Autos n. 0001406-76.2011.8.26.0000
Suscitante: Sétima Câmara de Direito Público
Objeto da impugnação: Taxas de Limpeza e conservação de vias e
logradouros públicos, de cobertura de incêndio e de expediente ou emolumentos, do
Município de Tupã
Ementa: 1) Taxas
de limpeza e de conservação de vias públicos (Lei n. 66/2004), de cobertura
de incêndios (Lei n. 2.240/77) e de expediente ou de emolumentos (Lei n.
2.087/74), do Município de Tupã. 2) Inconstitucionalidade
material, no tocante às taxas de limpeza e conservação de vias públicas e de
emolumentos ou expediente; 3)
Violação ao art. 145, II, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios
por força do art. 144 da Constituição Estadual; afronta direta ao art. 160,
II, da Constituição Paulista; 4)
No tocante às taxas de cobertura
de incêndios e de expediente ou emolumentos, edição de lei anterior à
Constituição. Caso de recepção, ou não, da norma questionada, mas não de
inconstitucionalidade. Situação fático-jurídico não alcançada pelo teor da
Súmula Vinculante nº 10 do STF. 5) Parecer
pela desnecessidade de suscitação do incidente de inconstitucionalidade, com
relação a duas taxas acima mencionadas e, no mérito, pela decretação da
inconstitucionalidade da taxa de limpeza e conservação de vias públicas e da taxa de expediente ou de
emolumentos. |
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
Trata-se
de Acórdão proferido pela Colenda Sétima Câmara de Direito Público do Egrégio
Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 990.10.2995494-1, que
determinou a remessa dos autos, para distribuição, ao Excelso Órgão Especial.
Ocorre
que o Acórdão suspendeu o julgamento e, por força da Súmula Vinculante n. 10 do
Supremo Tribunal Federal, determinou a remessa dos autos para serem
distribuídos perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça, ao
vislumbrar a inconstitucionalidade das taxas de limpeza e conservação de vias e
logradouros públicos, de cobertura de incêndio e de expediente ou emolumentos,
do Município de Tupã.
É
o breve relatório.
Entendemos não ser o caso de suscitar o
incidente de inconstitucionalidade das Leis n. 2.087/74 (taxa de expediente ou
de emolumentos) e da Lei n. 2.240/77 (taxa de cobertura de incêndio), considerando-se a impossibilidade
jurídica de submeter lei anterior à Constituição ao controle normativo
abstrato, pela impossibilidade de adoção como parâmetro de norma revogada da
Constituição.
Ocorre
que, como leciona Luís Roberto Barroso:
“toda a legislação ordinária
anterior, naquilo em que for compatível com a nova ordem constitucional,
subsiste validamente e continua em vigor, ainda que com um novo fundamento de
validade (...); toda a normatização infraconstitucional preexistente
incompatível com a Constituição fica automaticamente revogada. Portanto, entre
nós, o contraste entre a nova Constituição e o direito anterior se coloca no
plano da vigência e não da validade das normas.
À vista de tais premissas, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabeleceu, de longa data, o
entendimento de que não cabe ação direta de inconstitucionalidade tendo por
objeto o direito pré-constitucional”. (O
controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 266)
No presente caso, as leis que instituíram as taxas
de expediente ou de emolumentos e de cobertura de incêndio são anteriores à Constituição Federal e anteriores à Constituição do Estado de
São Paulo em vigor.
Entende o Supremo Tribunal Federal que a anulação de
uma norma inconstitucional é necessária somente quando a lei é mais recente que
a Constituição. Tratando-se de uma lei anterior em contraste, estará ela não recepcionada, sem a declaração
formal da inconstitucionalidade. Isso
significa que os tribunais e os agentes administrativos devem verificar a
existência de uma contradição entre a Constituição e a norma mais antiga que
aquela.
