Parecer
Autos nº. 0003303-08.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: Lei Complementar nº 199, de 16 de maio de 2011, do Município de Suzano
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei Complementar nº 199, de 16 de maio de 2011, do Município de Suzano, que “Institui o Programa do Lixo Consciente, uma Idéia Reciclável, no município de Suzano”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 47, incs. II e XIV e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Suzano, tendo por objeto a Lei Complementar nº 199, de 16 de
maio de 2011, daquele
Município, que “Institui o Programa do Lixo Consciente, uma Idéia
Reciclável, no município de Suzano”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e
que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto
foi derrubado e, ao final, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara
Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão aos arts. 5º e 144
da Constituição Estadual.
A
Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex
nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 26).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 43/44), atendo-se ao
processo legislativo.
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 40/41).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Suzano assim dispõe:
“Art. 1º. Fica instituído, no âmbito do município de Suzano, o Programa Lixo Consciente, Uma Idéia Reciclável, que visa disciplinar a postura de resíduos orgânicos e recicláveis para manter a área urbana do município de Suzano limpa.
Parágrafo único – O Programa de que trata o caput deste artigo tem finalidade educativa e visa colaborar com o fim da postura incorreta do lixo orgânico e reciclável, bem como esclarecer a população de Suzano quanto à forma correta de armazenar os resíduos e seus respectivos horários de postura.
Art. 2º. A Prefeitura Municipal de Suzano, por intermédio das Secretarias de Educação e Meio Ambiente, ficará responsável por elaborar campanha institucional educativa junto às unidades de ensino municipal e junto à população em geral, visando prestar esclarecimentos quanto à forma correta de acondicionamento dos resíduos, a maneira correta de postá-los e seus respectivos horários de postagem.
Art. 3º. Fica autorizada a Secretaria de Meio Ambiente a disponibilizar profissionais devidamente capacitados para desenvolver campanhas institucionais junto às unidades de ensino municipais, bem como à população em geral e firmar convênios e parcerias com instituições particulares para a execução do Programa Lixo Consciente, Uma Idéia Reciclável.
Parágrafo único – O Poder Executivo Municipal criará mecanismos adequados para a divulgação do Programa.
Art. 4º. Fica a cargo da Secretaria de Meio Ambiente, em conjunto com a Secretaria de Educação, traçar estratégia visando a melhor forma de desenvolver o Programa Lixo Consciente, uma Idéia Reciclável em todo o município de Suzano.
Art. 5º. Esta Lei será regulamentada pelo Poder Executivo no prazo de 60 (sessenta) dias após a sua publicação.
Art. 6º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.
Art. 7º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Sala da Presidência da Câmara Municipal de Suzano, em 16 de maio de 2011.”
Dita
lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o
seguinte:
“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Como visto, a impugnada norma, além de criar um programa de governo, ainda determina qual órgão da Administração exercerá a atividade de execução e quais as suas atribuições. Cria, ainda, maiores despesas com a implementação de tal programa, o que importa em invasão da seara administrativa.
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela
edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para
as atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado
por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão
ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara criou um programa que visa facilitar e ampliar o
acesso da população masculina aos serviços de saúde na rede pública de Saúde do
Município de Suzano, onerando, desta forma, a Administração. Embora elogiável a preocupação do Legislativo
local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional
vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função
executiva.
Por
esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, §
1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a
iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da
administração pública e, consequentemente, sobre o seu orçamento. Trata-se de
questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância
obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado,
tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se
a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para
os Municípios.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico
que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências
e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como
no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de
iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o
Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª
ed., pp. 544-545).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com o disposto no artigo 25, da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infringem esses comandos:
“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 199, de 16 de maio de 2011, do
Município de Suzano.
São Paulo, 18 de abril de
2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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