Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 994.08.163581-0

Órgão Especial

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo

Apelantes e apelados: Municipalidade de São José do Rio Preto e outro

Objeto: Inconstitucionalidade do art. 5º e do art. 6º da Lei Complementar nº 157, de 30 de dezembro de 2002, de São José do Rio Preto

 

 

Ementa:

1)     Incidente de inconstitucionalidade. Artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 157, de 30 de dezembro de 2002, de São José do Rio Preto.

2)     Contribuição de Iluminação Pública. Fixação das alíquotas da contribuição de forma diferenciada, em função da classe de consumidores e da quantidade de consumo medida em Kw/h. Alegação de violação da isonomia tributária e da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, e art. 150, II da CR/88), bem como de inconstitucionalidade da EC 39/2002, que inseriu o art. 149-A na CR/88.

3)     Matéria pacificada no âmbito do STF. Exame de hipótese análoga, pelo respectivo Plenário, quando do julgamento do RE 573.675/SC, em 25/03/2009, reconhecendo-se a constitucionalidade da EC 39/2002, bem como a não ocorrência de violação à isonomia e ao princípio da capacidade contributiva.

4)     Parecer no sentido do conhecimento, e não acolhimento do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 15ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do v. acórdão de fls. 88/94, rel. des. Erbetta Filho, proferido na apelação cível nº 842.089-5/3-00, examinada na sessão de julgamento realizada em 03 de setembro de 2009.

Ao suscitar a instauração do incidente, a C. 15ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça afirmou a inconstitucionalidade dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar Municipal nº 157, de 30 de dezembro de 2002, de São José do Rio Preto, que trata da denominada “Contribuição de Iluminação Pública”.

Segue trecho do voto vencedor, para melhor delimitação do objeto do incidente:

“(...)

          Na hipótese vertente, a Lei Complementar nº 157/02, do Município de São José do Rio Preto, tomou por base para a cobrança da contribuição critério que não permite aferir a real capacidade contributiva do sujeito passivo da exação, sobre fixar alíquotas diferenciadas de acordo com a faixa de consumo de energia elétrica.

(...)”

Foi determinado, pelo Excelentíssimo Desembargador Laerte Sampaio, Relator do presente incidente, o apensamento a este feito dos autos da ação direta nº 127.702-0/0-00, na qual a Procuradoria-Geral de Justiça impugnou a Lei Complementar Municipal nº 157/2002, de São José do Rio Preto (apenso). Tal feito, entretanto, foi extinto sem exame do mérito, tendo em vista, precisamente, a parcial revogação do ato normativo impugnado pela Lei Complementar Municipal nº 215, de 20 de dezembro de 2005 (cf. acórdão de fls. 218/223 do apenso, decisão proferida na sessão de julgamento realizada em 04.07.2007, rel. des. Jarbas Mazzoni).

É o relato do essencial.

O incidente de inconstitucionalidade deve ser conhecido.

Nada obstante a revogação pela Lei Complementar Municipal nº 215, de 20 de dezembro de 2005, dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar Municipal nº 157, de 30 de dezembro de 2002, de São José do Rio Preto (que contém a alegada violação aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva), subsiste no controle difuso de constitucionalidade o interesse na análise do tema, tendo em vista a repercussão quanto à aplicação da lei, no período em que esteve em vigor, na esfera de inúmeros interessados.

A revogação de ato normativo, de fato, elimina o interesse de agir para exame de inconstitucionalidade em sede de ação direta por não haver mais a necessidade de decisão judicial que retire o ato normativo do ordenamento, e ser esta, essencialmente, a finalidade do processo objetivo de controle concentrado de constitucionalidade da lei.

Entretanto, a situação se mostra diversa em sede de controle difuso - inclusive no incidente de inconstitucionalidade. Se a lei vigorou durante certo lapso temporal, produzindo efeitos, isso gera interesse (utilidade e necessidade) de apreciação quanto à legitimidade constitucional dos desdobramentos decorrentes da aplicação do ato normativo.

Resta saber então, no caso em exame, se é ou não inconstitucional a definição da alíquota da Contribuição de Iluminação Pública a partir das faixas de consumo, nos termos dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar Municipal nº 157, de 30 de dezembro de 2002, de São José do Rio Preto, que assim dispunham:

“(...)

Art. 5º. A base de cálculo da CIP é o valor mensal do consumo total de energia elétrica constante na fatura emitida pela empresa concessionária distribuidora.

Art. 6º. As alíquotas de contribuição são diferenciadas conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo medida em Kw/h, conforme a tabela anexa, que é parte integrante desta lei.

(...)”

A tese no sentido da inconstitucionalidade da fixação de alíquotas diferenciadas conforme a classe dos consumidores e a quantidade de consumo foi, inclusive, adotada pela Procuradoria-Geral de Justiça quando da propositura da ação direta de inconstitucionalidade nº 127.7012-0/0-00 (apenso), a respeito da própria Lei Complementar nº 157/2002, de São José do Rio Preto, e vinha sendo reconhecida por esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo em inúmeros casos análogos.

Ocorre que recentemente, a quaestio iuris foi apreciada pelo Plenário do STF, que lhe conferiu solução distinta.