Não deixamos de ressaltar os inconvenientes da
adoção dessa sistemática, sendo mesmo um dos fundamentos daqueles que aceitam a
inconstitucionalidade superveniente, é dizer, o de parecer ser um erro deixar a
decisão às várias autoridades encarregadas de aplicar ou desaplicar a lei
anterior, por se tornar um ponto fluído na ordem jurídica; seria melhor
atribuir ao tribunal constitucional a tarefa, via controle abstrato, o que
significa negar à nova Constituição a força de derrogar as leis anteriores
incompatíveis e permitir efeito mais amplo a uma decisão do Tribunal
Constitucional. Mesmo no direito brasileiro, há casos de mutação
constitucional, v.g., que, para
Clèmerson Merlin Clève, podem levar à inconstitucionalidade superveniente (Clèmerson
Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito
brasileiro, p. 44).
As normas de uma Constituição se projetam sobre
todo o sistema jurídico, globalmente, alterando-lhes os critérios de validade,
princípios e valores subjacentes. A nova Constituição tem os seguintes efeitos
sobre a ordem jurídica, a saber:
a) a nova Constituição revoga globalmente a Constituição anterior (revogação
de sistema);
b) novas normas constitucionais (advindas de emenda ou revisão) revogam
normas constitucionais em contrário, anteriores;
c) a nova Constituição produz novação em relação às normas anteriores,
não desconformes com ela (no Brasil comumente se fala em
recepção);
d) normas constitucionais novas revogam normas infraconstitucionais com
ela incompatíveis, data venia, com as
observações que fizemos.
Somente uma Constituição
pode vigorar em um país em um certo momento, o que é assaz lógico.[1]
A Constituição, superveniente, revoga globalmente o direito anterior, o que já
não ocorre em caso de emenda ou revisão, como é o caso dos autos, em que a revogação
é individualizada. Na hipótese de revisão constitucional não se opera a
novação. As normas de revisão retiram seu fundamento de validade da própria
Constituição.
Uma nova ordem não destrói todo o direito
infraconstitucional anterior; seria incongruente e muito penoso refazê-lo por
inteiro. O que há é novação, ou
recepção do direito anterior, que é a mudança no seu fundamento de validade, no
seu título; as normas continuam e apenas sua força jurídica, seu título
subjacente, é outro.
Isso significa que o novo direito constitucional
acarreta as seguintes consequências: a) os princípios gerais de todos os ramos
do direito passam a ser aqueles previstos na nova Constituição, explícitos e
implícitos; b) as normas legais e regulamentares devem ser interpretadas face à
nova ordem; c) as normas contrárias à Constituição, mesmo em relação às normas
programáticas, não subsistem.[2]-[3]
O direito não contrário à nova Constituição
subsiste, tendo como único requisito o de ser com ela compatível. Mas o juízo a ser feito é o da
compatibilidade material com a nova Constituição, não formal ou orgânico.
Note-se que o critério de aferição da constitucionalidade em relação às leis
anteriores à Constituição, e o pormenor tem importância na subsistência de leis
anteriores não substancialmente contrárias ao parâmetro, é o critério material
e não formal.
Entre nós, como se disse, não se admite a tese da
inconstitucionalidade superveniente. As normas inferiores, anteriores e
incompatíveis com a Constituição estão revogadas.
Não cabe ação direta em face de leis anteriores à Constituição e os efeitos são
de revogação e não há necessidade de
'quorum' especial (art. 97 da Constituição da República) para que seja
reconhecida a revogação.
Na mesma linha de raciocínio, se não cabe ação
direta de inconstitucionalidade, não caberá o incidente de inconstitucionalidade.
