Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0018856-95.2012.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público

Objeto: inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei Orgânica do Município de Tapiratiba.

 

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei Orgânica do Município de Tapiratiba, que fixou o número de 13 Vereadores da Comuna. Violação do art. 29, inc. IV, da Constituição Federal, diante da adoção, pelo STF, de critério matemático rígido – explicitado na Res. TSE 21.702/04 – para dar efetividade ao princípio da proporcionalidade. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 8ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação Cível nº 9157688-57.2009.8.26.0000, em que figuram como partes: CÂMARA MUNICIPAL DE TAPIRATIBA (apelante) e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei Orgânica do Município de Tapiratiba, que fixou em 13 o número de Vereadores da Comuna.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

O dispositivo questionado, integrante da Lei Orgânica do Município de Tapiratiba, tem a seguinte redação:

“O número de Vereadores à Câmara Municipal de Tapiratiba, será de 13 (treze) nos termos da Constituição da Republica”  sic

O ato normativo fixou em 13 o número de Edis da Municipalidade, com afronta – de acordo com a tese esposada pelo Órgão Fracionário – ao art. 29, inc. IV, da Constituição Federal, que, à epoca da edição da norma sindicada, tinha a seguinte redação:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

IV - número de Vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites:

a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes;

b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;

c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes;

Sobre o tema, sabe-se que a Constituição Federal de 1988 aumentou os números mínimo e máximo de Vereadores, fixando-os em 9 e 55, respectivamente, relegando às leis orgânicas estabelecer, caso a caso, a quantidade exata de Vereadores de cada Municipalidade.

Diante da regra constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendeu necessária a adoção de critério matemático rígido para o efetivo respeito à proporcionalidade, tendo afirmado, conforme observa Alexandre de Moares, que “deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito, é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade” (Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 278).

Com o respaldo dessa orientação, o Tribunal Superior Eleitoral, definiu a fórmula para assegurar a proporcionalidade do número de vereadores para os Municípios, de acordo com a sua população, fazendo-o através da Resolução nº 21.702, de 2.4.2004, que, na dicção do STF, teve o escopo de “dar efetividade e concreção ao julgamento do Pleno no RE 197.917/SP, conferindo efeito transcendente aos fundamentos determinantes que deram suporte ao mencionado julgamento” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 279).

Confira-se:

