Parecer
Processo n. 0290830-48.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Tremembé
Objeto: inconstitucionalidade
do inciso II do art. 3º da Lei n. 11.077, de 20 de março de 2002, e da Lei n.
13.027, de 28 de maio de 2008, do Estado de São Paulo
Constitucional. Financeiro. Processual civil. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 11.077/02 (art. 3º, II) do Estado de São Paulo. Multas e indenizações impostas pelo Tribunal de Contas estadual. Receitas do Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Contas. Lei n. 13.027/08. Cadastro informativo de créditos não quitados de órgãos e entidades estaduais (Cadin). Débitos relativos a Municípios. Capacidade postulatória. Competência. Norma de reprodução obrigatória. Decisões do Tribunal de Contas Estadual. Fiscalização dos Municípios. Multas e imputações de débito. Titularidade do crédito. Procedência parcial da ação. Interpretação conforme a Constituição. 1. Legitimado ativo o Chefe do Poder Executivo de Município para promoção de ação direta de inconstitucionalidade, detendo inclusive excepcional capacidade postulatória, é exigível que a petição inicial seja assinada isoladamente por ele ou em conjunto a advogado. 2. Necessidade de regularização, sob pena de indeferimento da petição inicial. 3. Tratando-se de norma de reprodução obrigatória é admissível o controle de constitucionalidade de lei estadual confrontada à Constituição Estadual no âmbito da competência de tribunal de justiça estadual. 4. De acordo com a jurisprudência do STF, indenizações e multas decorrentes da atuação de TCE sobre a gestão de Município são receitas deste, não podendo integrar receita de fundo especial de despesa daquele. 5. Multa é sanção pecuniária pela prática de ato ilícito e o TCE ao exercer sua função sobre os Municípios fiscaliza a sua gestão contábil, financeira, orçamentária e patrimonial, reagindo aos ilícitos perpetrados inclusive com as multas impostas e, portanto, o título executivo daí gerado é receita integrante do erário municipal e não do órgão que o cria. 6. Inciso II do art. 3º da Lei Estadual n. 11.077/02, a merecer interpretação conforme a Constituição para excluir das receitas componentes do Fundo Especial do Tribunal de Contas do Estado as multas e as indenizações decorrentes da fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas sobre agentes, entidades ou órgãos dos Municípios. 7. A respeito da inscrição de débito de Município no CADIN ESTADUAL (Lei Estadual n. 12.799/08), a petição inicial mostra-se inepta por falta de indicação do parâmetro para o controle de constitucionalidade, até porque o cadastro não abrange débitos de agentes públicos municipais, mas, tão somente, dos próprios Municípios. 8. Procedência parcial da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito do Município de Tremembé contestando o inciso II do art. 3º da Lei n. 11.077, de 20 de março de 2002, e a
Lei n. 13.027, de 28 de maio de 2008, do Estado de São Paulo, em face do art.
33 da Constituição do Estado de São Paulo (fls. 02/21).
2. A liminar foi negada (fl. 31).
3. A douta Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo
prestou informações defendendo a constitucionalidade dos atos normativos
impugnados (fls. 43/72), manifestando-se no mesmo sentido o Tribunal de Contas
do Estado de São Paulo (fls. 91/103) e a Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo que ainda suscitou preliminares de falta de capacidade postulatória e
de incompetência judicial (fls. 167/192).
4. É o relatório.
5. Analisa-se a preliminar de falta de capacidade
postulatória.
6. A petição inicial é subscrita apenas pelos doutos
procuradores do Prefeito do Município de Tremembé.
7. Efetivamente,
a legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição
Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo
Tribunal Federal:
“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.
2. Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.
3. É a síntese do necessário.
4. Decido.
5. Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.
6. A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.
7. Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.
8. O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).
9. Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.
10. No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.
11. Ante essas
circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos
artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF,
ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).
8. Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a
ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade
postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de
advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade,
São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).
9. Logo, considerando
a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável
assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência,
todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição
inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada, tão somente pelo
procurador.
10. Ademais, há decisão registrando que:
“É de exigir-se, em ação direta de
inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de
procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para
atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).
11. Esse entendimento foi direcionado também para os
integrantes da advocacia pública.
12. Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do
autor para subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de
indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a
extinção sem resolução do mérito, acompanhando os termos de respeitável decisão
monocrática da lavra do eminente Desembargador Artur Marques (ADI
990-10-477.578-7).
