Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0024357-30.2012.8.26.0000

Suscitante: 18ª Câmara de Direito Privado

Objeto: art. 5º da MP 2.170-36/2001

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. MP 2.170/01 (art. 5º). Permissão de capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. A permissão da capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano é assunto que, no contexto da política de crédito e de regulação e fiscalização do setor financeiro, tem relevância e urgência, pois, demanda providências imediatas e que, por essa razão, não é lícito que fiquem à mercê da rigidez ritualística do processo legislativo.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 18ª Câmara de Direito Privado, nos autos de Apelação Cível nº 0002815-18.2009.26.0369, em que figuram como partes (...) e outros (apelantes) e (...)  (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 5º da MP 2.170-36/2001.

Este é resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

Embora não se tenha notícia de pronunciamento anterior do Plenário do Supremo Tribunal Federal[1] sobre a questão suscitada, o tema foi objeto das arguições de inconstitucionalidade nº 0128514-88.2011.8.26.0000 e 0137106-24.2011.8.26.0000, igualmente suscitadas pela C. 18ª Câmara de Direito Público.

Há notícia de que a primeira delas foi apreciada pelo C. Órgão Especial, que a rejeitou, nos seguintes termos:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1963-17/2000, REEDITADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170/2001, CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO, CELEBRADO A PARTIR DE 31 DE MARÇO DE 2000. POSSIBILIDADE. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO, NÃO SE APLICA O ARTIGO 591 DO CÓDIGO CIVIL, PREVALECE A REGRA ESPECIAL DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170/2001. PRECEDENTES DO STJ. ARGUIÇÃO DESACOLHIDA, COMPATIBILIDADE DA LEI COM O ORDENAMENTO FUNDANTE (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0128514-88.2011- São Paulo, rel. Des. RENATO NALINI, J. 24 Ago. 2011).

Esse fato constitui-se em óbice ao conhecimento do presente incidente, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC.

Mérito

A colenda 18ª Câmara de Direito Privado suscita a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/01 em razão da ausência dos requisitos de relevância e urgência (fls. 172).

Assim dispõe a norma impugnada:

“Art. 5º.  Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único.  Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais”.

A questão relativa à discrepância com o art. 7º, II, da Lei Complementar n. 95/98, não anima este incidente de inconstitucionalidade porque se sedimenta sobre conflito de legalidade.

Idêntica observação é devida a eventual ineficácia do disposto na medida provisória em face do art. 591 do Código Civil, reputado pela douta turma suscitante como lei de maior hierarquia.

O controle judiciário de constitucionalidade de medida provisória é autorizado excepcionalmente quando se revela o abuso ou desvio do poder de legislar ou a manifesta ausência dos requisitos constitucionais de urgência ou relevância.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. POSSIBILIDADE.

1. A capitalização dos juros em periodicidade mensal é admitida para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000 (MP nº 1.963-17/2000), desde que pactuada.

2. Não é aplicável aos contratos de mútuo bancário a periodicidade da capitalização prevista no art. 591 do novo Código Civil, prevalecente a regra especial do art. 5º, caput, da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), que admite a incidência mensal.

3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgR-REsp 1.005.183-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, 10-11-2009, v.u., DJe 23-11-2009).

A permissão da capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano é assunto que, no contexto da política de crédito e de regulação e fiscalização do setor financeiro, tem relevância e urgência, pois, demanda providências imediatas e que, por essa razão, não é lícito que fiquem à mercê da rigidez ritualística do processo legislativo.

Pelo exposto, opino pelo não conhecimento e, no mérito, pela rejeição do presente incidente de inconstitucionalidade.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2012.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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[1] Registre-se que o STF deverá se pronunciar sobre o tema constitucional em análise, pois este é objeto da ADI 2316, ajuizada em 20.09.2000, pelo Partido da República. A inconstitucionalidade, segundo a agremiação política, decorre dos seguintes fundamentos: (1) Violação do caput do artigo 62 da Constituição Federal, haja vista que a questão já se encontrava sumulada pelo Supremo Tribunal Federal há quase 40 anos, ou seja, não havia o requisito da urgência para permitir a regulamentação do tema por medida provisória; (2) Violação do atual artigo 62, § 1º, inciso II c/c 192, ambos da Constituição Federal, uma vez que as normas gerais relativas ao Sistema Financeiro Nacional só podem ser tratadas por Lei Complementar e, portanto, seria incabível a medida provisória; e (3) Violação dos artigos 5º e 7º da Lei Complementar 95/98, pois a MP tratava de matéria completamente estranha ao Sistema Financeiro Nacional, dado que regulamentava a administração de créditos do Tesouro Nacional (cf. Leonardo Araújo Marques, Contratos bancários: polêmicas e ilegalidades. In: Revista da EMERJ, v. 14, n. 53, 2011, p. 152-178).