Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 178.614.0/7-00

Requerente: Município de Capela do Alto

Objeto: Lei nº 1.451, de 11 de Dezembro de 2008, do Município de Capela do Alto

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Município de Capela do Alto, da Lei nº 1.451, de 11 de Dezembro de 2008, do mesmo município, que “estabelece participação de representantes do Legislativo Municipal em comissões de concurso público ou qualquer processo de admissão de pessoal para o Executivo”. Município que é parte ilegítima para propor a ADIN, ex vi do art. 90 da Constituição do Estado. No mérito, tem-se que o Poder Legislativo criou instrumento de controle não previsto na Constituição do Estado, com violação, portanto, ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela extinção do processo, sem resolução do mérito, e, se superada a preliminar, pela procedência do pedido.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Município de Capela do Alto, tendo por objeto a Lei nº 1.451, de 11 de Dezembro de 2008, do mesmo município, que “estabelece participação de representantes do Legislativo Municipal em comissões de concurso público ou qualquer processo de admissão de pessoal para o Executivo”.

Sustenta o autor que a lei em análise, determinando que as comissões de concurso público ou qualquer outro processo de admissão de pessoal realizado pela Prefeitura de Capela do Alto devam contar com, pelo menos, 1/3 (um terço) de representantes do Poder Legislativo, viola o princípio da separação dos poderes previsto no art. 5º da Constituição do Estado (fls. 2/14).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 24).

O Presidente da Câmara Municipal, em que pese tenha sido regularmente notificado (fls. 32), não se pronunciou (fls. 37).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 34/36).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminar

O Município não é parte legítima para propor a ação direta de inconstitucionalidade, ex vi do art. 90 da Constituição do Estado de São Paulo.

No âmbito local, a tarefa compete ao Prefeito, à Mesa da Câmara Municipal ou aos partidos políticos com representação na Casa Legislativa (art. 90, inc. II e VI, CE).

Em conseqüência, impõe-se a extinção do processo, sem resolução do mérito, como determina o art. 267, inc. VI, do CPC.

Mérito

Superada essa questão, o pedido é procedente.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, o princípio da separação dos poderes, nos seguintes termos:

São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112).

Nessa sensível relação, destaca-se como relevante a missão do Poder Legislativo de controlar os atos do Poder Executivo, no propalado “sistema de freios e contrapesos”.

Esse controle, todavia, é restrito. Há de ser exercido nos estreitos lindes da previsão constitucional, sob pena de se tornar ilegítimo.

O tema é conhecido do E. Tribunal de Justiça.

O C. Órgão Especial tem firme orientação de que “o Legislativo não pode criar forma de controle interno não previsto na Constituição Estadual, em paralelo ao externo nela consagrado” (ADIN nº 172.909-0/0-00, j. 17.06.2009, rel. desig. Des. PALMA BISSON).

Consolidou jurisprudência no sentido de que:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam como a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo (...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art. 5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art. 144, da Constituição Estadual)” (ADIN nº 135.843.0/7-00, rel. Des. MARCUS ANDRADE).

No caso em análise, a lei impugnada criou um inusitado mecanismo de controle do Poder Executivo sem paralelo na Constituição Federal, que incide no campo do serviço público, de responsabilidade do Prefeito, mais especificamente no âmbito do recrutamento de pessoal.

A exigência de que as comissões de concurso da Prefeitura sejam compostas por representantes da Casa Legislativa constitui inequívoca interferência desta em assunto da Administração sobre o qual não deve prover.

Assim sendo, a norma questionada representa, sem dúvida, ilegítima ingerência da Câmara nos atos de governo e nas prerrogativas do Prefeito, sendo forçoso reconhecer que é violadora do princípio da separação dos poderes.

Clara, portanto, a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, opino pela extinção do processo, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC, e, se superada a preliminar, pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.451, de 11 de Dezembro de 2008, do Município de Capela do Alto, que “estabelece participação de representantes do Legislativo Municipal em comissões de concurso público ou qualquer processo de admissão de pessoal para o Executivo”.

 

São Paulo, 2 de outubro de 2009.

 

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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