13. A outra preliminar consistente na usurpação da
competência do Supremo Tribunal Federal não merece amparo.
14. O parâmetro de controle nesta ação direta é o art. 33 da
Constituição Estadual que reproduz o quanto disposto no art. 71 da Constituição
Federal ao discriminar a competência do Tribunal de Contas.
15. Tratando-se de norma de reprodução obrigatória, é
admissível o controle de constitucionalidade de lei estadual confrontada à
Constituição Estadual no âmbito da competência de tribunal de justiça estadual.
Neste sentido:
“Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente” (RTJ 147/404).
“COMPETÊNCIA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL CONTESTADA EM FACE DA CARTA DO ESTADO, NO QUE REPETE PRECEITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O § 2º do artigo 125 do Diploma Maior não contempla exceção. A competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade é definida pela causa de pedir lançada na inicial. Em relação ao conflito da norma atacada com a Lei Máxima do Estado, impõe-se concluir pela competência do Tribunal de Justiça, pouco importando que o preceito questionado mostre-se como mera repetição de dispositivo, de adoção obrigatória, inserto na Carta da República. Precedentes: Reclamação nº 383/SP e Agravo Regimental na Reclamação nº 425, relatados pelos ministros Moreira Alves e Néri da Silveira, com acórdãos publicados nos Diários de Justiça de 21 de maio de 1993 e 22 de outubro de 1993, respectivamente. SERVIDOR PÚBLICO - ESTABILIDADE VERSUS EFETIVAÇÃO. A regra do artigo 19 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, a revelar direito dos servidores que, à época da promulgação da Carta, vinham prestando serviços há mais de cinco anos, diz respeito à estabilidade. A efetivação em cargo público não prescinde da aprovação em concurso. INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO -CONTROLES DIFUSO E CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE - COMUNICAÇÃO À CASA LEGISLATIVA - DISTINÇÃO. A comunicação da pecha de inconstitucionalidade proclamada por Tribunal de Justiça pressupõe decisão definitiva preclusa na via recursal e julgamento considerado o controle de constitucionalidade difuso. Insubsistência constitucional de norma sobre a obrigatoriedade da notícia, em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade” (RTJ 196/320).
16. No mérito, a Lei n. 11.077, de 20 de março de 2002,
instituindo o Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo, estabelece que constituem receitas do fundo, dentre outras, “arrecadação
de multas, indenizações e restituições” (art. 3º, II).
17. A petição inicial sustenta a inconstitucionalidade desse
preceito porque as multas e as indenizações impostas pelo Tribunal de Contas
estadual devem reverter ao patrimônio dos respectivos Municípios.
18. O art. 33, IX, da Constituição Estadual, que reproduz o
art. 71, VIII, da Constituição Federal, enuncia a competência da Corte de
Contas para aplicação aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, das sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre
outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário. Por outro
lado, consoante o § 3º do citado art. 71, as decisões do Tribunal de Contas que
resultem imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o modelo federal de controle externo do
Tribunal de Contas é de observância compulsória e simétrica para os Estados:
“(...) I - O modelo federal de organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas, fixado pela Constituição, é de observância compulsória pelos Estados, nos termos do caput art. 75 da Carta da República. Precedentes. (...)” (RT 905/178).
19. Acerca do objeto da lide, o Supremo Tribunal Federal
assim decidiu:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO ACRE. IRREGULARIDADES NO USO DE BENS PÚBLICOS. CONDENAÇÃO PATRIMONIAL. COBRANÇA. COMPETÊNCIA. ENTE PÚBLICO BENEFICIÁRIO DA CONDENAÇÃO. 1. Em caso de multa imposta por Tribunal de Contas Estadual a responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos, a ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação do TC. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-RE 510.034-AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 24-06-2008, v.u., DJe 15-08-2008).
20. Esse acórdão se estadeia no seguinte precedente:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto. 2. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente. 3. Norma inserida na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 223.037-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 02-05-2002, v.u., DJ 02-08-2002, p. 61).
21. O
dispositivo legal questionado, referindo-se genérica e indiscriminadamente a
“multas, indenizações e restituições”, tem a potencialidade de inclusão das
multas e imputações de débitos pelo Tribunal de Contas no exercício de sua
missão constitucional no seio das receitas do fundo.