Aliás, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu
no sentido por nós sustentado, em incidente suscitado pela 3ª Câmara da Seção
de Direito Público do Tribunal de Justiça, tendo por suscitados o Instituto de
Previdência do Estado de São Paulo e Fazenda do Estado de São Paulo,
tratando-se do Incidente de Inconstitucionalidade de Lei nº 138.227-0/8-00,
relatado pelo Des. PENTEADO NAVARRO, que transcrevemos naquilo que relevante ao
caso:
“Incidente de
constitucionalidade. Argüição pela 3a Câmara de Direito Público deste Tribunal,
objetivando ver declarada inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº
180/78 em face da Constituição da República de 1988. Lei anterior à
Constituição. Caso de recepção, ou não, do texto referido, mas nunca de
declaração de inconstitucionalidade. Não conhecimento do incidente, com retorno
dos autos à origem.
Vistos estes autos de
incidente de inconstitucionalidade de lei suscitado pela 3ª Câmara da Seção de
Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da apelação
cível n° 232.773-5/2, para ver declarada a inconstitucionalidade do art. 133,
inc. V, da Lei Complementar Estadual n° 180/78, que prevê a contribuição
previdenciária dos servidores públicos inativos (fls. 216/234). Opinou o douto
Procurador Geral de Justiça pela inconstitucionalidade do dispositivo acima
apontado, em vista das considerações que faz sobre a espécie em julgamento
(fls. 243/245). Esse o relatório. Nada obstante o brilho do parecer aludido,
penso que a Autos n° 138.227-0/8 Comarca de São Paulo Voto n° 10931 Poder
Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Órgão Especial hipótese é
de não conhecimento do incidente em questão, porque tanto a Constituição da
República, de 05/10/1988, quanto a Emenda Constitucional n° 20, de 15/12/1998,
foram editadas muito após a vigência do questionado diploma legal. Com efeito,
segundo o ensinamento de Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes,
‘O Supremo Tribunal Federal admitiu, inicialmente, a possibilidade de examinar,
no processo do controle abstrato de normas, a questão da derrogação do direito
pré-constitucional, em virtude de colisão entre a Constituição superveniente e
o direito pré-constitucional... Essa posição foi abandonada, todavia, em favor
do entendimento de que o processo do controle abstrato de normas destina-se,
fundamentalmente, à aferição da constitucionalidade de normas
pós-constitucionais (RTJ, 82/44 e 99/544). Dessa forma, eventual colisão
entre o direito pré-constitucional e a nova Constituição deveria ser
simplesmente resolvido segundo os princípios de direito intertemporal (RTJ, 95/990).
Assim, caberia à jurisdição ordinária, tanto quanto ao Supremo Tribunal
Federal, examinar a vigência do direito pré-constitucional no âmbito do
controle incidente de normas, uma vez que, nesse caso, cuidar-se-ia de simples
aplicação do princípio do lex posterior derrogat priori e não de um
exame de constitucionalidade’ (Controle Concentrado de Constitucionalidade, 2a
ed., Saraiva, 2005, item 3.3.5, págs. 181-2, grifei). Sem dissentir, explica Luís
Roberto Barroso: ‘Não cabe ação direta contra leis anteriores à Constituição’ (Constituição
da República Federativa do Brasil Anotada, 5a ed., Saraiva, 2006, art. 102,
pág. 614). Ainda não discrepa José Afonso da Silva, que também sustenta a
inadmissibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade de leis anteriores
à Carta Magna de 1988, afirmando: ‘se contrastarem com ela, não se tem uma
relação de validade, mas simples relação de vigência, de modo que a questão se
afere com base no princípio lex posterior derrogat lex prior, e não
segundo o princípio lex superior derrogat lex inferior, quer dizer, a
questão se resolve pela consideração de sua revogação, e não pelo julgamento de
sua inconstitucionalidade’ (Comentário Contextual à Constituição, 2a ed.,
Malheiros, art. 102, pág. 542, grifei). Voga nas mesmas águas o entendimento do
colendo Supremo Tribunal Federal ao decidir que ‘A ação direta de inconstitucionalidade
não é o meio idôneo ao exame de alegado conflito de norma legal com a
Constituição da República quando exsurja indispensável, a tanto, a análise de
lei anterior que se diz não recepcionada por esta última’ (Pleno, ADI 454/PR,
rel. Min. Marco Aurélio, DJU 19/05/95, pág. 13.990). No mesmo teor
outros precedentes podem ser indicados (cf., p. ex., RTJ, 95/993,
99/544, 109/1220, 110/1094, 116/652, 124/415, 141/56, 143/3, 143/355, 145/339,
145/491, 147/372, 154/739, 158/491, 159/741, 160/62, 169/763, 169/843, 174/719
e 183/592; RDA, 138/116, 188/215 e 188/288; RT, 675/244 e
686/218; RSTJ, 47/120). Como se vê, a declaração de inconstitucionalidade
no caso é juridicamente impossível, circunstância que afasta a possibilidade do
exame de mérito (CPC, art. 267, inc. VI, 1ª fig.). De todo o exposto, não
conheço da argüição, determinando o retorno dos autos à 3ª Câmara de Direito
Privado, para que aprecie a causa, nos termos do arts. 658, § 1º, do Regimento
Interno.”
