de 2016, n. 62.124, de 29 de julho de 2016 (docs. 03 a 07), e que a Assembleia Legislativa prossegue no trâmite de projetos de lei no mesmo sentido, como se verifica dos Projetos de Lei n. 967/2016, n. 940/2016, n. 938/2016 e n. 192/2017 (docs. 08 a 11). Sem qualquer juízo o mérito dos atos, é importante frisar que, por exemplo, o Projeto de Lei n. 938/2016 e o Decreto n. 62.412, de 04 de janeiro de 2017, denominam parque público e universidade pública homenageando uma mesma pessoa.

                   Além disso, deve se atentar ao fato de que a Constituição Estadual preordena a legislação municipal, conforme disposto em seu art. 144, e o conflito entre os Poderes poderá se espargir aos Municípios do Estado de São Paulo, sem contar que a redação da norma enfocada tem a potencialidade de eclosão de colisões com a autonomia do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública pela abertura de possibilidade de denominação, por lei de iniciativa concorrente, de próprios desses organismos constitucionais.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Emenda n. 43, de 10 de novembro de 2016, à Constituição do Estado de São Paulo.

IV – PEDIDO

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade da Emenda n. 43, de 10 de novembro de 2016, à Constituição do Estado de São Paulo.

                   Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 17 de abril de 2017.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

wpmj