22. Afigura-se
inconteste que as indenizações – rectius,
imputações de débito – decorrentes da atuação do Tribunal de Contas estadual
sobre os Municípios (e respectivos gestores) não podem ser exigidas, como
título executivo, pelo órgão estadual, pois, devem reverter ao patrimônio da
entidade pública credora – o Município.
23. No
tocante às multas, essa conclusão também se impõe, conforme as decisões do
Supremo Tribunal Federal acima invocadas.
24. Não
obstante, e como amplamente debatido nas manifestações lançadas nos autos, o
Superior Tribunal de Justiça tem interpretado de maneira diferente o leading case do Supremo Tribunal
Federal, verbis:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA
EXECUTAR MULTA IMPOSTA A DIRETOR DE DEPARTAMENTO MUNICIPAL
POR TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PESSOA JURÍDICA QUE MANTÉM A CORTE DE CONTAS.
1. Em diversos
precedentes esta Corte concluiu que a legitimidade para executar multa imposta
a gestor público municipal por Tribunal de Contas Estadual é do próprio ente
municipal fiscalizado, em razão do resultado do julgamento do Supremo Tribunal
Federal no Recurso Extraordinário n. 223037-1/SE, de relatoria do Min. Maurício
Corrêa (AgRg no Ag 1215704/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 2.2.2010; AgRg no REsp 1065785/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira
Turma, DJe 29.10.2008; e REsp 898.471/AC, Rel. Min. José Delgado, Primeira
Turma, DJ 31.5.2007).
2. Contudo, a
mudança de entendimento ora preconizada decorre, com todas as vênias dos que
vinham entendendo em contrário, de interpretação equivocada do mencionado
julgamento, especificamente em razão da redação do item 2 de sua ementa:
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA
EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA
CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. As decisões das
Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por
irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF,
artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio
Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua
perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e
concreto.
2. A ação de
cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação
imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam
junto ao órgão jurisdicional competente.
3. Norma inserida
na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local
executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não
contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter
tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso
extraordinário não conhecido.
(RE 223037, Min.
Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 2.8.2002)
3. Com base no
precedente da Corte Suprema, extraiu-se a exegese de que em qualquer modalidade
de condenação - seja por imputação de débito, seja por multa - seria sempre o
ente estatal sob o qual atuasse o gestor autuado o legítimo para cobrar a
reprimenda. Todavia, após nova análise, concluiu-se que o voto de Sua
Excelência jamais caminhou por tal senda, tanto assim que, no âmbito do Tribunal
de Contas da União tal tema é vencido e positivado por ato administrativo
daquela Corte de Contas.
4. Em nenhum
momento a Suprema Corte atribuiu aos entes fiscalizados a qualidade de credor
das multas cominadas pelos Tribunais de Contas. Na realidade, o julgamento
assentou que nos casos de ressarcimento ao erário/imputação de débito a pessoa
jurídica que teve seu patrimônio lesado é quem - com toda a razão - detém a titularidade
do crédito consolidado no acórdão da Corte de Contas.
5. Diversamente da
imputação de débito/ressarcimento ao erário, em que se busca a recomposição do
dano sofrido pelo ente público, nas multas há uma sanção a um comportamento
ilegal da pessoa fiscalizada, tais como, verbi
gratia, nos casos de contas julgadas irregulares sem resultar débito;
descumprimento das diligências ou decisões do Tribunal de Contas; embaraço ao
exercício das inspeções e auditorias; sonegação de processo, documento ou
informação; ou reincidência no descumprimento de determinação da Corte de
Contas.
6. As multas têm
por escopo fortalecer a fiscalização desincumbida pela própria Corte de Contas,
que certamente perderia em sua efetividade caso não houvesse a previsão de tal
instrumento sancionador. Em decorrência dessa distinção essencial entre ambos -
imputação de débito e multa - é que se merece conferir tratamento distinto.
7. A solução
adequada é proporcionar ao próprio ente estatal ao qual esteja vinculada a
Corte de Contas a titularidade do crédito decorrente da cominação da multa por
ela aplicada no exercício de seu mister.