Necessário dizer que em hipóteses como a tratada
nestes autos, ou seja, de recepção ou não de determinada lei, não tem aplicação
a norma da Súmula Vinculante nº 10, do Supremo Tribunal Federal, dado que esta
se direciona aos casos em que há - formalmente – declaração ou afastamento de
lei ou ato normativo do Poder Público. O verbete só pode ser lido à luz do
artigo 97 da Constituição e este é expresso quanto à declaração de
inconstitucionalidade.
Obviamente que não pode o Órgão fracionário deixar
de formalmente declarar a inconstitucionalidade de lei e, mesmo assim, não
aplicá-la justamente porque a entende inconstitucional. Essa a razão pela qual
a Súmula Vinculante nº 10 fala em “não declare expressamente”. O caso tratado
nos autos é de recepção, ou não, da norma cogitada, porém sem se falar em
inconstitucionalidade.
Nessa trilha, opinamos pela não suscitação do
incidente, em relação às mencionadas leis com prosseguimento do julgamento, em
relação à lei que instituiu a taxa de limpeza e de conservação de vias públicas.
A
Lei n. 66/2004, que disciplina a taxa de limpeza de vias e de conservação de
vias públicas padece de inconstitucionalidade.
Isto
porque há flagrante violação ao disposto no artigo 160, inciso II, da Constituição
do Estado de São Paulo, que incorpora, expressamente, princípios
constitucionais tributários limitadores da autonomia das entidades políticas,
consagrados no artigo 145, inciso II, e seu § 2º, da Carta Magna, de atendimento obrigatório pelos Municípios,
por força do artigo 144, da Constituição Paulista.
Assim
dispõe a norma constitucional estadual violada:
“Art. 160. Compete ao Estado
instituir:
(...)
II - taxas em razão do
exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos de suas atribuições, específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos a sua disposição;
§ 2º. As taxas não poderão ter
base de cálculo própria dos impostos.”
A
lei impugnada é inconstitucional porque institui taxas cujo fato gerador é serviço
público geral e indivisível.
Ora,
ao eleger como fato gerador "a prestação ou a utilização efetiva ou
potencial, dos serviços de desobstrução e desinfecção de galerias,
terraplanagem, nivelamento, aplicação de herbicidas, assepsia e drenagem de
águas estancadas, combate à erosão, conservação do serviço público, guias e
sarjetas, manutenção e controle do curso das águas", o legislador
afastou-se do permissivo constitucional contido no art. 145, II, da
Constituição Federal, eis que tributou serviço genérico e indivisível que é
prestado à coletividade, sendo impossível a quantificação individual.
