Parecer
Autos nº. 0003297-98.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: Lei nº 4.499, de 23 de agosto de 2011, do Município de Suzano
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 4.499, de 23 de agosto de 2011, do Município de Suzano, que “Dispõe sobre a realização de exames de urina tipo 1 e creatina sanguínea para a prevenção da Doença Renal Crônica na rede pública de Saúde do município de Suzano, e dá outras providências”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 47, incs. II e XIV e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Suzano, tendo por objeto a Lei nº 4.499, de 23 de agosto de 2011, daquele
Município, que “Dispõe sobre a realização de exames de urina tipo 1 e creatina
sanguínea para a prevenção da Doença Renal Crônica na rede pública de Saúde do
município de Suzano, e dá outras providências”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e
que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto
foi derrubado e, ao final, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara
Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão aos arts. 5º e 144
da Constituição Estadual.
A
Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex
nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 23/24).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 36/37), atendo-se ao
processo legislativo.
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 75/77).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Suzano assim dispõe:
“Art. 1º. Fica instituído no âmbito do município de Suzano, a realização dos exames de urina tipo I e creatinina para a prevenção e controle da doença renal crônica em toda a rede pública de saúde.
Parágrafo único – O exame será realizado por profissional qualificado, no próprio hospital, e diagnosticada a doença ou qualquer alteração nos portadores renais crônicos, o paciente será encaminhado para realização de exames mais complexos.
Art. 2º. O Poder Executivo Municipal deverá regulamentar a presente Lei no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da sua publicação.
Art. 3º. As despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário, e constantes na Lei Orçamentária Anual – 2010, sob código 04122 da Secretaria Municipal de Saúde, programa 7158.2626 – manutenção da Secretaria - SMS.
Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições contrárias.
Sala da Presidência da Câmara Municipal de Suzano, em 23 de agosto de 2011.”
Dita
lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o
seguinte:
“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela
edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para
as atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado
por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão
ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara criou um programa de realização de exames de urina
tipo I e creatinina sanguínea para prevenção de Doença Renal Crônica na rede
pública de Saúde do Município de Suzano, onerando, desta forma, a Administração.
Embora elogiável a preocupação do
Legislativo local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem
constitucional vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da
função executiva.
Por
esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, §
1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a
iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da
administração pública e, consequentemente, sobre o seu orçamento. Trata-se de
questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância
obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado,
tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se
a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para
os Municípios.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo
jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não
são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em
face de vício de iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o
Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª
ed., pp. 544-545).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com o disposto no artigo 25 da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infringem esses comandos:
“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 4.499, de 23 de agosto de 2011, do Município de
Suzano.
São Paulo, 18 de abril de
2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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