Trata-se do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE nº 573.675/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-3-2009, Plenário, DJE de 22-5-2009, fruto de impugnação contra decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade proposta junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Esse precedente do STF contou com a respectiva ementa:

“(...)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública.

II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva.

III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte.

IV - Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

V - Recurso extraordinário conhecido e improvido.

(...)”

Como é possível observar, nesse julgamento o STF examinou expressamente a questão relativa à legitimidade constitucional da fixação, pela lei, de alíquotas progressivas em função da quantidade do consumo de energia elétrica e da classe de consumidor, e considerou esse parâmetro adequado, indicando-o como forma possível de concretização do princípio da capacidade contributiva, estabelecido no art. 145, § 1º da CR/88.

Nesse particular, é útil transcrever excerto do voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski, que esclarece a posição adotada pelo Plenário do STF quanto à matéria em debate:

“(...)

          O art. 2º da Lei Complementar municipal sob análise estabeleceu como base de cálculo da contribuição o valor da Tarifa de Iluminação Pública, apurado mês a mês (TARIFA de I.P./Mês), correspondente ao custo mensal do serviço de iluminação pública, variando as alíquotas conforme a qualidade dos consumidores de energia elétrica e quantidade de seu consumo.

          Explicando melhor, a ‘Tarifa de I.P./Mês’ é aferida a cada trinta dias, levando-se em conta o valor gasto pelo Município com a iluminação pública. Esse montante é rateado pelos contribuintes, segundo alíquotas que variam conforme o tipo de usuário do serviço, classificado em consumidor primário, residencial, comercial, industrial e serviço público, e de acordo com o respectivo gasto de energia elétrica.

          Não resta dúvida de que a LC 7/2002, nesse sentido, instituiu um sistema progressivo de alíquotas, mas o fez sem ofensa ao princípio da isonomia e com respeito à capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

          (...)

          Embora não deixe de ter certa plausibilidade a assertiva do recorrente segundo a qual ‘não há um critério seguro de discriminação para se conferir a determinado contribuinte uma carga tributária maior’, diante do silêncio da Constituição Federal no que toca à hipótese de incidência da contribuição de iluminação pública, liberando, assim, o legislador local a eleger a melhor forma de cobrança do tributo, e tendo em conta o caráter sui generis da exação, considero que se mostram razoáveis e proporcionais os critérios escolhidos pelo diploma legal impugnado para estabelecer a sua base de cálculo, discriminar seus contribuintes e estabelecer as alíquotas a que estão sujeitos.

          Sim, porque o Município de São José, ao empregar o consumo mensal de energia elétrica de cada imóvel, como parâmetro para ratear entre os contribuintes o gasto com a prestação do serviço de iluminação pública, buscou realizar, na prática, a almejada justiça fiscal, que consiste, precisamente, na materialização, no plano da realidade fática, dos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, porquanto é lícito supor que quem tem um consumo maior tem condições de pagar mais.

          Por fim, cumpre repelir o último argumento do recorrente, segundo o qual a base de cálculo da COSIP se confunde com a do ICMS. Tal hipótese, permissa venia, não ocorre no caso, porque a contribuição em tela não incide propriamente sobre o consumo de energia elétrica, mas corresponde ao rateio do custo do serviço municipal de iluminação pública entre contribuintes selecionados por critérios objetivos, pelo legislador local, com amparo na faculdade que lhe conferiu a EC 39/2002.

          (...)

          Diante de todo o exposto, por não vislumbrar, na espécie, ofensa a qualquer princípio constitucional, em particular aos postulados da isonomia e da capacidade contributiva, e por entender, ainda, que os parâmetros empregados pela Lei 7/2002 do Município de São José para instituir a Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP não excederam os lindes da razoabilidade e da proporcionalidade, conheço do presente recurso extraordinário, negando-lhe provimento.

(...)”

É relevante observar que a decisão acima referida reflete o posicionamento atual e dominante do STF a respeito da matéria, na medida em que foi proferida pelo Tribunal Pleno, havendo um único voto vencido, do Min. Marco Aurélio, visto que do extrato da ata de julgamento constou o seguinte:

“(...)

          O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, conheceu e desproveu o recurso extraordinário, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que conhecia e o provia, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da norma.

(...)”

Assim, nada obstante o posicionamento que anteriormente vinha sendo adotado no âmbito desse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo é certo que não se pode deixar de tomar em consideração que cabe ao Supremo Tribunal Federal, em nosso sistema jurídico, a palavra final quanto às questões relacionadas à interpretação e aplicação da Constituição.

Embora o posicionamento adotado pelo STF, nessa hipótese, tenha eficácia essencialmente persuasiva, e não vinculativa (a não ser para os destinatários da lei que fora glosada na ação direta de inconstitucionalidade proposta junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina), não se pode olvidar que se trata de expressivo pronunciamento do intérprete mais autorizado da Constituição da República (mormente considerando, como antes frisado, que houve apenas um voto vencido).

Esse quadro recomenda, com a devida vênia, seja obsequiado o posicionamento sedimentado no STF.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, e por seu não acolhimento, declarando-se a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar Municipal nº 157, de 30 de dezembro de 2002, de São José do Rio Preto.

São Paulo, 03 de agosto de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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