Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 154240-93.2013.8.26.0000

Suscitante: 3ª Câmara de Direito Público

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de Inconstitucionalidade. Lei n. 4.213, de 04 de janeiro de 2088, do Município de Suzano. Concessão de isenção tarifária (passe livre) para estudantes da rede pública ou privada. Falta de indicação de recursos financeiro-orçamentários para atendimento de novas despesas. Violação do equilíbrio econômico-financeiro de atos e contratos de delegação de serviço público a particulares. Reserva de lei complementar. Reserva da Administração. Procedência. 1. Lei local que concede isenção de tarifa no serviço público de transporte coletivo a estudantes que padece de inconstitucionalidade por: (a) ausência de indicação da fonte orçamentária para atendimento das novas despesas geradas com a isenção da tarifa (art. 25, CE/89); (b) violação ao equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão e de atos de permissão de serviço público a particulares que exploram o transporte coletivo (art. 117, CE/89; art. 37, XXI, CF/88); (c) invasão da reserva de lei complementar porque o Município disciplinou o serviço público de transporte coletivo urbano e sua delegação a particulares através da Lei Complementar n. 146, de 2004, não podendo a isenção tarifária ser concedida por norma de natureza diversa (art. 69, CF/88; art. 23, CE/89). 2. Ademais, como a fixação da tarifa se insere no âmbito da competência privativa do Chefe do Poder Executivo, imune à interferência do Poder Legislativo, a outorga de isenção tampouco poderia ser objeto de lei, mesmo que de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 120 e 159, parágrafo único, CE/89).

 

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                A colenda 3ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou incidente de inconstitucionalidade da Lei n. 4.213, de 04 de janeiro de 2008, do Município de Suzano, no julgamento de apelação contra a respeitável sentença que julgou procedente mandado de segurança impetrado por (...). (fls. 407/410) e que não foi conhecido pelo colendo Órgão Especial por falta de fundamentação sobre a inconstitucionalidade da norma (fls. 443/450).

2.                Retomado o julgamento pelo douto órgão fracionário, o venerando acórdão suscitou o incidente apontando a incompatibilidade da lei local com o art. 25 da Constituição Estadual (fls. 458/463).

3.                É o relatório.

4.                Eis a redação da Lei em análise:

“Art. 1º. Fica concedida a redução tarifária integral (passe livre) no transporte público aos estudantes da rede de ensino pública ou privada no Município de Suzano, sem limitação de horário ou de dia da semana.

Art. 2.º O benefício de que trata o artigo 1º será concedido mediante crédito de quota mensal correspondente a 50 (cinqüenta) passagens de ônibus, debitáveis mediante o uso, no valor da tarifa vigente, em cartão magnético personalizado ou outro meio tecnológico disponível.

§ 1º. Durante o período da entrada em vigência desta Lei e até que se complete a instalação dos equipamentos eletrônicos necessários ao funcionamento do cartão magnético, a Administração Municipal, por intermédio da DTAVMU fica autorizada a emitir e a distribuir carteira de estudante personalizada, mediante a apresentação da qual o seu titular obterá o acesso gratuito no transporte coletivo.

§ 2º. Os alunos titulares de carteiras de estudantes regularmente emitidas pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas - UBES e pela União Nacional dos Estudantes - UNE ficam dispensados de quaisquer outras exigências para a imediata obtenção da gratuidade instituída pela presente Lei.

§ 3º. Poderão ser admitidas, para fins de transporte gratuito de estudante, as carteiras emitidas pelas instituições de ensino que firmarem convênio com a Prefeitura Municipal para esta finalidade.

§ 4º. O cartão de que trata o caput deste artigo será fornecido gratuitamente aos estudantes, salvo nos casos de extravio, oportunidade em que será cobrada tarifa social para emissão de segunda via.

Art. 3º. Terão direito à redução tarifária integral (passe livre) os alunos do ensino fundamental, médio, tecnológico e superior e os alunos de cursos pré-vestibulares.

Parágrafo único. Instituições de ensino que não se enquadrarem com exatidão nas categorias mencionadas no caput poderão requerer o benefício para os seus respectivos alunos, cuja concessão ficará a critério do Poder Executivo, mediante a consideração do interesse público que representará o benefício eventualmente concedido.

Art. 4º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias.