8. ‘Diferentemente,
porém, do que até aqui foi visto, em se tratando de multa, a mesma não deve
reverter para a pessoa jurídica cujas contas se cuida. Nesse caso, deve
reverter em favor da entidade que mantém o Tribunal de Contas.’ (Jorge Ulisses
Jacoby Fernandes in Tribunais de
Contas do Brasil – Jurisdição e Competência).
9. Não foi outra a
solução preconizada pela próprio Tribunal de Contas da União, por meio da
Portaria n. 209, de 26 de Junho de 2001 (BTCU n. 46/2001), relativa ao Manual para
Formalização de Processos de Cobrança Executiva, no qual se destacou que ‘a
multa é sempre recolhida aos cofres da União ou Tesouro Nacional’. Em seguida,
por meio da Portaria-SEGECEX n. 9, de 18.8.2006, também relativa ao Manual de
Cobrança Executiva (BTCU n. 8/2006), a Corte de Contas da União dispôs:
A multa é sempre
recolhida aos cofres da União ou Tesouro Nacional e sua execução judicial está
sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral da União/AGU.
10. Logo, mesmo nos
casos em que a Corte de Contas da União fiscaliza outros entes que não a
própria União, a multa eventualmente aplicada é revertida sempre à União -
pessoa jurídica a qual está vinculada - e não à entidade objeto da
fiscalização.
11. Este mesmo
raciocínio deve ser aplicado em relação aos Tribunais de Contas Estaduais, de
modo que as multas deverão ser revertidas ao ente público ao qual a Corte está
vinculada, mesmo se aplicadas contra gestor municipal.
12. Dessarte, a
legitimidade para ajuizar a ação de cobrança relativa ao crédito originado de
multa aplicada a gestor municipal por Tribunal de Contas é do ente público que
mantém a referida Corte - in casu, o
Estado do Rio Grande do Sul -, que atuará por intermédio de sua Procuradoria.
13. Agravo regimental provido” (STJ, AgRg-REsp 1.181.122-RS,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 06-05-2010, m.v., DJe 21-05-2010).
25. Esse
entendimento foi pacificado no Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MULTA APLICADA POR TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL A GESTOR MUNICIPAL. RECEITA DO ENTE FEDERATIVO A QUE SE VINCULA O ÓRGÃO SANCIONADOR. LEGITIMIDADE DO ESTADO PARA AJUIZAR A COBRANÇA.
1. A controvérsia diz respeito à titularidade da cobrança de crédito decorrente de multa aplicada a gestor municipal por Tribunal de Contas estadual. O acórdão embargado consignou que a cobrança compete ao próprio município, enquanto o paradigma entende que a legitimidade para a execução é do Estado a que se vincula a Corte de Contas.
2. Ambas as Turmas da Primeira Seção adotavam o mesmo posicionamento, no sentido do acórdão embargado, até o julgamento do REsp 1.181.122/RS, no qual a Segunda Turma reviu sua jurisprudência.
3. Devem-se distinguir os casos de imputação de débito/ressarcimento ao Erário - em que se busca a recomposição do dano sofrido, e, portanto, o crédito pertence ao ente público cujo patrimônio foi atingido - dos de aplicação de multa, que, na ausência de disposição legal específica, deve ser revertida em favor do ente a que se vincula o órgão sancionador.
4. Não foi outra a solução preconizada pelo Tribunal de Contas da União, em cujo âmbito as multas, mesmo que aplicadas a gestores estaduais ou municipais, sempre são recolhidas aos cofres da União.
5. Este mesmo raciocínio deve ser aplicado aos Tribunais de Contas estaduais, de modo que as multas deverão ser revertidas ao ente público ao qual a Corte está vinculada, mesmo se aplicadas contra gestor municipal.
6. Dessa forma, a legitimidade para cobrar os créditos referentes a multas aplicadas por Tribunal de Contas é do ente público que mantém a referida Corte - na espécie, o Estado do Rio Grande do Sul -, por intermédio de sua Procuradoria.
7. Embargos de Divergência providos” (STJ, EAg 1.138.822-RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, 13-12-2010, v.u., DJe 01-03-2011).
26. Todavia,
o Supremo Tribunal Federal ainda mantém-se fiel ao entendimento exposto nos
seus precedentes:
“Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Legitimidade para executar multa imposta pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). 3. O artigo 71, § 3º, da Constituição Federal não outorgou ao TCE legitimidade para executar suas decisões das quais resulte imputação de débito ou multa. 4. Competência do titular do crédito constituído a partir da decisão – o ente público prejudicado. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-AI 826.676-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 08-02-2011, v.u., DJe 24-02-2011).