E M E N T A: FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - LEGITIMIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QUE ATUOU NO TSE) NO JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA AJUIZADA CONTRA ATO EMANADO DAQUELA ALTA CORTE ELEITORAL - INAPLICABILIDADE, EM REGRA, DOS INSTITUTOS DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO AO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, POR QUALQUER MINISTRO DO STF, DE RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. - O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, embora prestando informações no processo de controle concentrado de constitucionalidade, não está impedido de participar de seu julgamento, não obstante suscitada, em referida causa, a discussão, "in abstracto", em torno da constitucionalidade (ou não) de resoluções ou de atos emanados daquela Alta Corte. Também não incidem, nessa situação de incompatibilidade processual, considerado o perfil objetivo que tipifica o controle normativo abstrato, os Ministros do Supremo Tribunal Federal que hajam participado, como integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, da formulação e edição, por este, de atos ou resoluções que tenham sido contestados, quanto à sua validade jurídica, em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade instaurada perante a Suprema Corte. Precedentes do STF. - Os institutos do impedimento e da suspeição restringem-se ao plano dos processos subjetivos (em cujo âmbito discutem-se situações individuais e interesses concretos), não se estendendo nem se aplicando, ordinariamente, ao processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, que se define como típico processo de caráter objetivo destinado a viabilizar o julgamento, não de uma situação concreta, mas da constitucionalidade (ou não), "in abstracto", de determinado ato normativo editado pelo Poder Público. - Revela-se viável, no entanto, a possibilidade de qualquer Ministro do Supremo Tribunal Federal invocar razões de foro íntimo (CPC, art. 135, parágrafo único) como fundamento legítimo autorizador de seu afastamento e conseqüente não-participação, inclusive como Relator da causa, no exame e julgamento de processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade. RESOLUÇÃO TSE Nº 21.702/2004 - DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS A SEREM OBSERVADOS, PELAS CÂMARAS MUNICIPAIS, NA FIXAÇÃO DO RESPECTIVO NÚMERO DE VEREADORES - ALEGAÇÃO DE QUE ESSE ATO REVESTIR-SE-IA DE NATUREZA MERAMENTE REGULAMENTAR - RECONHECIMENTO DO CONTEÚDO NORMATIVO DA RESOLUÇÃO QUESTIONADA - PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO REJEITADA. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em tema de fiscalização concentrada de constitucionalidade, firmou-se no sentido de que a instauração desse controle somente tem pertinência, se a resolução estatal questionada assumir a qualificação de ato normativo (RTJ 138/436 - RTJ 176/655-656), cujas notas tipológicas derivam da conjugação de diversos elementos inerentes e essenciais à sua própria compreensão: (a) coeficiente de generalidade abstrata, (b) autonomia jurídica, (c) impessoalidade e (d) eficácia vinculante das prescrições dele constantes. Precedentes. - Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, que, impugnada na presente ação direta, encerra, em seu conteúdo material, clara "norma de decisão", impregnada de autonomia jurídica e revestida de suficiente densidade normativa: fatores que bastam para o reconhecimento de que o ato estatal em questão possui o necessário coeficiente de normatividade qualificada, apto a torná-lo suscetível de impugnação em sede de fiscalização abstrata. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE ELEITORAL: SIGNIFICADO DA LOCUÇÃO "PROCESSO ELEITORAL" (CF, ART. 16). - A norma consubstanciada no art. 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula-se, em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais. Precedentes. - O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA e ANTONIO TITO COSTA). - A Resolução TSE nº 21.702/2004, que meramente explicitou interpretação constitucional anteriormente dada pelo Supremo Tribunal Federal, não ofendeu a cláusula constitucional da anterioridade eleitoral, seja porque não rompeu a essencial igualdade de participação, no processo eleitoral, das agremiações partidárias e respectivos candidatos, seja porque não transgrediu a igual competitividade que deve prevalecer entre esses protagonistas da disputa eleitoral, seja porque não produziu qualquer deformação descaracterizadora da normalidade das eleições municipais, seja porque não introduziu qualquer fator de perturbação nesse pleito eleitoral, seja, ainda, porque não foi editada nem motivada por qualquer propósito casuístico ou discriminatório. CONSAGRAÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, COM A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 21.702/2004, DOS POSTULADOS DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA SEGURANÇA JURÍDICA. - O Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Resolução nº 21.702/2004, consubstanciadora de mera explicitação de anterior julgamento do Supremo Tribunal (RE 197.917/SP), limitou-se a agir em função de postulado essencial à valorização da própria ordem constitucional, cuja observância fez prevalecer, no plano do ordenamento positivo, a força normativa, a unidade e a supremacia da Lei Fundamental da República. EFEITO TRANSCENDENTE DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES DO JULGAMENTO DO RE 197.917/SP - INTERPRETAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 29 DA CONSTITUIÇÃO. - O Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram o julgamento plenário do RE 197.917/SP, submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante do texto constitucional. - O TSE, ao assim proceder, adotou solução, que, legitimada pelo postulado da força normativa da Constituição, destinava-se a prevenir e a neutralizar situações que poderiam comprometer a correta composição das Câmaras Municipais brasileiras, considerada a existência, na matéria, de grave controvérsia jurídica resultante do ajuizamento, pelo Ministério Público, de inúmeras ações civis públicas em que se questionava a interpretação da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Lei Fundamental da República. A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. - O exercício da jurisdição constitucional - que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição - põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, "caput") - assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político- -jurídico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.
(ADI 3345, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2005, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-01 PP-00110)

Ora, tendo o § 2º do art. 7º da Lei Orgânica do Município de Tapiratiba fixado em 13 o número de seus Vereadores, desrespeitou-se a cláusula da proporcionalidade inscrita no inc. IV do art. 29 da Constituição Federal, cuja interpretação definitiva se estabelece pela tabela anexa à Resolução TSE 21.702/04.

Segundo informação do IBGE, o Município de Tapiratiba conta com 12.246 (doze mil, duzentos e quarenta e seis) habitantes, de sorte que o atendimento a regra constitucional estudada se estabeleceria com o número de 09 (nove) Vereadores, e não 13 (treze), como ficou definido.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei Orgânica do Município de Tapiratiba.

 

São Paulo, 14 de fevereiro de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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