Convém,
ainda, salientar ser incontroverso que, já no que tange à indivisibilidade do
serviço que se quer tributar, pela Constituição Federal, os Municípios integram
a Federação e têm garantida sua autonomia, atendidos os princípios
estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (art. 29,
CR). E essa autonomia é revelada pela competência dos Municípios para legislar
sobre assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber; instituir e arrecadar os tributos de sua competência,
dentre outras (art. 30, CR).
Entretanto,
a competência tributária dos Municípios – consubstanciada na capacidade de
instituir tributos – encontra limite nas normas da Constituição Federal
referentes ao Sistema Tributário Nacional (art. 145 e seguintes, CR), que
envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais a regra matriz dos tributos
(impostos, taxas e contribuições de melhoria).
Mesmo
reconhecendo que a Constituição da República não criou tributos, é certo que,
além de discriminar competências, ela traça a “norma padrão de incidência” de cada
um dos tributos que podem ser criados pelos entes federativos. Em outras
palavras, a Constituição da República, no art. 145, ao conferir às pessoas
políticas competência para que instituam impostos, taxas e contribuições de
melhoria, classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um
deles e vinculando o legislador ordinário.
Sobre
isso, ensina ROQUE ANTONIO CARRAZZA que:
“A Constituição, ao
discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de
modo implícito e com certa margem de liberdade para o legislador - a norma
padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação.
Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo
possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota
possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o
legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma
padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador
(federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode
fugir deste arquétipo constitucional.” (em “Curso de Direito Constitucional
Tributário”, 4º ed., pág. 257).
E
o artigo 145, II, da Constituição Federal, que traça a regra matriz das taxas -
regra que é repetida no artigo 160, II, da Constituição do Estado de São
“Art. 145 - A União, os estados,
o Distrito Federal e os municípios poderão instituir os seguintes tributos:
II - taxas, em razão do
exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestado ao contribuinte ou postos
a sua disposição”.
Como
se vê, a regra matriz constitucional das taxas fixa como hipótese de incidência
desse tributo uma atuação estatal (poder de polícia ou serviço público
específico e divisível) direta e imediatamente referida ao obrigado (cf.
GERALDO ATALIBA, em “Hipótese de Incidência Tributária”, 2º ed., pág. 164).
E
as taxas de serviço, por definição constitucional, são aquelas cobradas pelo
Poder Público, “pela utilização, efetiva ou potencial de serviços públicos de
sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a
sua disposição.” Já serviço público, segundo CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO,
“é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível
diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as
vezes, sob um regime de direito público” (em Curso de Direito Administrativo”,
7º ed., pág. 399).
Entrementes,
não é qualquer serviço público que possibilita a tributação por via de taxa,
mas apenas o serviço público específico e divisível, em contraste com o serviço
público geral e indivisível, este passível de tributação apenas pela via do
imposto. É o que ensina o já citado ROQUE ANTONIO CARRAZZA, nos seguintes
termos:
“Os serviços públicos gerais,
ditos também universais, são os prestados “uti universi”, isto é,
indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo
considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável)
de pessoas. É o caso dos serviços de iluminação pública, de segurança pública,
de diplomacia, de defesa externa do País, etc. Todos eles não podem ser
custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas, sim, das receitas gerais do
Estado, representadas basicamente pelos impostos. Já os serviços públicos
específicos, também chamados de singulares, são os prestados “uti singuli”.
Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos,
determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam,
portanto, de divisibilidade, é de dizer, da possibilidade de avaliar-se a
utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos
serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de
água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes, sim, podem ser custeados
por meio de taxas de serviço” (em “Curso de Direito Constitucional Tributário”,
12.º ed., pág. 448).