27. O
enfrentamento da questão deve considerar o modelo federativo de controle
externo a cargo do Tribunal de Contas e a natureza da imposição da multa pelo
órgão fiscalizador.
28. Quanto
ao primeiro, a Constituição Federal de 1988 vocaciona o Tribunal de Contas para
o controle externo administrativo, contábil, financeiro, patrimonial e
orçamentário na estrutura republicana ora como órgão de assessoramento do Poder
Legislativo (art. 71, I, IV e VII, v.g.),
ora como órgão decisório, dotado de competências próprias (art. 71, II, III,
VIII, IX, X, v.g.), adotando modelo
federativo simétrico, dividido entre o Tribunal de Contas da União para a órbita
federal e os Tribunais de Contas dos Estados para as esferas estadual e
municipal (art. 75), até porque foram mantidos excepcionalmente os Tribunais de
Contas municipais então existentes (art. 31, §§ 1º e 4º). Neste sentido,
explica a doutrina que:
“Consagrou-se, pois, a situação estabelecida, é dizer, onde eles já existem são mantidos e constitucionalizados; onde eles não existem, não podem ser criados. Há, portanto, Estados que têm um Tribunal de Contas com o nome de Conselho de Contas Municipais, voltado, exclusivamente, à fiscalização dos Municípios. Esses Conselhos são, pois, mantidos. De outra parte, há apenas dois Municípios (o de São Paulo e o do Rio de Janeiro) que têm Tribunais de Contas próprios, é dizer, municipais. Ficam também mantidos e criados” (Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1992, 2ª ed., p. 93).
29. Com
relação à segunda, multa é sanção pecuniária pela prática de ato ilícito. Ao
exercer sua função sobre os Municípios, o Tribunal de Contas estadual fiscaliza
a gestão administrativa, contábil, financeira, orçamentária e patrimonial dos
Municípios e reage aos ilícitos contra (esses) perpetrados inclusive com as
multas impostas – e que devem ser proporcionais ao dano causado ao erário.
30. Ora,
verifica-se a partir dessas premissas que o Tribunal de Contas estadual cria
obrigações pecuniárias punitivas aos ilícitos praticados contra a regular
gestão municipal e, portanto, o título executivo daí gerado é receita
integrante do erário municipal e não do órgão que o impõe.
31. Daí
porque o inciso II do art. 3º da Lei Estadual n. 11.077, de 20 de março de
2002, está a merecer interpretação conforme a Constituição de maneira a excluir
das receitas componentes do Fundo Especial do Tribunal de Contas do Estado as
multas e as indenizações que decorram da fiscalização exercida pelo Tribunal de
Contas sobre agentes, entidades ou órgãos dos Municípios.
32. Com
referência, a Lei Estadual n. 13.027, de 28 de maio de 2008, que acrescenta disposição
transitória com artigo único à Lei Estadual n. 12.799, de 11 de janeiro de
2008, a norma impugnada estabelece que:
“Tratando-se de débitos relativos às Prefeituras Municipais, o disposto nesta Lei somente incidirá 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias após a sua entrada em vigor”.
33. Como a Lei Estadual n. 12.799, de 11 de
janeiro de 2008, institui o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de
órgãos e entidades estaduais – CADIN ESTADUAL, os débitos dos Municípios com os
Estados também serão nele inscritos por força da inovação contida na Lei
Estadual n. 13.027/08. Mas, neste caso, a petição inicial mostra-se inepta por
falta de indicação do parâmetro para o controle de constitucionalidade.
Ademais, o cadastro não abrange débitos de agentes públicos municipais, mas,
tão somente, dos próprios Municípios – no caso, de seu órgão executivo máximo,
a Prefeitura.
34. Face
ao exposto, opino pela procedência parcial da ação para dispensar ao inciso II
do art. 3º da Lei Estadual n. 11.077, de 20 de março de 2002, interpretação
conforme a Constituição de maneira a excluir das receitas componentes do Fundo
Especial do Tribunal de Contas do Estado as multas e as indenizações decorrentes
da fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas sobre agentes, entidades ou
órgãos dos Município.
São
Paulo, 16 de abril de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj