Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0117954-53.2012.8.26.0000

Suscitante: Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça

Objeto: Lei n. 10.113/08, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da Lei n. 10.113/08, do Município de São José do Rio Preto, que exige das concessionárias de veículos o plantio de uma árvore para cada unidade vendida. Usurpação de competência legislativa (art. 22, I, da CF). Exigência que fere o princípio da razoabilidade. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade da norma questionada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

(...), pessoa jurídica de direito privado do município de São José do Rio preto, ingressou com “AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA” contra a Prefeitura Municipal daquele Município, pleiteando a declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 2º, da Lei n. 10.113/08, de São José do Rio Preto, com o consequente dever de abstenção do Município em autuar a autora pelo descumprimento da referida norma.

Pela r. Sentença de fls. 313/317, a pretensão foi acolhida, da qual adveio apelação (fls. 319/324).

O recurso foi regularmente processado, com contrarrazões a fls. 337/344, seguido de recurso adesivo, sendo distribuído à Colenda Câmara Reservada ao Meio Ambiente.

O v. Acórdão de fls. 357/365 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade da Lei n. 10.113/08, do Município de São José do Rio Preto.

Este é resumo do que consta dos autos.

De fato, a norma em apreço padece de inconstitucionalidade por dois principais motivos.

Primeiramente, a Lei Municipal criou exigência desarrazoada que obstaculiza o exercício da atividade comercial desenvolvida pela empresa requerente, violando, desta forma, o princípio da razoabilidade.

Ocorre que normas federais de proteção ao meio ambiente já se ocupam em regulamentar o resgate de carbono da atmosfera, da mesma forma como pretende a Lei em questão.

De outra parte, não é razoável que somente concessionárias da cidade de São José do Rio Preto, que vendem carros novos, sejam alvo de tal obrigação, enquanto que as montadoras e comerciantes de carros usados que estejam instalados em outras cidades não sejam atingidos pela mesma obrigação, embora os veículos circulem naquela urbe, onde culminam por dispersar os indesejáveis agentes poluentes.

            Essa é uma situação que revela clara violação ao princípio da razoabilidade, imanente ao nosso sistema constitucional, cujo respeito exige que o ato normativo supere o “teste” consubstanciado: (a) na necessidade do ato normativo; (b) na sua adequação à situação material normatizada; (c) na proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, na compatibilidade entre os meios empregados pelo legislador e as metas que ele desejou alcançar.

         Esse raciocínio tem sido acolhido pela doutrina como argumento suficiente para, por desconsideração a um dos três aspectos do “teste de razoabilidade”, afastar-se a legitimidade do ato normativo ou administrativo. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83.

         Por outro lado, a norma pode igualmente ser tida como inconstitucional, por reger matéria de direito comercial, como já observado no brilhante parecer de fls. 348/353, cujos termos não podemos deixar de transcrever:

         “Ao que se extrai do texto municipal, a atividade, a conduta, o fato gerador que enseja a aplicação da lei em cunho ambiental não é uma atividade relacionada à proteção ambiental, mas uma atividade comercial, um negócio de venda e compra.

         Deste ato empresarial de venda e compra, não poderia o Município criar obrigação que tem, claramente, ingerência no âmbito de Direito Civil por infringir campo de competência privativa da União (art. 22, inciso I, da Constituição).

         Ainda que a obrigação criada possua uma estampa ambiental, fato é que esta roupagem não desvirtua a natureza de ingerência municipal em atividade civil.

         Ora, a análise do fato gerador da obrigação traduz-se em negócio de direito privado, de campo cível, cuja ingerência municipal implica, como mencionado, em desvio na atividade legiferante.”

Desta forma, conclui-se que a norma em apreço culminou por violar o disposto no art. 22, inc. I, da Constituição Federal.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade da Lei n. 10.113/08, do Município de São José do Rio Preto.

São Paulo, 20 de junho de 2012.

 

        Sérgio Turra Sobrana

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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