De
fato, essa categoria jurídica, tanto no Brasil
como no exterior, sempre foi “uma técnica fiscal de
repartição da despesa com um serviço público especial e mensurável pelo grupo
restrito de pessoas que se aproveitam de tal serviço, ou o provocaram ou o têm
ao seu dispor” (cf. ALIOMAR BALEEIRO, em
“Direito Tributário Brasileiro”, 10ª ed., 1985, Forense, p.328). Exatamente por
isso, EDWIN SELIGMAN enfatiza: “A característica essencial da taxa é a
existência de um benefício especial mensurável, ao mesmo tempo que um interesse
público predominante; a ausência de interesse público faz do pagamento um preço
e a ausência do benefício especial faz dele um imposto” (em “Essays in
Taxation”, 1931, p. 431, “apud” BILAC PINTO, “Estudos de Direito Público”, ed.
Forense, 1953, p.162).
Diante
disso, inegável que o Município de Tupã extrapolou os limites e parâmetros
constitucionais ao instituir a taxa de limpeza de vias ou de conservação de
vias públicas, cujo fato gerador é serviço público geral e indivisível, que
beneficia um número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas,
serviços que não oferecem “benefício especial” aos contribuintes 'eleitos' pela
lei.
Ademais,
não basta que a lei instituidora de uma taxa afirme que esta se destina a
custear um serviço prestado ao contribuinte ou fruível por este: também é
indispensável que o benefício possa ser quantificado em relação a cada
contribuinte. Nesse sentido, já decidiu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que “o
benefício especial objetivo, mensurável é condição essencial para que o tributo
seja conceituado como taxa” (STF, RE
72.374-ES, RDA, 110-212, rel. Ministro Luiz Gallotti).
Por
fim, como restou consignado no V. Acórdão proferido pela Colenda Décima Quinta
Câmara de Direito Público, o STF, de fato, tem proclamado a inconstitucionalidade
da taxa questionada na presente ação:
TRIBUTÁRIO.
TAXA DE CONSERVAÇÃO E SERVIÇOS DE ESTRADAS DE RODAGEM. ARTIGOS 3.º, 4.º, 5.º e
6.º DA LEI N.º 3.133/89, DO MUNICÍPIO DE ARAÇATUBA/SP. INCONSTITUCIONALIDADE.
ARTIGO 145, II, e § 2.º, DA CARTA MAGNA. Não se tratando de serviço público
específico e divisível, referido apenas aos contribuintes lindeiros que
utilizam efetiva ou potencialmente as estradas, não pode ser remunerado por
meio de taxa, cuja base de cálculo, ademais, identifica-se com a de imposto,
incidindo em flagrante inconstitucionalidade, conforme precedentes da Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se a
inconstitucionalidade dos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 3.133, de
27/06/89, do Município de Araçatuba/SP (RExt n. 259.889/SP, Relator: Min.
ILMAR GALVÃO, Julgamento: 07/03/2002,
Tribunal Pleno, DJ de 19-04-2002, p. 62).
Em
tais circunstâncias, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da taxa de
limpeza e de conservação pública, (Lei n. 66/2004), do Município de Tupã.
Deve
igualmente ser reconhecida a inconstitucionalidade da Lei n. 2.087/74, no
tocante à taxa de expediente ou de emolumentos, proveniente da emissão de
notificação de lançamento tributário de IPTU, tendo em vista que cabe à Municipalidade
informar o valor do imposto a ser cobrado. Observe-se que para tanto nada foi
requerido pelo contribuinte.
Por fim, em que pese a respeitável fundamentação contida nos autos, quanto à taxa de cobertura de incêndios a matéria encontra-se pacificada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Vários julgados foram proferidos no sentido da constitucionalidade das denominadas “taxas de incêndio” ou “taxa de bombeiro”, reconhecendo que se trata de serviço específico e divisível, cuja remuneração pode ser realizada através de taxas de serviços.
Além disso, nesse contexto há julgados que examinaram tanto leis municipais como leis estaduais, levando à conclusão no sentido de que as Cortes Superiores, no exercício de seu papel de uniformização da interpretação e aplicação do direito federal constitucional e infraconstitucional, reconheceram a legitimidade da imposição da referida exação tanto pelos Municípios como pelos Estados.
