Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0005717-76.2012.8.26.0000

Requerente: Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes – SINDICOM

Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do município de Mauá

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade da Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do município de Mauá, que “dispõe sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do município”.

2)      Preliminar de ilegitimidade ativa “ad causam”. Entidade de classe de âmbito nacional não possui legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal (CF, art. 125, § 2º), só reconhecida em favor das entidades de classe com atuação estadual ou municipal – Inteligência do art. 90, inciso V, da Carta Estadual – Extinção do processo sem julgamento do mérito.

3)      Impossibilidade de realização do controle concentrado de constitucionalidade adotando como parâmetros dispositivos da Constituição da República, da legislação federal, ou da própria Lei Orgânica do Município. Precedentes do STF.

4)      Extinção ou improcedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes – SINDICOM, tendo como alvo a Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do município de Mauá, que “dispõe sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do município”.

Alega o autor que a norma é inconstitucional, em suma, por: (a) vício de competência legislativa (a matéria não poderia ser veiculada por lei municipal); (b) vício de outros princípios constitucionais, como a livre iniciativa e da livre concorrência.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão dos preceitos impugnados (fls. 142).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de defender o ato normativo (fls. 156/158).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 160/166).

É o relato do essencial.

Em preliminar, é de se observar a necessidade de extinção do processo, sem resolução do mérito, pela ilegitimidade ad causam.

Ocorre que entidade de classe de âmbito nacional não detém legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual (CF, art. 125, § 2º), porquanto o art. 90, inciso V, da Constituição do Estado de São Paulo é expresso ao conferir tal legitimidade somente às entidades de classe de atuação estadual ou municipal, desde que evidenciado seu interesse jurídico no caso (pertinência temática).

Posto isso, requer-se a extinção deste processo de fiscalização abstrata.

Se não bastasse, apesar de o autor invocar dispositivos da Constituição Estadual, a verdade é que a presente ação direta é fundada em dispositivos da Constituição Federal.

Assim, é necessário observar, inicialmente, a impossibilidade, na ação direta de inconstitucionalidade estadual, de adoção de dispositivos da Constituição da República, da legislação federal, bem como da Lei Orgânica do Município, como parâmetros para o controle abstrato.

Foi por essa razão que na ADI 347/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/09/2006 (DJ 20/10/2006) foi declarada a inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo, que permitia a adoção de parâmetro constitucional federal no controle de constitucionalidade estadual. Eis a ementa do julgado:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA.

É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente”.

Dessa forma, não comportam exame, nesta ação direta, as alegações do autor de que o ato normativo contraria dispositivos da Constituição da República, da legislação federal, entre outras, mencionadas na inicial.

Reitere-se: a ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual tem escopo limitado, e consiste, exclusivamente, em instrumento de verificação quanto à existência de compatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado.

Esse sistema decorre do art. 125, § 2º da Constituição da República, pelo qual “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)” (g.n.).

Portanto, declarar a inconstitucionalidade da lei municipal utilizando como parâmetro de controle dispositivo da Constituição Federal ou mesmo da legislação infraconstitucional significaria contrariar o art. 125, § 2º, da CR.

Quanto ao mérito, a ação é improcedente.

A Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do município de Mauá, reproduzida na inicial, “dispõe sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas em postos de abastecimento de combustíveis e serviços e nas suas lojas de conveniência, no âmbito do município”.

Ademais, no mérito a ação deve ser julgada improcedente.

Afinal, não pode ser negada a competência do município para legislar sobre restrição ao comércio de bebidas alcoólicas.

No julgamento da ADI 3.691/MA, o Excelentíssimo Ministro Relator citou trecho do Procurador-Geral da República plenamente aplicável ao caso concreto: “Deve-se entender como interesse local, no presente contexto, aquele inerente às necessidades imediatas do município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral”.

Com efeito, o Poder Público pode condicionar e restringir o exercício de atividades e direitos individuais, em proveito da coletividade ou do próprio Estado, o que constitui típica manifestação do poder de polícia, na exata definição de HELY LOPES MEIRELLES (Cf. “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 28.a edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, pág. 127).

Diante do exposto, caso o mérito seja analisado, aguarda-se a improcedência da ação, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei n. 4.640, de 9 de março de 2011, do município de Mauá.

São Paulo, 18 de abril de 2012.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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