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

5.               A lei local padece de três causas de inconstitucionalidade.

6.                Em primeiro lugar,          ela não indica a fonte orçamentária para atendimento das novas despesas geradas com a isenção da tarifa, o que era essencial a teor do invocado art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

7.                Em segundo lugar, ela viola o equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão e de atos de permissão de serviço público a particulares que exploram o transporte coletivo. O art. 117 da Constituição Estadual e o art. 37, XXI, da Constituição Federal, estabelecem nas contratações públicas a manutenção das condições efetivas da proposta para cumprimento das obrigações, tendo em vista que a tarifa (preço público) fixada pelo Poder Executivo deve corresponder à remuneração pelo custo decorrente da execução delegada do serviço público. Neste sentido, pronuncia a jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DE PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATROS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA. 1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. (...) 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente” (STF, ADI 2.733-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 26-10-2005, v.u., DJ 03-02-2006, p. 11).

“DIREITO CONSTITUCIONAL - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL - CRIAÇÃO DE ISENÇÃO DE TARIFA NO TRANSPORTE COLETIVO LOCAL – VÍCIO DE INICIATIVA - AUMENTO DE DESPESA SEM PREVISÃO DE RECURSOS - EXISTÊNCIA – INCONSTITUCIONALIDADE VERIFICADA - É inconstitucional a Lei Municipal de Lins 5.349, de 2 de julho de 2010, que instituiu hipótese de isenção de tarifa no transporte coletivo local, por vício de iniciativa. Ademais, tal proceder configura violação da independência e harmonia dos poderes, bem como criação de despesa sem previsão de recursos - Violação dos arts. 2º e 61, § 1, II, ‘b’, da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força do princípio da simetria e ‘ex vi’ dos arts. 5º, 25 e 47, XVIII, e 144 da Constituição Estadual - Ação procedente” (TJSP, ADI 0366707-28.2010.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, v.u., 26-10-2011).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n° 7.158/24.02.2010, do Município de Presidente Prudente, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após ser derribado o veto do alcaide, que ‘Acrescenta mais um inciso no artigo 1º e dá nova redação ao § 1º do mesmo artigo da Lei Municipal n° 6.213 que regulamenta o passe gratuito aos portadores de deficiência’ - reserva-se exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativa de leis que, como a ora impugnada, disponham sobre o serviço de transporte coletivo, porquanto é dele, e privativa, a atribuição de disciplinar os serviços públicos municipais. inconstitucionalidade que também brota do ato normativo vergastado por não prever a fonte dos recursos que pagarão o transporte gratuito aos passageiros de que trata - violação dos artigos 5º, 25, 37, 47, II, 144, 174, I, II e III e 176, I, da Constituição Estadual – ação procedente” (TJSP, ADI 0142417-30.2010.8.26.0000, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 26-10-2011).

“Arguição de inconstitucionalidade. Lei municipal que estende benefício, de gratuidade no transporte público a maiores de sessenta anos. Vício de iniciativa. Arts. 5º e 47, XVIII, da Constituição Estadual. Iniciativa do Prefeito Municipal. Sanção que não convalida o vício. Ausência de previsão dos recursos necessários a fazer frente à nova despesa. Violação aos arts. 25 e 176, I, da Constituição Bandeirante. Ação julgada Procedente” (TJSP, ADI 0525886-95.2010.8.26.0000, Rel. Des. Cauduro Padin, v.u., 24-08-2011).

8.                Em terceiro e último lugar, o Município disciplinou o serviço público de transporte coletivo urbano e sua delegação a particulares através da Lei Complementar n. 146, de 2004, não podendo a isenção tarifária ser concedida por norma de natureza diversa.

9.                A questão não é de hierarquia das normas, mas, de reserva de competência material. Se o assunto é objeto de lei complementar não pode ser alterado direta ou indiretamente por lei ordinária, sob pena de violação ao art. 69 da Constituição Federal e ao art. 23 da Constituição Estadual. Acresce anotar que, em realidade, como a fixação da tarifa se insere no âmbito da competência privativa do Chefe do Poder Executivo, imune à interferência do Poder Legislativo, a outorga de isenção tampouco poderia ser objeto de lei, mesmo que de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, à luz dos arts. 120 e 159, parágrafo único, da Constituição Estadual.

10.              Face ao exposto, opino pela declaração de inconstitucionalidade.

 

                   São Paulo, 31 de julho de 2014.

 

 

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho 

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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