Essa tese foi firmada pelo Colendo STF quando do julgamento do RE nº 206.777/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, a respeito da “taxa de incêndio” instituída pelo Município de Santo André, cf. julgamento realizado em 25/02/1999 pelo Plenário do STF, nos termos da ementa a seguir transcrita:
“(...)
TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. IPTU PROGRESSIVO. TAXAS DE LIMPEZA PÚBLICA E DE SEGURANÇA. LEIS MUNICIPAIS Nº 6.747/90 (ARTS. 2º E 3º); 6.580/89 (ARTS. 1º E 2º. INC. I, ALÍNEA A, E INC. II, ALÍNEAS A E B), e 6.185/85. ACÓRDÃO QUE OS DECLAROU INEXIGIVÉIS. ALEGADA OFENSA INCS. I E II E §§ 1º E 2º DO ART. 145; INC. I E § 1º DO ART. 156; §§ 1º, 2º, 4º, INC. II, DO ART. 182 DA CONSTITUIÇÃO. Decisão que se acha em conformidade com a orientação jurisprudencial do STF no que tange ao IPTU progressivo, declarado inconstitucional no julgamento do RE 194.036, Min. Ilmar Galvão; e á taxa de limpeza urbana (arts. 1º e 2º, inc. I, a, e II, a e b, da Lei nº 6.580/89), exigida com ofensa ao art. 145, inc. II e § 2º, da CF, porquanto a título de remuneração de serviço prestado uti universi e tendo por base de cálculo fatores que concorrem para formação da base de cálculo do IPTU. Declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos enumerados, alusivos à taxa de limpeza urbana. Pechas que não viciam a taxa de segurança, corretamente exigida para cobrir despesas com manutenção dos serviços de prevenção e extinção de incêndios. Recurso conhecido em parte, para o fim de declarar a legitimidade da última taxa mencionada. Recurso conhecido em parte, para o fim de declarar a legitimidade da última taxa mencionada. (g.n.)
(...)
Esse julgado passou a servir como paradigma para inúmeros outros nos quais, sucessivamente, foi reconhecida a constitucionalidade da mencionada taxa. A título de exemplificação, confiram-se os seguintes precedentes: AI 677891 AgR/MG, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 17/03/2009, 1ª Turma; RE 473611 AgR/MG, rel. Min. EROS GRAU, j. 19/06/2007, 2ª Turma; AI 408062 ED/SP, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 13/06/2006, 1ª Turma; AI 551629 AgR/SP, rel. Min. CARLOS BRITTO, j. 25/04/2006, 1ª Turma; RE 247563 AgR/SP, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 28/03/2006, 1ª Turma; entre outros.
Relevante anotar que na decisão proferida no RE 550.262-7, de 19.03.2009, ao negar seguimento ao recurso extraordinário interposto pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, o Ministro relator RICARDO LEWANDOWSKI destacou que:
“(...)
A pretensão recursal não merece acolhida.
A Corte possui entendimento pacífico pela constitucionalidade de taxas cobradas, geralmente por municípios, em razão dos serviços de prevenção, combate ou extinção de incêndios, uma vez que instituídas como contraprestação a serviços essenciais, específicos e divisíveis, a exemplo do julgamento do RE 206.777/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão.
No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, dentre outras: AI 552.033-AgR-ED/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI 581.299/SP, Rel. Min. Carlos Britto; AI 560.450/SP, Rel. Min. Celso de Mello; AI 559.708/SP, Rel. Min. Cezar Peluso; AI 478.571-AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 406.978-AgR/SP, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 516.630-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso.
Sobre à competência municipal para instituir a referida taxa, ressalte-se, ainda, que, no caso dos autos, para se chegar ao exame da alegada ofensa à Constituição, faz-se necessário analisar normas infraconstitucionais locais que prevêem a divisão de competências entre Estado e Município para executar os serviços de assistência, combate e extinção de incêndios, o que inviabiliza o extraordinário, a teor da Súmula 280 do STF.
No que diz respeito ao argumento da utilização de base de cálculo própria de impostos, no julgamento do RE 576.321-RG-QO/SP, de minha relatoria, o Tribunal reconheceu a repercussão geral da matéria e manteve o entendimento pela constitucionalidade de taxas que, na apuração do montante devido, adotem um ou mais dos elementos que compõem a base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não se verifique identidade integral entre uma base e a outra.
Nesse julgamento, asseverei também que, no cálculo da taxa, não há como se exigir correspondência precisa com o valor despendido na prestação do serviço. Basta uma equivalência razoável entre o valor pago pelo contribuinte e o custo individual do serviço que lhe é prestado.
No caso concreto, o rateio do custo total dos serviços prestados leva em conta a área do imóvel e a carga de incêndio específica (potencial calorífico) para cada tipo de imóvel, o que, decerto, guarda relação mais do que razoável com os serviços custeados pela taxa em questão.
(...)”
No Colendo STJ há análoga situação. Confira-se, a título de exemplo, o que foi decidido no AgRg no RMS 23719/MG, rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, j. 26/05/2009:
“(...)
TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO
(...)
No mesmo sentido há vários precedentes do Colendo STJ: AgRg no Ag 965067/MG, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, 1ª Turma, j. 16/12/2008; RMS 21219/MG, rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, j. 21/10/2008; AgRg no AgRg no REsp 1000985/MG, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, 1ª turma, j. 17/04/2008; AgRg no Ag 810852/MG, rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, j. 17/05/2007; entre outros.
Em
tais circunstâncias, o parecer é no sentido da não instauração do incidente no
que diz respeito às taxas de expediente ou de emolumentos e de cobertura de
incêndios (Leis n. 2.087/74 e 2.240/77) ou, se assim não se entender, que seja
acolhida a tese da inconstitucionalidade referente às taxas de limpeza e de
conservação das vias públicas e de expediente ou de emolumentos (Leis n. 66/2004
e 2.087/74).
São Paulo, 03 de fevereiro de
2011.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb
[1] “A superveniência de uma Constituição desaloja
por completo a anterior. Isso se dá em virtude de seu próprio caráter
originário e inicial (...). Em termos práticos a nova Constituição revoga a
anterior. Dizemos em termos práticos porque do ponto de vista estritamente
teórico é bem de ver que inexiste uma estrita revogação porque este é um
instituto preordenado a funcionar dentro da ordem jurídica vigente” (Celso
Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional,
p. 113).
[2] Jorge
Miranda, Manual de direito constitucional,
v. II, p. 242 e SS.
[3] “É certo, portanto, que com a revolução tem-se uma interrupção na continuidade (do ordenamento jurídico); ela é um divisor de águas entre um ordenamento e outro. Mas essa divisão é absoluta? O ordenamento velho e o novo estão em relação de exclusão recíproca entre si? Eis o problema. A resposta só pode ser negativa: a revolução opera uma interrupção mas não uma completa solução de continuidade; há o novo e o velho, mas há também o velho que se trasvasa no novo, e o novo que se mistura com o velho. É um fato que, normalmente, parte do velho ordenamento, passa para o novo e apenas alguns princípios fundamentais referentes à Constituição do Estado se modificam. Como se explica essa passagem? A melhor explicação é aquela que recorre à figura da recepção. No novo ordenamento tem lugar uma verdadeira e autêntica recepção de boa parte do velho; e entendem-se de fato recebidas todas aquelas normas que não sejam explícita ou implicitamente ab-rogadas (...). A recepção é um ato jurídico com o qual um ordenamento acolhe e torna suas as normas de outro ordenamento, onde tais normas permaneçam materialmente iguais, mas não são mais as mesmas com respeito à forma” (Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 177).